Bosco André e Manoel Severo ladeando Joca Coelho, pai do autor deste artigo e neto do lendário Joca do Brejão.
No século XVIII, ainda em sua primeira metade, entre os primeiros colonizadores do Cariri, inscreve-se um alagoano de nome José Paes Landim. Foi ele o fundador do Engenho de Santa Teresa, encravado em terras na ribeira do rio Salamanca, entre Missão Velha e Barbalha. De seu casamento com Geralda Rabelo Duarte origina-se a numerosa prole designada de Terésios pelo historiador Joao Brigido. O antigo Engenho de Santa Teresa contempla várias propriedades rurais, todas historicamente orientadas para a cultura de cana de açúcar e fabricacão de rapadura. São lugares ainda hoje facilmente visitados , bastando sair da rodovia que liga Missao Velha à Barbalha, e pegar à direita estrada carrossal que se inicia no sitio Carnaúba em direção à Barbalha. Passando-se pela vila de Santa Teresa, margeando um verde vale, adiante alcançamos o Brejão. Neste território viveu no inicio do século XX o coronel João Raimundo de Macedo, conhecido como Joca do Brejão.
Filho de D. Jacinta Maria de Jesus, a D. Iaiá, com Raimundo Antônio de Macedo (Mundoca). De seu primeiro casamento, D. Iaiá teve como segundo filho o legendário coronel Antônio Joaquim de Santana (coronel Santana), que morava distante dali, ou seja, na Serra do Mato, nas bordas da chapada do Araripe. Com a idade avançada, o coronel Santana voltou ao vale-matriz dos Terésios, onde veio a falecer em casa ainda hoje existente, e que pode ser facilmente avistada transitando-se por aquela mesma rodovia caririense.
"Estrada das Pedras"- foto da estrada da Passagem de Pedras, uma das propriedades nas cercanias da Santa Teresa, tendo-se ao fundo a Chapada do Araripe.
Por sua posição geográfica privilegiada, espécie de paraíso entre o Cariri e o sertão, e pelas conhecidas características pessoais do coronel Santana, a Serra do Mato se constituiu em local de visita assídua de Lampião. Aliás, as incursões do bandoleiro no Cariri costumavam ser nas escarpas da chapada e no lado oriental da região, saindo de Porteiras, Brejo Santo, passando por Milagres, Missão Velha, pelos lados da Cachoeira, e as bandas da Aurora. É possível, portanto, que o líder maior do cangaço jamais tivesse passado pelo Brejão do coronel Joca, um vale mais densamente povoado, na vizinhança de Barbalha e da movimentada Juazeiro.
Com a tomada de Missão Velha por seu irmão em 1901, o coronel Joca vislumbrou assumir o comando político de Barbalha e assim o fez em 1906, desbancando o coronel Neco Ribeiro, sobrinho de Pinto Madeira, em uma disputa que durou oito horas. Relatos dos mais antigos apontam o coronel Joca como homem de notável postura moral. Assim, ainda que mais jovem do que o coronel Santana, e possuidor do mesmo espirito tenaz, conta-se que em muitas situações atuou como orientador do irmão, procurando regulá-lo em seus excessos. O coronel Joca foi um dos signatári os do “pacto dos coronéis” em 1911, embora não tenha comparecido pessoalmente, enviando como representante seu filho José Raimundo de Macedo. Ocorrida em Juazeiro, sob os auspícios do Padre Cícero Romão Batista, essa reuniao, como assinalado por Joaryvar Macedo, em seu “Império do Bacamarte”, foi utópica na medida em que previa um conjunto de posturas e ações incompatíveis com o espirito político da época. É tanto que logo após sua realização, o coronel Joca veio a se confrontar com o próprio juiz que selou o pacto desta reunião, por este ter assumido posições que se chocavam com a estrutura de poder em Barbalha.
Em que pese a conturbada época, de inicio do século XX, quando o mandonismo e a forca imperavam, emanaram dos Teresios personalidades no mundo das letras e da cultura, como o destacado filho do coronel Santana, o desembargador Juvêncio Santana, que veio a ser afilhado e mentor do Padre Cicero, assim como deputado e secretário do Interior e Justica do Ceará. Criterioso e equilibrado, certa vez o jurista foi em Fortaleza instado a explicar a atuação de seu pai como coiteiro de cangaceiros. Argumentou que a um proprietário rural restavam somente duas op ções para evitar receber um bando em sua casa: ou abria fogo contra os cangaceiros, o que não era recomendável, visto ser atividade de risco, gerando grande desassossego para a familia, ou o governo colocaria uma tropa oficial na porteira de cada fazenda, o que seria impraticável. Outro destacada personalidade originária dos Teresios foi o professor Antônio Martins Filho, reitor e fundador da Universidade Federal do Ceará. Apesar de ter sido oficialmente registrado como nascido no Crato, o reitor teve como local de nascimento exatamente a Santa Teresa. Em seu livro "Memórias - menoridade (Imprensa Universitária-1995)", registrou sua infancia no Cariri e a ligacao de seus pais com o coronel Joca: "o mundo em que anteriormente vivíamos, podia ser muito limitado, mas era limpo e, principalmente cordial. De fato, conhecíamos somente o sitio Santa Tereza, o Brejão do seu Joca e a cida de de Barbalha, em que todos eram conhecidos e amigos". O bisavô de Martins Filho chamava-se João Antonio de Jesus, conhecido como o Major Janjoca, dono da maior parte do sítio Santa Teresa.
Rio Salamanca em sua passagem pelo Brejão
A extensa distribuição dos Terésios no Cariri e o senso de pertencimento a um mesmo tronco ancestral, conferiram ao clã uma notável articulação afetiva, traduzida tanto na sucessão de casamentos entre parentes, quanto no apoio mútuo e incondicional em situações e conflitos em que algum membro esteve envolvido. Cite-se o caso em que a matriarca Marica Macedo de Aurora, quando de seu conflito em 1908 com o chefe político daquele município, Totonho Leite, retirou-se com a família para Missão Velha em busca de apoio dos coronéis Joca e Santana. O primeiro marido de Dona Marica, Cazuza Ma cedo, era irmão do pai do coronel Joca e padrasto do coronel Santana, Raimundo Antônio de Macedo (Mundoca) e também irmão da sogra do coronel Santana. Ocorre que quando de seu percurso, fazendo pernoite no sitio Taveira, entre Aurora e Milagres, Dona Marica acabou sendo vitima do cerco dessa propriedade pelas forcas governistas, que combatiam os Santos e Paulinos, desafetos de Totonho Leite e que estavam ali abrigados sob proteção do coronel Domingos Furtado. Como resultado do chamado "fogo do Taveira", morreram várias pessoas, incluindo o filho mais novo de Dona Marica. Exaltados com a ocorrência cruel contra sua parente, o coronel Joca e o coronel Santana juntaram-se ao coronel Domingos Furtado de Milagres e o major Zé Inácio do Barro, e neste município reuniram seiscentos homens, prontos para aniquilarem Aurora, caso o presidente Nogueira Acioli nao retirasse de imediato as forças que ali permaneciam. As forças foram retiradas, mas mesmo assim Aurora veio a ser invadida sob o comando do major Zé Inácio, sucedendo-se o domínio da cidade pelo coronel Cândido Ribeiro Campos (Cândido do Pavão) e a liderança feminina de Marica Macedo, que veio a falecer em 1924.
Percebe-se quão movimentado e contraditório foi o contexto histórico em que viveram os Terésios no início do século passado. Os acontecimentos dessa época tiveram influência profunda na geopolítica da região.
João Macêdo – Médico
Professor da UFC - Universidade Federal do Ceará
Professor da UFC - Universidade Federal do Ceará
http://cariricangaco.blogspot.com/2012/01/joca-do-brejao-e-saga-dos-teresios.html
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