Imagine-se no
início do ano de 1936, andando a pé pela caatinga. A 14 léguas de Águas Belas, em
Pernambuco, de repente você é surpreendido por bandoleiros armados. Levado até
Lampião, é acusado de ser espião da polícia, mesmo falando castelhano. Após
levar uma coronhada no peito, já de pé mas seguro por dois homens, diz na cara
do rei do cangaço: “O senhor deve me tratar como eu mereço. Sou um estrangeiro
e tenho direito a ser respeitado. O senhor está desrespeitando a sua lei e o
seu governo”.
O autor desta suposta resposta, que saiu vivo para contar a história, publicada
no Diário de Pernambuco no dia 22 de fevereiro de 1936, chamava-se Andrés
Zambrano, um venezuelano de 22 anos, capitão de um grupo de 20 escoteiros que
resolveu conhecer toda a costa brasileira, partindo de Caracas no dia 12 de
dezembro de 1934.
O Diario apenas reproduziu o relato que Zambrano deu, no Rio de Janeiro, ao
Diario da Noite, outro jornal dos Diários Associados. Para a imprensa do
Sudeste do país, relatos sobre a brutalidade de Lampião sempre atraíam leitores
e a existência de um estrangeiro que conseguiu ser libertado depois de
enfrentar o maior dos cangaceiros era mais do que o esperado.
Na verdade, Andrés Zambrano, que apareceu na redação do diário carioca vestido
de uniforme cáqui, com galões de capitão e um grande chapéu de feltro, de abas
largas, era espalhafatoso demais para descrever o ocorrido da forma como
realmente aconteceu.
Segundo a conversa de Andrés Zambrano, os escoteiros estavam merendando à
sombra de uma árvore quando foram cercados por 24 cangaceiros. Os venezuelanos
receberam ordem de acompanhar o bando, andando cerca de cinco léguas em uma
caatinga fechada. Ao chegar no esconderijo, Lampião estava contando dinheiro e
perguntou quem eram aqueles rapazes fardados. “Quem é o chefe deste batalhão?”,
inquiriu Virgulino. Foi quando Andrés Zambrano se apresentou, afirmando ser da
Venezuela e não trabalhar para a polícia.
Depois de ter exigido respeito no tratamento, ele teria ouvido Lampião dizer
que a “lei era ele”. Os escoteiros foram todos amarrados depois de ficarem
devidamente nus. Morreriam no dia seguinte, como vingança à perda de quatro
cangaceiros por causa do último ataque do tenente Manuel Neto.
Lampião não teria ido com a cara do estrangeiro insolente. Mandou servir café
salgado para ele e depois água com pimenta. A história só não teve fim ali
mesmo porque por volta da meia-noite teria aparecido Maria Bonita. Ela teria se
interessado pela confusão e conversado com os escoteiros. Convenceu Lampião a soltá-los,
depois dos “visitantes” terem dado sua palavra de honra de que não informariam
à polícia o paradeiro do bando.
Aos repórteres do Diário da Noite, Zambrano teria ainda afirmado que Maria
Bonita quis saber da sua idade e dito que ele era bem bonitinho, batendo no seu
ombro. E ele nu, amarrado na árvore…
No dia seguinte, os venezuelanos foram soltos. Perderam as roupas, uma máquina
fotográfica e o equivalente a quatro contos de réis. Da turma toda, somente
Zambrano resolveu continuar suas andanças pelo Brasil. Foi assim que ele
apareceu, vivinho da silva, na redação do jornal carioca. Contando uma história
que Lampião não iria gostar nem um pouco.
Pesquei no Diário de
Pernambuco
http://lampiaoaceso.blogspot.com/search/label/Andr%C3%A9s%20Zambrano
E eu repesquei no blog Lampião Aceso do Kiko Monteiro
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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