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quinta-feira, 30 de junho de 2022

LAMPIÃO NO RN, MEDO TERROR E SANGUE - PARTE IX - "O HOMEM TÁ DISPOSTO A BRIGAR"

 Por José de Paiva Rebouças


Ao ver Lampião, Luís Siqueira, o Formiga, pediu proteção. O cangaceiro garantiu, mas lhe fez um interrogatório. Quis saber quantos homens estavam armados em Mossoró. Formiga exagerou e disse que talvez uns duzentos.

https://tokdehistoria.com.br/2020/09/11/lembrancas-de-lampiao-sabino-massilon-e-jararaca-no-livro-1927-o-caminho-de-lampiao-no-rio-grande-do-norte/

Lampião chamou o estado-maior e voltou a detalhar o plano de invasão. Escutaram as ponderações de Massilon que desenhava na areia um mapa das principais artérias da cidade.

http://cariricangaco.blogspot.com/2015/05/a-vida-breve-e-vertiginosa-do.html

De acordo com a estratégia, o ataque seria protagonizada por duas colunas que se dividiria em quatro ao entrar na cidade. Sabino comandaria a tropa. Os melhores atiradores seriam distribuídos nos grupos, cada um com cerca de 400 cartuchos.

Sabino Gomes - http://lampiaoaceso.blogspot.com/2014/05/sabino-gomes.html

Lampião propôs entrar pela barragem do Rio Mossoró, mas Formiga avisou que seria arriscado, pois havia um piquete naquela área. Aborrecido, Lampião chamou Massilon.

"Você tinha me dito que entrava em Mossoró com dez homens. A cidade tinha poucos soldados e os civis estavam desarmados e eram mofinos. Agora o homem tá disposto a brigar. Não estou gostando nada disso". Reclamou.

O fazendeiro Antônio Gurgel e família - https://tokdehistoria.com.br/tag/antonio-gurgel-do-amaral/

Lampião e Sabino perguntaram ao coronel Antônio Gurgel se ele conhecia o coronel Rodolfo Fernandes. Gurgel disse que sim, mas era íntimo.

Cel Rodolfo Fernandes - Ex-prefeito de Mossoró.

Lampião ordenou que o coronel escrevesse uma carta ao intendente. Determinou que no bilhete fosse cobrado 500 contos de réis para o bando não entrar na cidade. Gurgel achou muito, Lampião então baixou para 400. Assim a carta foi escrita.

13 de junho de 1927
Meu caro Rodolfo Fernandes.

Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante soma de quatrocentos contos de réis - 400.000$000.

Posso adiantar sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens bem equipados e municiados a farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até aqui, que me disse o o próprio Lampião, será bem recebido. Para evitar o panico e o derramamento de sangue, penso que o sacrifício compensa. Tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró. Diga sem falta a Jaime que os vinte em contos que pedi ontem para o meu resgate não chegaram até aqui, e se vieram, o portador se desencontrou. Assim, peço por vida de Yolanda para mandar o cobre por uma pessoa de confiança para salvar a vida deste pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo tem me tratado com muita deferência, mas, eu bem avalio o risco que estou correndo. Creia meu respeito.

(a)Antônio Gurgel do Amaral.

Depois de escrita, a carta foi lida em voz alta. Lampião perguntou quem era Yolanda e o coronel explicou se tratar de sua neta de dois anos. Ficou a cargo de Formiga o trabalho de levar a carta e trazer resposta de Mossoró.

Yolanda, neta do coronel Antônio Gurgel do Amaral
https://tokdehistoria.com.br/tag/antonio-gurgel-do-amaral/

Ao chegar à cidade, o portador pode ver a aflição das pessoas. Casas vazias e mulheres chorando pelas ruas em desalinho. Perto do meio-dia, entregou o bilhete à mão do intendente Rodolfo Fernandes. Ele leu o texto em voz alta para que os presentes acompanhassem o drama. 

O coronel fez discurso efusivo brandando a necessidade da luta por parte de Mossoró. Em seguida, contou vantagem sobre a preparação da cidade. Com o fim da reunião, pediu ao portador que aguardasse na recepção pela resposta da carta. Horas depois lhe entregaram um pequeno bilhete.

Mossoró, 13.06.1927.
Antônio Gurgel

Não é possível satisfazer-lhe a remessa de quatrocentos contos (400.000$000), pois não tenho e nem mesmo no comércio é impossível se arranjar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, sr. Jaime Guedes. Estamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança. 
Rodolfo Fernandes.

Mossoró se prepara para o confronto

https://blogcarlossantos.com.br/page/309/

Apesar da confiança de Rodolfo Fernandes, o clima em Mossoró era de pânico. Antes do meio-dia, estima-se que 15 comboios já tinham partido para Areia Branca. Dali a pouco, nem mesmo o telégrafo teria mais gente para anotar os recados.

https://areiabranca.wordpress.com/2015/09/04/

Adendo:

"Para quem não sabe, Areia Branca é uma cidade salineira do Rio Grande do Norte que fica localizada ao Norte de Mossoró, 45 min (49,3 km) via BR-110" - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Trincheira tinham sido espalhadas pela cidade, mas a maioria estava incompleta. Muita gente tinha largado as armas e ido embora, outros caíam de sono por causa da vigília da noite.

A maior barricada ficou na frente da casa do chefe da intendência. Sacos de algodão foram colocados em posição estratégica de modo a não permitir qualquer transposição. Pelo menos 40 homens estavam de prontidão, do quintal ao telhado.

Manoel Alves de Souza, Léo Teófilo e Manoel Félix ficaram no campanário da capela de São Vicente. Tinham a incumbência de informar qualquer aproximação.

Na estação ferroviária, hoje Estação das Artes Elizeu Ventania, Vicente Carlos de Sabóia Filho, o Saboinha, diretor gerente da Estrada de Ferro, distribuiu homens armados em pontos estratégicos. Ao seu lado, estavam o engenheiro Lafaiete Tapioca, o comerciante Raimundo Leão de Moura e os militares Severino França, Clóvis de Araújo e o sargento Pedro Sílvio, além de nove funcionários.

Outra trincheira foi montada na empresa Tertuliano Fernandes & CIA. Na igreja matriz, estavam posicionados o dentista Antônio Brasil, com um binóculo, e dois policiais. No ginásio Diocesano, outros quatro homens; mais quatro na torre da igreja do Sagrado Coração de Jesus e oito no Mercado Central.

Seis atiradores se deslocaram para a parede divisória das águas do rio. Piquetes menores foram dispostos no prédio da Mesa de Rendas do Estado, no Grupo Escolar Ezequiel Fernandes e na Cadeia Pública.

Tenente Abdon Nunes - http://jotamaria-pmpatrono.blogspot.com.br/

Os tenentes Abdon Nunes, Laurentino Morais e João Nunes ficaram responsáveis pelas patrulhas nas áreas mais abertas. Coube ao vigário da matriz, Padre Mota, corrigir as trincheiras. Encontrou diversos problemas e chegou a dissolver a da Caieira, redistribuindo os homens. 

Padre Mota é o terceiro da direita - http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/o-padre-visiona-rio-de-mossora/302503

Última troca  de Bilhetes

Passava de duas da tarde e Formiga não chegava. Os cangaceiros não podiam mais esperar. Mesmo sem notícias do intendente, precisavam seguir. As margens do rio Mossoró, próximo ao Estreito, o capitão voltou a perder a paciência com Massilon.

Carta de Lampião ao prefeito de Mossoró Rodolfo Fernandes

"Você disse que o rio estava seco. A viagem está atrapalhada! Nada está dando certo!", reclamou. Massilon pouco respondeu. Atravessaram o rio com água na cintura.

Tenente Laurentino Morais

Na outra margem, Sabino usou os reféns como escudo humano. Antônio Gurgel na frente. "Você é o nosso ministro da guerra", sentenciou. Pouco adiante, perceberam a aproximação de um cavaleiro. Era Formiga com a resposta de Rodolfo.

Coronel João Nunes

Ao saber do conteúdo, Lampião amassou e jogou fora o papel. Alarmou aos comparsas que iriam mesmo tomar Mossoró. "Vamos atacar! É vergonhoso chegar tão perto e voltar sem fazer uma tentativa", destacou, conforme Sérgio Dantas.

Maria Ferreira Queiroz a "Dona Mocinha" irmã de Lampião ainda viva. - http://lampiaoaceso.blogspot.com/2011/10/prazer-em-conhecer-lampiao-aceso.html

Lampião parecia apreensivo. Desconfiava do fracasso e fez nova tentativa com Rodolfo. Escreveu de próprio punho outro bilhete.

Enviou o bilhete ao destinatário e seguiu por mais quatro quilômetros, parando no sítio Saco, hoje bairro Belo Horizonte. Da residência de Domingos Camilo, Lampião pode contemplar Mossoró pela primeira vez.

Segundo Sérgio Dantas, jamais o cangaceiro tinha visto aglomerado urbano de semelhante proporção. Observou casas e alguns edifícios mais altos e se demorou contemplando as torres das quatro igrejas.

Teria, segundo o pesquisador, olhado para Antônio Gurgel e dito ali uma de suas frases mais célebres "Cidade de mais de uma igreja não é lugar para cangaceiro".

Ao receber a mensagem de Lampião, coronel Rodolfo Fernandes fez como antes e compartilhou com outros em seu gabinete. Recebeu apoio dos presentes. Após conversa longa com o tenente Laurentino de Morais e Sabóia Filho, escreveu, também de próprio punho, a resposta ao cangaceiro. Mais uma vez foi inflexível.

Virgulino Lampião.

Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionário se retirado daqui. 
 
Estamos dispostos o acarretar com tudo que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma.

a. Rodolfo Fernandes.
Prefeito. 13.06.1927.

Continuarei amanhã.

Fonte - Revista Brava Gente  do Jornal de fato.com

Página 27

Mês Junho de 2022.

Digitado e Ilustrado por José Mendes Pereira - administrador deste blog.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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