Por: Leandro Cardoso
O autor com Dona Mocinha
Muita gente não sabe, mas a família de Lampião viveu em Juazeiro do período de 1923 a 1927, com a permissão do Padre Cícero. Na segunda década do século passado, por duas vezes, a família Ferreira teve que se mudar em razão dos entreveros com o vizinho José Alves de Barros, o Zé de Saturnino. Na primeira vez, obedecendo a um pacto de acomodação arbitrado pelo Coronel Cornélio Soares de Vila Bela, mudaram-se para a Vila de Nazaré (hoje Carqueja–PE).
Na segunda vez, demandaram à cidade alagoana de Mata Grande, ocasião em que morreram os genitores de Lampião, José Ferreira (vítima da volante de José Lucena Maranhão) e Dona Maria (vítima de um ataque cardíaco).
Em 1922, o jovem cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, já definitivamente com o pé fincado no cangaço, assume a chefia do bando do célebre Sinhô Pereira, que deixava o Nordeste em fuga para Goiás.
A família Ferreira, sem possibilidade de retornar para Vila Bela, procura abrigo em Juazeiro do Norte. Com a morte dos pais, João Ferreira (o único dos irmãos que não entrou para o cangaço), assume a chefia da família. Após conversa com o Padre Cícero, recebe permissão para se estabelecer em Juazeiro com as irmãs, cunhados, primos (os Paulo) e sobrinhos.
Lampião e familiares em Juazeiro do Norte
Na passagem de Lampião por Juazeiro do Norte, em 1926, foram tiradas várias fotografias da família. Na célebre foto da família reunida (que é vista acima), vemos na extrema esquerda sentado, Antônio Ferreira e na extrema direita, Lampião; a segunda sentada da direita para a esquerda é Dona Mocinha (tendo seu marido, Pedro Queiroz, atrás de si); ao lado direito de Pedro está João Ferreira; do lado esquerdo de João está Ezequiel (que depois entraria para o cangaço com o vulgo de Pente Fino); e, finalmente, o segundo da direita para a esquerda, em pé, é Virgínio (seria o futuro cangaceiro Moderno, chefe de grupo), casado com uma irmã de Lampião, que logo morreria de parto em Juazeiro.
Na ocasião da foto, Dona Mocinha (Maria Ferreira de Queiroz) estava recém-casada com Pedro e, nas várias ocasiões em que a entrevistei, ela sempre externou a enorme benevolência do Padre Cícero, e que todos da família se sentiam seguros em Juazeiro. Dona Mocinha, hoje com 96 anos, única remanescente viva dos irmãos e irmãs de Lampião, mora em São Paulo e foi diversas vezes entrevistada por mim. Contou-me que aprendeu a dançar com Virgulino tocando “harmônica” no terreiro da fazenda “Passagem das Pedras”, em Vila Bela, e que o irmão vivia na casa da avó, Dona Jacosa Lopes. Refere-se aos irmãos sempre com muito carinho, dizendo que o mais fechado era Antônio e o mais brincalhão era Livino Ferreira. E, em todas as vezes que conversamos, sempre externou a excelente acolhida que a família teve em Juazeiro, e gratidão de todos ao Padre Cícero. Tanto é que seu primogênito é afilhado do Padre Cícero.
Rememora com muita satisfação dos familiares de João Mendes de Oliveira, de quem se tornaram amigos. Dona Mocinha casou em Juazeiro com Pedro Queiroz e só deixou a Meca nordestina quando a polícia pernambucana intimou seu marido em Vila Bela, e o prendeu arbitrariamente. Então, Dona Mocinha (e parte da família), teve que deixar Juazeiro em 1927 para residir em Serra Talhada.
Para finalizar, deixo minhas homenagens à Dona Mocinha, que hoje, quase centenária e lúcida, é um repositório vivo da história recente do Brasil e de Juazeiro do Norte, uma vez que foi expectadora de camarote de um dos períodos mais interessantes e polêmicos da nossa história recente, além de ser testemunha inconteste do desprendimento e da bondade incondicionais do Padre Cícero Romão Batista.
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