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segunda-feira, 6 de abril de 2020

O COMBATE DE MARANDUBA

Por Leonardo Ferraz Gominho
Obs: foto tirada na fazenda jaramataia

A perseguição continuou, enfrentando a força de Manuel Neto as mais difíceis privações, passando muita fome e sede. Ao final do ano, na segunda quinzena de dezembro de 1931, a volante voltou a Jatobá (Petrolândia) para ali passar as festas de final de ano. “Para entrar na localidade, foi preciso” esperar o “anoitecer, isto porque a força vinha quase despida.”Passadas as festas e refeitos, logo no início de janeiro Manuel Neto partiu à procura dos cangaceiros. Tomara conhecimento de que o grupo se encontrava na vila de Canindé (SE), “ferrando moças”. Requisitou o trem e seguiu para Piranhas. Atravessou o rio e entrou no território de Sergipe, indo dormir na sexta-feira, dia 8 de janeiro (1932), já perto dos cangaceiros.No dia seguinte continuaram rastejando, aproximando-se cada vez mais dos bandidos. Na vanguarda, o destacamento de Manuel Neto e, mais atrás, os homens sob o comando do tenente do Exército Liberato de Carvalho, na ocasião com o comando geral das forças.Seguiam na frente os sargentos João Cavalcanti e Hercílio de Souza Nogueira. O primeiro, por volta das 16 horas, avistou os cangaceiros. Pediu a Hercílio que não atirasse; esperasse a força encostar. Assim o ataque surtiria maior efeito. O bando estava bem posicionado, num local estratégico, nas proximidades da fazenda Maranduba.

Manoel Neto

Impetuoso, Hercílio respondeu que não esperaria por ninguém. Cada qual fizesse o que pudesse. Convidou o companheiro a ver quem avançava mais. Abriu fogo e partiu para cima dos bandidos que, de imediato, reagiram, disparando e avançando contra os dois sargentos e os companheiros que os seguiam. Já próximo do acampamento dos bandidos, Hercílio foi atingido e caiu.

- “Vala-me, Nossa Senhora. Logo na cabeça...” -, teriam sido suas últimas palavras.Ao seu lado tombou João Cavalcanti, ou João de Anísia, como era conhecido (Cavalcanti era, por sinal, primo do célebre Horácio Cavalcanti de Albuquerque). Tomando conhecimento da morte de Hercílio, Adalgiso, de apenas 15 anos de idade, abandonou o comando do tenente Liberato e correu ao encontro do irmão. Foi atingido, tombando morto sobre o corpo de Hercílio.

Seguiu-se o mais terrível combate travado no eixo Bahia-Sergipe, envolvendo as forças conjuntas e o bando de Lampião. Esclarece Billy Chandler (obra citada, p. 183) que, “embora o número de soldados ultrapassasse o dos cangaceiros na proporção de três para um (aproximadamente 100 soldados para 32 cangaceiros), foram eles quem mais sofreram”. O bando tinha bastante munição e a polícia não conseguiu boa posição para o ataque. “Liberato, em vez de flanquear os cangaceiros, imprudentemente tentou atirar por cima das cabeças de seus colegas pernambucanos. Em duas horas de combate, as perdas da polícia, tanto infligidas pelos cangaceiros como por seus próprios colegas, foram inúmeras. Pelo menos cinco soldados morreram na cena do combate; entre os doze ou mais feridos, diversos morreram mais tarde, a maior parte por falta de cuidados médicos.”

A batalha de Maranduba

De Nazaré, caiu morto também Antônio Benedito da Silva. E os cangaceiros, aparentemente, perderam quatro homens, dois dos quais no local da luta. “Contam que havia um outro tão ferido que Lampião, diante do seu sofrimento, matou-o a tiros.”João Lira (obra citada, p. 512) diz que Manuel Neto, mais tarde, lhe confidenciaria que “nunca tinha visto tanta bala como viu ali”, num “fogo cerrado de ambas as partes, misturados, sem haver recuo”, lutando-se por duas ou três horas com bandidos alcoolizados.

Comandante e delegado

A perseguição a Lampião não cessou. Manuel Neto continuou enfrentando os cangaceiros, destacando-se nos tiroteios da Baixa da Moça, Serra da Canabrava, Serra do Bobodó e do Ninho, e em Caldeirão (22.04.1932), aqui ao lado do tenente Abdon Menezes. Isso no eixo Bahia-Sergipe.Chandler (obra citada, p. 191) diz que, em 1932, os sertanejos baianos viviam aflitos com a presença dos bandidos e, muito mais, com a da polícia. E, de todas as volantes, os nazarenos, “sob o comando de Manuel Neto, eram os mais temidos. Perseguindo Lampião com um zelo fanático, empregavam qualquer método para obter informações”. E, à página 57: “Durante toda a sua carreira, Lampião encontrou poucas pessoas que se empenharam tanto a persegui-lo como esse grupo. Muitas vezes, outros o perseguiram de longe, temendo por suas vidas, enquanto outros podiam ser subornados. Mas os nazarenos, não. Caçaram-no em Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Ceará, e quando, anos mais tarde, ele mudou seu centro de operações para Bahia e Sergipe, foram atrás dele lá”.

Em 1933, Manuel Neto distribuiu armas e munições com alguns fazendeiros e colocou pequenos destacamentos nos locais mais sujeitos aos ataques dos cangaceiros que, vindos da Bahia, “realizavam sanguinárias incursões em Pernambuco”.

Ainda como tenente, foi Comandante das Forças em Operação no Interior do Estado (PE), sendo então obrigado, devido à alta posição de comandante, a afastar-se do confronto direto com os bandidos. Entretanto, ainda haveria de enfrentá-los, como o fez em Porteiras, no município de Floresta, em 1935. Com o levante comunista daquele ano, o tenente instruiu seus comandados, fazendo-os voltar à sede das volantes para dali, sob seu comando, seguirem para o Recife a fim de dar combate aos comunistas e sufocar o movimento armado que eclodira.

A sua ação, sempre incisiva, ensejara-lhe a promoção a capitão, o que se verificou aos 3 de janeiro de 1936. E, aos 27 de fevereiro, recolheu-se das Forças em Operação no Interior do Estado, passando a prestar serviços na capital. Virgulino e seu bando fixara-se no eixo Bahia-Sergipe e diminuíra suas incursões em Pernambuco. Mesmo assim, Manuel Neto ainda continuou a realizar missões no interior, trabalhando de uma forma intensa e desgastante. Enfim, em dezembro de 1936, entrou em gozo de férias, benefício que não obtivera nos anos de 1929, 1930, 1932, 1934 e 1935, o que, por si só, demonstra o empenho do nazareno no combate ao banditismo.

Na capital pernambucana, comandou a 3ª, 2ª e 1ª Companhia do 1º Batalhão, assumindo interinamente por diversas vezes as funções de subcomandante daquele Batalhão. Ficou à frente do Esquadrão de Cavalaria de dezembro de 1938 a junho de 1940. Nesse período, foi louvado “pelo esforço e dedicação demonstrados durante a extinção do grande incêndio verificado num dos tanques da Standard Oil Company of Brazil”, ocasião em que se postou sempre ao lado do comandante Geral, “auxiliando em tudo que era possível, transmitindo ordens e colaborando para a manutenção da ordem pública”.

Mais tarde, ao deixar o Comando da Força, o Cel. Rogaciano agradeceu ao capitão Manuel Neto, louvando-lhe o “contingente de esforço dado a sua interinidade no Comando da Força.”

O último grupo de cangaceiros, o de Corisco, foi desbaratado naquele ano de 1940. Chegava ao fim uma luta em que os nazarenos se engajaram desde o princípio, e que levara à morte mais de quinze filhos do povoado e daquela região. Olhando para o primo Manuel Neto, Manoel Flor “achava espantoso que esse homem, ainda com balas no corpo e com tantas cicatrizes, tivesse sobrevivido”.

Manuel Neto, “espigado, de falar macio e andar cauteloso de gato do mato, cujo nome varava o Sertão como uma legenda de bravura” (Luís Cristóvão dos Santos, J. do Commércio - 02.12.82), participara de 35 combates e foi, sem dúvida, o maior perseguidor de Lampião. A sua atuação contra os bandidos deu-lhe oportunidade de mostrar qualidades nas missões mais difíceis, sempre a ele confiadas. “Sua peregrinação pelos sertões foi longa e vitoriosa”.

Lampião temia a sua volante: disciplinada, corajosa e guerreira. Quando avançava sobre os bandidos, não media sacrifícios, o que fazia Virgulino dizer que preferia brigar com ele, Manuel Neto, a brigar com Euclides Flor. E explicava: Euclides, além de valente, era cauteloso e hábil estrategista, procurava sempre deixar a salvo os seus companheiros e comandados. Manuel Neto “era doido”, costumava dizer Lampião. Partia para cima dos cangaceiros “feito cachorro azedo”, o que de certa forma facilitava a reação dos bandidos.

O bravo nazareno parecia desconhecer o significado da palavra medo. Parecia, apenas, pois poucos tinham, como ele, tanto medo... de alma! Tinha verdadeiro pavor pelas coisas do outro mundo.

Deixando, em 1940, o Comando do Esquadrão de Cavalaria, o capitão Manuel Neto voltou a comandar a 1ª Companhia, assumindo depois o cargo de Subcomandante Interino do 2º Batalhão, onde foi elogiado pelo comandante que realçou a “dedicação ao trabalho, o empenho em serviço, o amor à disciplina, traduzidos nas diversas modalidades e ainda mais no acatamento ao chefe; o dom da iniciativa e o espírito de corporação”.

A 19 de fevereiro de 1943, foi nomeado Delegado Regional da 11ª Zona Policial, com sede em Ouricuri. Ali permaneceu até o mês de setembro do mesmo ano. Voltou à capital e assumiu o Comando da 2ª Companhia e, no ano seguinte, novamente o Esquadrão de Cavalaria.

Aos 14 de dezembro de 1944, foi nomeado Delegado Regional da 8ª Região Policial, com sede em Sertânia, onde permaneceria até fevereiro de 1946. Nesse cargo, em março de 1945, recebeu elogio do C.el José Arnaldo: “Oficial de muito boa vontade. Rigoroso no cumprimento do dever”.

Em Sertânia, levaria um grande susto: no dia 5 ou 6 de junho de 1945, ao se dirigir a um preso, foi por ele alvejado no abdômen, tendo sido levado em estado grave para a cidade de Pesqueira, onde foi operado e passou a receber todos os cuidados médicos, restabelecendo-se, finalmente. Sete meses depois, foi promovido a major, por merecimento. Mas, em ato posterior, o Interventor Federal considerou sua promoção “por antigüidade.”

Em agosto de 1946, assumiu a Chefia da Assistência do Material e, mais uma vez, recebeu referências elogiosas: “Também é de justiça elogiar o major Manuel de Souza Neto, que vem de ser designado para a Chefia da Assistência do Material, pela dedicação em que se houve no exercício do comando do 3º B.C.. É o que faço com satisfação.”

E logo em setembro do mesmo ano, foi “louvado pelo esforço, dedicação e amor à Corporação, manifestado por ocasião dos treinamentos para a parada de 7 de setembro, concorrendo para o brilhantismo alcançado pela Força Policial de Pernambuco, pelo garbo, marcialidade e disciplina com que se apresentaram seus elementos em público.”

Ao final de 1947, entrou numa fase difícil de sua vida, afastando-se do trabalho por um ano, para tratamento de saúde. Em novembro de 1948, foi operado e desligado do serviço por mais um ano. Finalmente, aos 27 de outubro de 1949, foi transferido, a pedido, para o Quadro Suplementar.

PREFEITO

Na década de 1950, com o apoio do líder político João Inocêncio, o coronel Manuel Neto foi eleito prefeito de Ibimirim, passando a fazer uma administração responsável. Deixando a prefeitura, passou a viver exclusivamente de sua aposentadoria. Nasceu pobre e morreu pobre, nada deixando para a família.

Calado, introspectivo, não deixava transparecer o homem valente que era. Dificilmente falava sobre suas lutas contra o banditismo. Achava que isso poderia influenciar ou estimular negativamente os jovens.

Com a avançada idade de 78 anos, faleceu às 7 horas e 45 minutos do dia 3 de novembro de 1979, no Hospital da Polícia Militar, no Derby (Recife). Seu corpo foi levado para sua terra natal, sendo sepultado no cemitério de Nazaré.

Morreu solteiro. “Quando se perguntava por que não casava, respondia que era um homem de intrigas e que vivia sujeito” a ser morto “a qualquer momento”. E assim fugia ao casamento. Mas deixou pelo menos dois filhos com Otacília Gomes de Sá:

1º - Margarida Siqueira Campos - Casada, deixa oito filhos.

2º - Manoel Gomes de Souza - Casou-se com Josefa Ester de Araújo. Deixa onze filhos: Maria Cícera Araújo Souza Marques (casada com Rinaldo Leite Marques de Sá, é a mãe de Raniere, de Krausia e de Rinaldo Júnior), João Gomes de Araújo, Sandra Araújo Souza Torres, Olga Maria Gomes Araújo Pires (mãe de Washington e de Letícia), Margarida Gomes Araújo, Filomena Gomes de Araújo, Carlos Vital Gomes de Souza, José Gomes Araújo, Francisca Araújo Gomes Nunes, Emílio Gomes de Souza e Maria das Dores Araújo Souza.


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