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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

CRÔNICAS POÉTICA DO CANGAÇO - A TRISTE HISTÓRIA DAS ONZE CABEÇAS

Na noite do dia 27 de julho, do ano de 1938... estavam ali na grota de Angico todos eles reunidos...

O motivo para aquela assembléia jamais saberemos ou faremos ideia.

Tudo dito a respeito é apenas suposição.

Uns dizem que o capitão agora queria outro destino... abandonaria o cangaço, fugiria para Minas.

Outros afirmam que, Lampião esperava ajuda do seu então amigo...

Eronildes Ferreira de Caravalho, na época governador de Sergipe, para se entregar, pois estava doente, com uma possível tuberculose, e precisava se tratar.

Outros supõem que ele queria combinar com seus cabras e o bando de Corisco para assim dar cabo em Zé Rufino.

Esse vinha querendo passar de" pato" para "ganso" segundo Virgulino.

Era tudo tão estranho.

Seria esse o motivo para tantos cabras ali reunidos?

Será para sempre mistério o verdadeiro motivo.

Lá fora das caatingas a morte conspirava contra todos aqueles que ali estavam.

Subindo rio acima...

vinha a triste sina.

A morte se aproximava remando nas serenas águas do São Francisco.

Enquanto no coito... tudo parecia muito tranquilo.

Naquela noite todos se divertiram. Contaram causos e beberam.

Dançaram ao som do rialecho.

As mulheres tiveram longos diálogos.

Ao subirem nas pedras....

um pequeno facho luz que acendia e apagava notaram, mas nada suspeitaram... pensaram ser vaga-lumes que na escuridão da noite voavam.

Dias antes...Capitão recebera no esconderijo, Pedro de Cândido o seu coiteiro e vigia.

Trouxera comida, farinha, mel de engenho, rapadura, queijos e alcatrão.

Conversou por horas com o capitão.

E seria o mesmo que mais tarde aos algozes indicaria o seu esconderijo.

Não se sabe o porquê da delação...

se foi por covardia, medo ou traição.

Ao findar da madrugada, já no dia 28 de julho.

Capitão havia acabado de comandar a reza.

Estava em pé com seu enorme punhal de prata atravessado na cartucheira.

O famoso mosquetão encostado numa pedra...

Pendurado num arbusto... seu chapéu enfeitado com três estrelas.

Porém, entre o nevoeiro do amanhecer e o silêncio do romper da aurora, um estampido ecoou na grota... era chegada a fatal hora.

Todos atordoados corriam.

Gritavam pela intercessão de todos os santos, até santos que não existiam.

Lampião leva um tiro próximo a virilha... tenta se manter de pé, ainda faz menção de reação; mas se curva ao segundo tiro letal na cabeça... tombou no chão, talvez o primeiro a ser atingido.

Maria do capitão ferida correu em sua direção.

Gritando por misericórdia de Deus e de Nossa Senhora!

Fora ferida na perna... e saiu pelo chão se rastejando... dizem que Santo então, o mesmo que no passado, de Lampião já tinha sido aliado... havia porém se tornando inimigo, o mais frio e desalmado.

Puxada pelos cabelos, a cabeça daquela mulher, logo seria decaptada ainda viva, por mais que implorasse por sua vida.

Morria Maria do Capitão, naquele momento; nascia o mito Maria Bonita.

E assim veio a sequência... a decaptação sangrenta das outras cabeças.

A grota de Angico agora se tornara banhada de sangue.

Dali em diante começaria um macabro espetáculo jamais visto antes.

O Rio São Francisco fora testemunha de atos horripilantes.

Onze cabeças humanas... duas mulheres e nove homens.

E assim seguiu o cortejo.

Por cidades e vilarejos.

Até chegar em Piranhas e como em uma gôndola de supermercados todas foram expostas lado a lado.

Nas escadarias da prefeitura foram colocadas.

Onze " troféus".. no relento.... ao léu.

A multidão na praça já aguardava.

Todos curiosos para assistirem a cena macabra...

Os corpos lá na grota ficaram expostos.

Dos abutres sendo o alimento.

Das almas ali desencarnadas talvez o terrível tormento.

Assim terminara a triste sina de toda aquela gente... homens que lutaram em seu lugar tenente... uns por revolta e sede de justiça, outros fugindo da seca e da famigerada fome.

De forma trágica, morreram mulheres e homens.

Só em 1969 as cabeças seriam entregues aos seus familiares... quem sabe só assim os espíritos desencarnados descansaram em paz?

Foi na traição que apagaram o Lampião.

Porém ele deixou escrito com sangue no chão de terra seca e batida das caatingas a sua biografia, essa ninguém jamais apagaria.

Hoje é o segundo homem mais biografado da América Latina.

Foi na grota do Angico... lá ficou gravado os sons dos estampidos... e de Lampião o último suspiro.

E assim estava escrito.... em 28 de Julho do ano 38; morria o homem, nascia o mito.

Edna Araújo.

28/07/2022

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