Por GIOVANNA DE MATTEO PUBLICADO EM 26/11/2020
Uma traição no cangaço poderia ser paga com pena de morte, mas Maria Jovina arriscou-se ao seduzir o amigo de seu marido
O Cangaço foi um dos movimentos de bandidismo mais famosos da história do Brasil. A sua atuação nos sertões causou desespero e violência entre a população — e caos entre as autoridades.
A jornalista Adriana Negreiros foi responsável por levantar um relevante debate sobre as relações amorosas dentro do bando de Lampião, e conta através da biografia 'Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço' as histórias dos casais do cangaço.
Umas das narrativas relatadas em seu livro expõe um triângulo amoroso entre três cangaceiros: Balão, Pancada e Maria Jovina.
O cangaceiro Pancada era casado com Maria Jovina, que mais tarde seria reconhecida como Maria de Pancada. A moça entrara no bando ainda na adolescência, tendo uma aparência formosa: era baixinha, apesar de muito forte; pele clara, um rosto arredondado e um volumoso cabelo enrolado.
Seu marido tinha a fama de todo cangaceiro, sendo muito grosseiro e violento. Segundo as histórias contadas por Negreiros, certa vez, irritado com a postura de sua mulher, obrigou-a a andar a pé em uma das viagens, enquanto ele ia o caminho todo sentado em seu cavalo. Além dos quilômetros de andanças, quando o cavalo abarrotava a correr, o homem puxava Maria pelos cabelos para acompanhar o galope.
Talvez seja por esses mal-tratos que Maria decidira trair seu esposo. De acordo com uma confissão do próprio Balão, que era um pouco conservador em relação à inclusão de mulheres no cangaço, a jovem moça teria o seduzido por conta própria.
Naquele dia Pancada teria pedido para o amigo que ele acompanhasse sua esposa em uma caminhada pela caatinga. Eles deveriam chegar à um ponto onde o cangaceiro tinha escondido alguns pertences pessoais.
Sem hesitações, os dois foram para o meio da mata seca, mas logo no início Balão foi surpreendido por Maria Jovina, que sem perder tempo agarrou o homem o provocando. "Dizem que você é muito macho nas brigadas, mas queria ver se você é homem mesmo", teria dito a mulher, que recebeu um "não diga isso, Maria, que depois você se arrepende" como resposta de Balão.
A verdade é que ele defendia arduamente o celibato entre os cangaceiros. Para o homem, o sexo o deixaria fraco como uma melancia, e desse modo, ficaria mais propenso a ter uma bala atravessada em seu corpo — crença conhecida como "corpo fechado".
“Eles acreditavam, por exemplo, que o sexo abria o corpo e deixava o cangaceiro sem proteção contra as balas da polícia. Os cangaceiros eram figuras, como o nordestino e o sertanejo no geral, muito místicas. Eles tinham que tomar banho, se purificar, e ninguém tinha uma garantia de quando o corpo ia fechar de novo. Então tinha esse caldo de cultura que já afastava as mulheres do bando”, explica Wagner G. Barreira, autor do livro Lampião e Maria Bonita: Uma história de amor entre balas (2018), em entrevista exclusiva para o site Aventuras na História.
No entanto Maria não desistiu, acusando-o de ter medo de Pancada, até que já não aguentando mais, Balão pegou a mulher e a imobilizou entre mandacarus e xique-xiques, consumando o fato.
Depois disso, eles foram cumprir a sua tarefa, e antes de voltarem para o abrigo onde estavam todos, fizeram sexo mais uma vez. O segredo foi mantido por anos, já que o código do cangaço determinava que as mulheres deveriam ser fiéis e submissas aos seus maridos. Dessa forma, se a traição fosse descoberta, Pancada poderia penalizar Maria da forma que preferisse, podendo chegar até mesmo a matá-la.
Segundo a autora Adriana Negreiros, "'pertencer' é a expressão que melhor explica a relação matrimonial entre os cangaceiros e suas companheiras. No bando, quer tratassem suas mulheres com mesuras, quer as agredissem fisicamente, os cangaceiros as consideravam suas propriedades."
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