*Rangel Alves da Costa
Agora
espantando, apenas ter a certeza que o jardim floresceu e eu não vi...
Meses e meses,
dias e dias, horas e mais horas, um período inteiro esperando o jardim
florescer, mas quando ele brotou suas flores, seus aromas, suas pétalas, seus
perfumes e suas brilhosas cores, infelizmente eu não.
Uma terrível
ânsia em ter diante do olhar as cores de uma estação de paz, de alegria, de
felicidades. Toda manhã abrir a janela, colocar cadeira rente aos canteiros,
fixar o olhar perante as plantas gestando, mas de repente não poder fruir das
belezas tão esperadas.
Vou confessar
uma coisa: a ânsia pela espera das flores no jardim, aos poucos foi sendo
tomada por outros tipos de ânsias. A ânsia de me dissipar da mesmice dos dias e
das horas, do tempo passando e nada acontecendo.
Fui
entristecendo. A espera do florescimento do jardim foi se transformando apenas
numa ilusão. Meu interior já havia absorvido os medos comuns dos humanos, as
solidões dos exílios, as tristezas e angústias tão presentes nos solitários.
Certa manhã eu
saí e não percebi a chuva que caía em profusão. Caminhando, gotejando de pingos
d’água, mas era como se nada estivesse acontecendo ao redor. Talvez trovões e
relâmpagos estivessem sobre minha cabeça, mas era como nada existir.
Outro dia,
sentando num velho banco de madeira, pássaros pousaram em meu umbro, brincaram,
cantarolaram, voejaram e retornaram, e eu me comportando apenas como uma
estátua, como que petrificado, na mais pura insensibilidade. Eu não sou assim.
Eu não era assim. Nunca fui assim. E por que de repente essa fuga perante as
belezas da vida?
Certamente as
folhas de relva de Walt Whitman não me despertariam sensibilidade alguma. A
Menina Doente, de Edvard Munch, talvez fosse avistada como uma pintura
qualquer. Talvez a música de Tchaikovsky, as valsas de Strauss, os sonetos e os
noturnos de Chopin, nada disso me tiraria da apatia perante a beleza, o
sensível e o singelo.
Mas eu nunca
fui assim. E por que de repente essa fuga perante as belezas da vida?
Verdade que no passado eu tive medo de não compreender a diferença de uma flor
de plástica de uma flor colhida em jardim. Eu tive medo de sentir a ventania e
imaginar sendo tocada por suave brisa. E por isso mesmo jamais que a
sensibilidade se afastasse de mim.
Somente
através da sensibilidade, da certeza que espírito e alma fazem suas escolhas
certas, e da necessidade de ter e fruir a emoção, é que a pessoa pode dialogar
com as belezas da vida como em passo de valsa. Eu jamais poderia perder o poder
do encantamento, da surpresa boa, do sentimento mágico aflorado, da
afetividade.
Por isso mesmo
que me pus a esperar o jardim florescer. Uma expectativa maravilhosa, pois o
brotar das pétalas, o brilhar das flores, a visão das abelhas e colibris
rodeando os coloridos canteiros, tudo isso me seria essencial como força de
vida, como sopro e ânimo para alimentar as forças boas interiores.
A espera foi
se alongando demais. A sensação cansativa e entediante do nada acontecido,
certamente foi tornando a expectativa em tanto faz. Duro dizer, mas assim insiste
em acontecer em tudo e sobre tudo. Mas não por culpa nossa. Apenas pela perda
dos bons sentimentos. De repente é como se não tivéssemos mais tempo de buscar
a vivência com as coisas sagradas e belas da vida.
Difícil
esperar o jardim florescer quando as realidades do mundo estão se tornando uma
enxurrada de guerras, de mortes, de dores e sofrimentos. Difícil a
sentimentalização do olhar quando as ruas estão cheias de violências, de
falsidades, de atrocidades. Ninguém consegue pensar em flores perante o preço
do arroz, da carne, do feijão, do gás, da conta da farmácia e da luz.
Mas o jardim floresceu. Triste a certeza que surge, mas quando o jardim floresceu e eu não vi. Hoje abri a janela, depois a porta e caminhei até os canteiros. Tarde demais. Tudo seco, acinzentado, com folhas mortas e galhos pendidos. Apenas um retrato fiel da vida e do mundo e do mundo de agora.
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