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domingo, 9 de janeiro de 2022

PEDRO SANTANA “XEXÉU” A Santificação na Memória

Bruna Martins de Oliveira Ferreira*

https://tsrd.fandom.com/pt-br/wiki/Cangaceiro

Palavras-Chave: Cangaceiro, Santo, Memória, Fonte.

 Resumo

O objetivo deste trabalho é investigar sobre o cangaceiro Pedro Santana, vulgo “Xexéu”, e as memórias em torno de sua vida e morte; analisar a importância das diversas fontes para construção desta memória e assim confrontando as diversas informações, coletadas até esta fase da pesquisa. A questão central é em torno da data de sua morte, que teria sido em 19 de março de 1924, dia de São José, na Vila de Santa Catarina – como fonte sobre a vida e morte de Xexéu, utilizo o Cordel escrito há cerca de 14 anos, por Diomar Araújo e Rozelio Souza (disponível apenas pela internet: Youtube). Os autores do Cordel tiveram como inspiração para a construção do cordel, a coletânea História & Estórias de Catarina, 2003, onde professor Iran Paes de Andrade utilizando de relatos e memórias, escreveu o conto: Pedro Xexéu – o Cangaceiro Santificado, livro que também utilizo como fonte… ou se de acordo com pesquisas realizadas, sua morte estaria ligada a passagem do grupo de Lampião pela cidade de Aurora, na data de 7 de julho de 1927 (relatado no Blog Cariri Cangaço).

Tanto o Conto quanto o Cordel contam a saga do cangaceiro, se baseando em memórias construídas ao longo dos anos. Ambos são registros de memórias. Memórias que ao meu ver estão sendo esquecidas ou deixadas de lado, muitas vezes pela rápida absorção e explosão das redes sociais. Poucos são aqueles que ainda se sentam as calçadas em rodas de conversas, para compartilhar de suas memórias e trocar experiências vividas principalmente com os jovens…valorizar estas duas fontes é valorizar a memória e identidade daquele município (grupo social). Segundo MENESES:

O modo como uma sociedade assegura continuidade cultural, ao preservar, com o auxílio de uma “mnemônica cultural”, seu conhecimento coletivo, de uma geração à seguinte, tornando possível que gerações vindouras possam reconstruir sua identidade cultural. Não se trata de buscar testemunhos do passado, nem mesmo de continuidade cultural, mas de identificar material capaz de assegurar a inteligibilidade do passado, num determinado contexto cultural do presente. O passado, portanto, é ativamente construído. (MENESES, 2009:447)

A variedade de informação adquirida durante a pesquisa em sites, blogs sobre o assunto; relatos diretos e indiretos; análises de artigos e reportagens, foi relativamente extensa, porém ainda não conclusiva, já que encontrei vários relatos e/ou informações sobre a pessoa “Xexéu”, em diferentes locais e datas, gerando assim um conflito com minhas fontes primarias. A escolha pelo Cordel como fonte principal (a priora) é justamente pela pluralidade (inclusive de temas) e a vasta fonte de informação social, econômica e cultural que ele nos proporciona, pois, a utilização do Cordel também tem uma história, os interesses dos historiadores variaram no tempo e no espaço, em relação direta com as circunstancias de suas trajetórias pessoais e com suas identidades culturais (LUCENA,2015). Ser historiador do passado ou do presente, além de outras qualidades, sempre exigiu conhecimento e sensibilidade no tratamento de fontes, pois delas depende a construção convincente de seu discurso (JANOTTI in PINSKY,2008:10).

Sendo assim, diálogo com autores teóricos como POLLAK (1992) – Memória e Identidade Social, sobre memória e a importância da construção da mesma; CERTEAU (2008) – A Escrita da História, com lugar social, inclusive sobre e como o Conto foi escrito; a utilização de fontes como parte importante da pesquisa com PINSKY (2011) – Fontes Históricas, entre outros autores e estudiosos: ANDRADE (2003); BARBOSA; CARVALHO; DANTAS&MUNIZ (2012); FACÓ (1980); LEAL (2012); LUCENA (2015); MATOS (2012); MENESES (2009) se fez necessário para o desenvolvimento da pesquisa.

Utilizando Michel de Certeau, com uma questão do lugar social, onde acontece a produção historiográfica; toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural, ou seja, que o local onde vive o historiador e o contexto no qual ele está inserido influencia diretamente na produção da história e na forma como ele interpreta os acontecimentos e os reproduz. Tendo como base o lugar social, me atento na questão da santificação: por que Xexéu havia se tornado santo? Quem o santificou? Porque esta memória se perpetua até os dias de hoje? Como isso se torna relevante para um grupo (s) social (s)?

Importante destacar que um documento é o fundamento de pensamento histórico que também nos traz que tipo de memórias devem ou não serem preservadas pela história… e mais, a importância desses documentos está ligada com o passado de onde este se originou. Nenhum documento emana uma verdade absoluta, todo documento é uma construção permanente que dialoga questões do presente, e nos estabelece um link com o passado através dela (BACELLAR in PINSKY, 2008:25). Sem deixar de lado a importância da escola dos Annales, que trouxe a diversificação de fontes, e as escolas que surgiram posteriores que estudam o cotidiano, assim como LUCENA (2015) cita a importância da Historia Cultural.

Infelizmente a falta de documentos que auxiliariam na pesquisa e até mesmo depoimentos de populares, seria de suma importância, já que estes testemunhos orais ampliam as possibilidades de interpretação do passado (ALBERTI in PINSKY, 2008:155) porém, como a pesquisa encontra se em fase inicial, continuo buscando informações (fontes orais e documentais) que sejam relevantes e que possam contribuir com o resultado final. A autora MATOS (2012:69) conclui que na “visão de um sociólogo, os devotos são autores da história que fazem essas pessoas serem consideradas santas, até porque são utilizados modelos aceitos pela igreja como, capela própria, ex-votos e pedidos dos fiéis”. Como bom historiador e pesquisador nos encanta ler os testemunhos de pessoas do passado, e nos faz entender como era seu cotidiano e suas lutas diárias (BACELLAR in PINSKY, 2008:24). Relato interessante está disponível no Jornal O Povo feito pelo Jornalista Landry Pedrosa, onde o próprio conta algumas das conversas que ouvira quando criança:

(…) dizia o velho Ferreira que o pistoleiro apareceu nos Inhamuns e pediu para se esconder na fazenda Mucuim, em Arneiroz. Propriedade do coronel Mário Leal, fazendeiro respeitado da região.

Porque foi morto Pedro Xexéu? Para responder, Manoel Ferreira, cauteloso com parentes do coronel ainda vivos, fazia uma pequena pausa e dizia: “o finado Xexéu sabia muito”. Em seguida, seu Manoel encarava a pequena plateia, acomodada no patamar da igreja Matriz, e desfechava: “Agora, matem a charada”. E encerrava a prosa.

O Butim Tibúrcio contava, no café do Antônio Gato, que alcançou uma graça depois de ver a morte de perto. Após se engasgar com uma espinha de peixe numa comilança. ‘’. Na hora me agarrei com a alma do finado Xexéu. Tossi forte e a espinha de curimatã voou longe”. A conversa do Butim se assemelha a tantas outras que ouvi contar em Catarina sobre os milagres do cangaceiro santificado.

O relato acima só confirma o medo que a população ainda tem quando são questionados sobre o assunto… marcas deixadas pelo coronelismo que até hoje pairam sobre a comunidade. Sendo assim, o culto se torna uma eterna construção de memória social, tanto de Xexéu como dos devotos e moradores da época, já que a memória, segundo POLLAK é “um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de comunidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. ” (1992: 05)

Todo historiador se aproxima de um detetive ou de um Sherlock Holmes, pois através da investigação, de indícios, consegue-se nortear seu trabalho. Nenhum documento considerado falso deve ser descartado, e sim investigado. A partir de aí saber filtrar o que deve ou não ser utilizado em sua pesquisa como fonte. Ter o olhar da época, contextualizar cada situação e se colocar no lugar, dando valor as fontes, e esta valorização é dado pelo meio social que está inserido e o que ele representa dentro daquele meio ou época que foi produzido, e o que torna relevante é a análise que se faz dele. (BACELLAR in PINSKY, 2008:63)

Sabe se que desde o início da era cristã, muitos foram os santos populares que surgiram. Muitos foram canonizados e outros desprezados, de certa forma por conveniência pela Igreja, e aqui no Brasil não foi diferente. E durante o período das revoltas e movimentos populares da Primeira Republica, vários santos populares apareceram. Vale ressaltar “Padre Cícero Romão Baptista, é talvez o santo popular que gera mais comoção de fiéis como um todo. Sobretudo, por que assumia com muita propriedade a função de religioso carismático em Juazeiro do Norte, onde possuía bastante prestigio social e político. ” (MATOS, 2012:60)

Hoje no lugar onde Xexéu foi brutalmente assassinado encontra se uma Cruz e uma pequena capela, construída pela população, localizada no Sítio São Bento distante 3 km da sede de Catarina, onde todos os dias 2 de novembro (dia de finados) e nos dias 18 e 19 de março (dia de São José), recebem visitações. Este é o relato do autor do cordel Diomar Araújo que muito contribui para minha pesquisa, inclusive ele mesmo comparece a estas datas acompanhado de sua família. O mesmo me informou que durante estas datas é muito comum a presença de pessoas de outros municípios e Estados irem visitar a capela e fazer suas orações e até mesmo pagando promessas.

A figura de Pedro Santana Xexéu ainda é uma incógnita, mas para muitos devotos é o suficiente. Em meio as dificuldades e mazelas que o sertão proporciona aliado ao descaso dos governantes, ter um refúgio baseado em alguém que mistura o divino com humano é um alento e uma esperança. Essa perspectiva a priora pode ser alterada de acordo com o surgimento de novas fontes ou documentos. Assim como MATOS (2012, pag. 62) cita uma passagem bíblica de Lucas (23:39-43) … ladrões, como aquele que morreu na cruz ao lado do Cristo e se arrependeu, podem sim existir na modernidade, e facilmente se tornarem mártir.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, I. Paes. Histórias & Estórias de Catarina. Pedro Xexéu – O Cangaceiro Santificado. Coletânea (Vários autores). Rio-São Paulo-Fortaleza: ABC Editora, 2003, p. 97-126

BARBOSA, Nathan Pereira. Escrita, Legitimação e Construção de Identidades: algumas considerações sobre a historiografia e seus intelectuais. Disponível em: http://uece.br/eventos/semanadehistoriadafeclesc/anais/trabalhos_completos/72-6182-20112013-172539.pdf

CARVALHO, J. Murilo. Os três povos da República. REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 96-115. Disponível em: http://www.journals.usp.br/revusp/article/download/13279/15097

CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3238146/mod_resource/content/1/Michel-de-Certeau-A-Escrita-Da-Historia-rev.pdf

DANTAS, Kyldemir; MUNIZ, C. Cesar. Cangaço – Episódios e Personagens, Edição especial para o acervo virtual Oswaldo Lamartine de Faria. 2012. Disponível em: https://colecaomossoroense.org.br/site/wp-content/uploads/2018/06/Canga%C3%A7o-Epis%C3%B3dios-e-Personagens.pdf

FACÓ, Rui. Cangaceiro e Fanático: gênese e luta. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira e Edições UFC, 1980.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 7 ed. RJ: Nova Fronteira, 2012, Indicações sobre a estrutura e o processo do “coronelismo”, p. 23-38.

LUCENA, K. G. Melo de. História e Literatura: O Folheto de Cordel em Territórios de Fronteiras. Cadernos do Tempo Presente, n. 22, dez.2015/jan. 2016, p. 57-69. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/tempo/article/viewFile/5302/4387

MATOS, I. dos Santos. MARIA ALICE: A SANTA SEM IDENTIDADE. Relatório técnico apresentado ao Curso de Jornalismo do Centro Superior do Ceará, mantenedora da Faculdade Cearense – Fac., como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Fortaleza, 2012. Disponível em:  http://ww2.faculdadescearenses.edu.br/biblioteca/TCC/JOR/MARIA%20ALICE%20A%20SANTA%20SEM%20IDENTIDADE.pdf

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Cultura Política e lugares de memória. In: AZEVEDO, Cecília [et al.]. Cultura Política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 445- 464.

BACELLAR, Carlos. Fontes documentais: Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 23-79. Disponível em: http://gephisnop.weebly.com/uploads/2/3/9/6/23969914/fontes_historicas_carla_bassanezi_pinsky.pdf

JANOTTI, Maria de Lourdes. O livro Fontes históricas como fonte. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 09-22. Disponível em: http://gephisnop.weebly.com/uploads/2/3/9/6/23969914/fontes_historicas_carla_bassanezi_pinsky.pdf

POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n.10, 1992, p. 200-212.

Sites consultados

Blog Cariri Cangaço, 2010. A Traição de Izaias Arruda, escrito por José Cícero. Acesso 08/08/2018. http://cariricangaco.blogspot.com/2011/03/traicao-de-izaias-arruda-porjose-cicero.html

Blog Cariri Cangaço, 2013. O Ataque de Lampião a Sousa. José Romero Araújo Cardoso. Acesso 08/08/2018. http://cariricangaco.blogspot.com/2013/12/o-ataque-de-lampiao-sousa-porromero.html

Jornal O Povo, 2011. O Reverso do Cangaceiro (Santificados III). Acesso 08/08/2018. https://www20.opovo.com.br/app/opovo/cadernosespeciais/santificadosiii/2011/06/04/noticiasjornalsantificados3,2251045/o-reverso-do-cangaceiro.shtml

Jornal O Povo – Sertão das memórias, 2011. Landry Pedrosa, repórter do Núcleo de Cotidiano. Acesso 08/08/2018. https://www20.opovo.com.br/app/opovo/cadernosespeciais/santificadosiii/2011/06/04/noticiasjornalsantificados3,2251046/sertao-das-memorias.shtml

Blog Vermelho, 2010. A Saga de Lampião por Aurora: Trama e fuga da invasão à Mossoró. José Cícero – Poema conta os 80 anos de Lampião em Aurora. Acesso: 26/09/2018. http://www.vermelho.org.br/noticia/129821-1

Blog Lampião Acesso, 2009. Auto de perguntas feito ao cangaceiro. Dado à autoridade policial da cidade do Crato/CE, em 9/8/1927 – Francisco Ramos de Almeida, vulgo Mormaço em interrogatório. Autor Kiko Monteiro. Acesso 26/09/2018. http://lampiaoaceso.blogspot.com/2009/09/francisco-ramos-de-almeida-vulgo.html

Diário do Sertão, 2009. Aurora e Lampião. José Cícero. Acesso 28/09/2018. https://www.diariodosertao.com.br/coluna/aurora-e-lampiao-2

Blog Tok de História, 2017. LAMPIÃO NO CEARÁ – A VOLTA, NA VOLTA, DO “REI DO CANGAÇO”: A DURA SITUAÇÃO DO BANDO DE LAMPIÃO EM TERRAS CEARENSES, APÓS O FRACASSADO ATAQUE A MOSSORÓ. Autor – Sálvio Siqueira. Acesso: 26/09/2018. https://tokdehistoria.com.br/2017/11/19/lampiao-no-ceara-a-volta-na-volta-do-rei-do-cangaco/

Cordel

ARAUJO, Diomar e SOUZA, Rozelio – CANÇÃO DE PEDRO XEXÉU – CATARINA – CEARÁ.  Disponível em https://youtu.be/uNCyMomxwpI

Agradecimento a:

José Cicero da Silva, (reposta em 05/09/2018) pela indicação ao prof. Pereira. E-mail jccariry@gmail.com

Professor Francisco Pereira Lima (Professor Pereira), de Cajazeiras, Paraíba. (Resposta em 16/09/2018) pela informação do Livro Cangaceiros de Lampião de A a Z de Bismarck Martins de Oliveira, P.280, Impressos Edilson, Campina Grande – PB, 2012. E-mail franpelima@bol.com.br

Kiko Monteiro (resposta em14/09/2018) pela informação do Livro Cangaceiro e Jagunços, Dicionário Bibliográfico, de Renato Luís Bandeira, p. 353, Editora Sollar. E-mail lampiaoaceso@hotmail.com

Diomar Araújo, jornalista e autor do Cordel, que entre os dias 01,03 e 04 de outubro de 2018, através de relato pessoal e com informações sobre o tema, contribui para a construção do meu trabalho.

* Graduando de Licenciatura Plena em História a Distância (FAFIDAM – UECE). martins.ferreira@aluno.uece.br

https://simehisce.wordpress.com/simposios-tematicos/2-memoria-e-oralidade/pedro-santana-xexeu-a-santificacao-na-memoria/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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