Cabanagem (também conhecida como Guerra dos Cabanos) foi uma revolta popular e social ocorrida durante o Império do Brasil, durante a Regência de Diogo Antônio Feijó, de 1835 a 1840, influenciada pela revolução Francesa, na antiga Província do Grão-Pará (abrangia os atuais estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia) comandada por: Félix Clemente Malcher, Antonio Vinagre, Francisco Pedro Vinagre, Eduardo Angelim e Vicente Ferreira de Paula.[1][2][3] Devido à extrema pobreza, fome e doenças, que marcaram o início desse período, além do processo de independência do Brasil (1822) que não ocorreu de imediato no Pará (Adesão do Pará em 1823[4]),[5] ficando isolada do restante do Brasil e condicionada a uma irrelevância política por parte do príncipe regente Pedro I, mantendo a forte influência portuguesa.[2][6]
Os índios e mestiços, pobres que viviam amontoados em cabanas de barro à beira dos rios (que originou o nome da revolta)[5][6] usados como mão de obra em forma de semiescravidão na província,[5] e integrantes da classe média, uniram-se contra o governo regencial nesta revolta, com objetivo de aumentar a importância do seu território no governo central brasileiro e, enfrentar a questão da pobreza na região. Mas anteriormente já havia uma mobilização na província do Grão-Pará para expulsar forças reacionárias que desejavam manter a região como colônia portuguesa. Muitos líderes locais da elite fazendeira, ressentidos pela falta de participação política nas decisões do governo brasileiro centralizador, também contribuíam com o clima de insatisfação após a instalação do governo provincial.[7]
A revolta iniciou em 6 de janeiro de 1835 quando o quartel e o palácio do governo de Belém foram tomados por índios tapuias, cabanos e negros, liderados por Antônio Vinagre. O então presidente da província foi assassinado e instituiu-se um novo presidente, Clemente Malcher; e a apoderação do material bélico. Porém, Malcher, mais identificado com as classes dominantes, traiu o movimento.[7] Sucedeu-se um conflito entre as suas tropas e as do outro líder, Eduardo Angelim, tendo estas saído vitoriosas. O frágil e instável controle cabano do Grão-Pará durou cerca de dez meses.
O império, então, nomeou um novo presidente, barão de Caçapava, e, frente a essa afronta, o agente centralizador do governo central, bombardeou impiedosamente Belém, retirando rapidamente os cabanos do poder. Porém, muitos deles continuaram a lutar, o império usou novamente o poderio militar para sufocar a revolta e, em 1840, promoveu um extermínio em massa da população paraense. Estima-se que cerca de 30 a 40% da população de cem mil habitantes do Grão-Pará tenha morrido no conflito.[7]
Origem do nome
Segundo uns[quem?], a "cabanagem" remete ao tipo de habitação da população ribeirinha, espécie de casas rústicas de palha, barro ou madeira, constituída por mestiços; segundo outros[quem?], deu-se o nome pelo chapéu de palha com o nome de "cabano" que usavam os patriotas (assim eram chamados).
História
Após a independência do Brasil, a província do Grão-Pará mobilizou-se para expulsar as forças reacionárias que pretendiam manter a região como colônia de Portugal. Nessa luta, que se arrastou por vários anos, destacaram-se as figuras do cônego e jornalista João Batista Gonçalves Campos, dos irmãos Vinagre e do fazendeiro Félix Clemente Malcher. Formaram-se diversos mocambos de escravos foragidos e eram frequentes as rebeliões militares. Terminada a luta pela escravidão e instalado o governo provincial, os líderes locais foram marginalizados do poder. A elite fazendeira do Grão-Pará, embora com melhores condições, ressentia-se da falta de participação nas decisões do governo central, dominado pelas províncias do sudeste e do nordeste.[7]
Em julho de 1831, uma rebelião na guarnição militar de Belém do Pará resultou na prisão de Batista Campos, uma das lideranças implicadas. A indignação do povo cresceu, e em 1833 já se falava em criar uma federação. O presidente da província, Bernardo Lobo de Sousa, desencadeou uma política repressora, na tentativa de conter os inconformados. O clímax foi atingido em 1834, quando Batista Campos publicou uma carta do bispo de Belém do Pará, Romualdo de Sousa Coelho, criticando alguns políticos da província. Por não ter sido autorizada pelo governo da Província, o cônego foi perseguido, refugiando-se na fazenda de seu amigo Clemente Malcher. Reunindo-se aos irmãos Vinagre (Manuel, Francisco Pedro e Antônio) e ao seringueiro e jornalista Eduardo Angelim. reuniram também um contingente de rebeldes na fazenda de Malcher. Antes de serem atacados por tropas governistas, abandonaram a fazenda. Contudo, no dia 3 de novembro, as tropas conseguiram matar Manuel Vinagre e prender Malcher e outros rebeldes. Batista Campos morreu no último dia do ano, ao que tudo indica de uma infecção causada por um corte que sofreu ao fazer a barba.[carece de fontes]
O movimento
Na madrugada de 7 de janeiro de 1835, liderados por Antônio Vinagre, os rebeldes (índios tapuios, cabanos e negros) tomaram de assalto o quartel e o palácio do governo de Belém, nomeando Félix Antonio Clemente Malcher presidente do Grão-Pará. Os cabanos, em menos de um dia, atacaram e conquistaram a cidade de Belém, assassinando o presidente Lobo de Souza e o Comandante das Armas, apoderando-se de uma grande quantidade de material bélico. No dia 7 de janeiro, Clemente Malcher foi libertado e escolhido como presidente da província e Francisco Pedro Vinagre para Comandante das Armas. O governo cabano não durou muito tempo, pois o novo presidente, Félix Malcher - tenente-coronel, latifundiário e dono de engenhos de açúcar - era mais identificado com os interesses do grupo dominante derrotado, sendo deposto em 19 de fevereiro de 1835, com o apoio das classes dominantes, que pretendiam manter a província unida ao Império do Brasil.[7]
Francisco Vinagre, Eduardo Angelim e os cabanos pretendiam se separar. O rompimento aconteceu quando Malcher mandou prender Angelim. As tropas dos dois lados entraram em conflito, saindo vitoriosas as de Francisco Vinagre. Clemente Malcher, assassinado, teve o seu cadáver arrastado pelas ruas de Belém. Assumiu Francisco Vinagre como o primeiro governador Cabano que participara ativamente da conquista de Belém.
Devido a intervenção do clero e outras mazelas no governo, Francisco Vinagre concordou em entregar pacificamente o governo a Manuel Jorge Rodrigues (julho 1835) em troca de anistia aos revolucionários e outras ações de cidadania. Muitos revolucionários descontentes e não acreditando no cumprimento do acordo, principalmente por lembranças do massacre do Brigue Palhaço em 1823, não entregaram as armas e refugiaram-se no interior. Como previsto, Jorge Rodrigues não cumpriu o acordo e mandou prender Francisco Vinagre. Os cabanos, indignados, reorganizaram suas forças e atacaram novamente Belém sob o comando de Antonio Vinagre e Eduardo Angelim, em 14 de agosto. Após nove dias de batalha, mesmo com a morte de Antônio Vinagre, os cabanos retomaram a capital.
Eduardo Angelim assumiu a presidência e durante dez meses, a elite se viu atemorizada pelo controle cabano sobre a província do Grão-Pará. A falta de um projeto com medidas concretas para a consolidação do governo rebelde, provocaram seu enfraquecimento. Diante da vitória das forças de Angelim, o império reagiu e nomeou, em março de 1836, o brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andrea como novo presidente do Grão-Pará, autorizando a guerra total contra os cabanos. Em fevereiro, quatro navios de guerra se aproximavam de Belém, prontos para atacar a cidade, tomada pela desordem, fome e varíola. Foi realizado um bloqueio naval na cidade pelo brigadeiro Soares de Andrea, que atracou sua esquadra em frente a Belém. Os cabanos insurgentes escapavam pelos igarapés em pequenas canoas, enquanto Eduardo Angelim e alguns líderes negociavam a fuga.[7] Uma esquadra inglesa chegou a oferecer ajuda a Eduardo Angelim para que acabasse com o bloqueio naval brasileiro, mas este recusou. Eduardo Angelim conseguiu furar o bloqueio naval e se refugiou no interior. Os cabanos deixaram a capital Belém vazia para as tropas de Soares de Andrea. O brigadeiro, entretanto, julgando que Angelim, mesmo foragido, seria uma ameaça, determinou que seus homens fossem ao seu encalço. Em outubro de 1836, numa tapera na selva, ao lado de sua mulher, Angelim foi capturado, feito prisioneiro na fortaleza da Barra, até seguir para o Rio de Janeiro e depois Fernando de Noronha. A Cabanagem, porém, não acabou depois da prisão de Eduardo Angelim. Os cabanos, internados na selva, lutaram até 1840, até serem completamente exterminados. Nações indígenas como os murá e os mauê praticamente desapareceram.[7]
Calcula-se que de 30 a 40% de uma população estimada de cem mil habitantes morreu. Em 1833, o Grão-Pará tinha 119 877 habitantes; 32 751 eram índios e 29 977, negros escravos. A maioria mestiça (miscigenação de índios, negros e brancos) chegava a 42 mil. A minoria totalizava quinze mil brancos, dos quais mais da metade eram portugueses.[7]
Em homenagem ao movimento Cabano, foi erguido um monumento projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, na entrada da cidade de Belém: o Memorial da Cabanagem.
Ver também
Referências
- ↑ Ferreira da Silva, Tiago (18 de dezembro de 2009). «Cabanagem (1835-1840) - Revolta do Período Regencial». Portal História Brasileira. Brasil Império. Consultado em 2 de janeiro de 2017
- ↑a b da Costa TAVARES, Maria Goretti (2008). «A Formação Territorial do Espaço Paraense». Universidade Federal do Pará - UFPa. Revista ACTA Geográfica nº 3 - Ano II. ISSN 1980-5772. doi:10.5654/actageo2008.0103.0005. Consultado em 4 de maio de 2016
- ↑ "Cabanagem - História, causas, objetivos, motivos, resumo" Sua Pesquisa. Consultado em 25 de dezembro de 2016.
- ↑ «Feriado lembra a adesão do Pará à Independência do Brasil». G1. Consultado em 4 de agosto de 2019
- ↑a b c «A Cabanagem: a província do Grão-Pará entre 1835 e 1840». MultiRio. Consultado em 7 de janeiro de 2020
- ↑a b "Cabanagem (1835-1840) - História do Brasil" InfoEscola. Consultado em 25 de dezembro de 2016.
- ↑
Bibliografia
- CHIAVENATO, Júlio José. Cabanagem, o povo no poder. São Paulo: Brasiliense, 1984.
- CHIAVENATO, Júlio José. As lutas do povo brasileiro. São Paulo: Moderna, 1988.
- CHIAVENATO, Júlio José. As lutas do povoado contra os elites. são paulo: moderno, 1989
- REIS, Marcos. Cabanos, a História. Belém: Maguen, 2011.
- RODRIGUES, Denise Simões. Revolução cabana e construção da identidade amazônida. Belém: EDUEPA: 2009.
- MOREIRA, Flávio Guy da Silva. Pródromos da Cabanagem - geografia e capítulos da história do Grão-Pará. Belém: Paka-tatu, 2012.
Ligações externas
- "Cabanagem, rebelião tem fim sangrento no período regencial" por UOL Educação
- A revolta dos Cabanos documentário na TV Escola
- Cabanagem por Eduardo Bueno
- Mapa e infográficos por FGV
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Cabanagem
- http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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