Por Rangel Alves da Costa
Teotônio Alves China, meu avô materno, pois pai de minha mãe Dona Peta (Maria do Perpétuo Alves), nas páginas da história é muito mais conhecido como China do Poço, como referência e homenagem a Poço Redondo. Casado com Marieta Alves de Sá (Mãeta), este sertanejo possuía como residência um belo casarão numa esquina da atual Praça da Matriz de Poço Redondo, que um dia foi derrubado para dar lugar a uma moderna construção.
Na
foto abaixo, ainda que não seja possível identificar toda a sua beleza
arquitetônica, avista-se uma suntuosidade até contraditória para a época, pois
fincada numa povoação ainda nascente, de poucas casas e logradouros, onde
rareavam moradias mais abastadas. Pois bem. Foi aí na porta do Casarão de China
do Poço que no dia 19 de abril de 29 um inesperado visitante chegou. Tal
visitante era nada mais nada menos que Virgulino Ferreira da Silva, o Capitão
Lampião (já havia sido patenteado por Padre Cícero do Juazeiro em 26).
Acompanhado de cerca de oito cangaceiros (que permaneceram vigilantes nos
arredores), Lampião ali chegava não como simples caminhante dos sertões e ali
fazendo parada para matar a sede e a fome, pois já trazia consigo nome e
endereço certos e, por isso mesmo, foi à porta de China que anunciou sua
presença e o desejo de uma conversa mais reservada. Mas o que Lampião queria
tratar de modo específico com China do Poço, pois estando ali pela primeira vez
e já trazendo o nome do sertanejo escrito na memória? A arqueologia cangaceira
ainda não fuçou bem tais aspectos, ainda não adentrou bem nos segredos
escondidos por trás dessa visita a Poço Redondo em 29. Creio, contudo, que
muito mais que China do Poço, o Capitão Lampião buscava encontrar outro ilustre
personagem, que, coincidentemente (ou não) estava exatamente no casarão naquela
hora e dia: Padre Artur Passos. Vigário da paróquia de Porto da Folha (da qual
fazia parte a povoação de Poço Redondo), o Padre Artur Passos somente duas
vezes ao ano se dirigia ao local para celebrar missa, e sempre ficava hospedado
na casa de China do Poço. Teria Lampião interesse em encontrar o sacerdote, e
por quê? Segredos e mistérios, mas, analisando seu histórico de atuação e de
influência, atualmente sabemos que Padre Artur Passos possuía muito mais
autoridade e mando do que imagina nossa vã filosofia. Ademais, mesmo que sua
ida ao povoado fosse apenas duas vezes ao ano, o vigário percorria toda aquela
região sertaneja, e com constante presença na região da baiana Serra Negra e
tendo celebrado batizados e casamentos onde os padrinhos eram verdadeiros
potentados, como aqueles da família de Pedro Alexandre da Serra Negra. As
celebrações eram do lado sergipano, mas as propriedades geralmente eram dos
poderosos do outro lado da fronteira, como muitas vezes ocorreu na igrejinha do
São Clemente. Ora, Serra Negra era localidade estratégica e primordial nos
objetivos de tomada dos sertões pelo bando de Lampião. E Padre Artur Passos
possuía amizade e influência perante todo aquele coronelato baiano. Desse modo,
cremos que muito mais há que ser revelado acerca daquela “inusitada” visita de
Lampião ao Casarão de China do Poço, e, neste, o seu encontro com Padre Artur
Passos. Dizem que Lampião até ouviu impropérios da boca do vigário, pois este
não admitia estar na presença de um bandoleiro sanguinário. O líder cangaceiro,
contudo, não reagiu um instante sequer. Será que tal celeuma já não estava
programada? Mesmo tendo esbravejado tanto, depois o vigário dialogou
reservadamente com o cangaceiro, sentou à mesma mesa para o regabofe, e até
permitiu que o bando assistisse missa. Estranho, muito estranho. Não foi só um
almoço e uma missa, pois muito mais continua escondido no embornal do Capitão e
na batina do Padre. Que a arqueologia cangaceira escavoque tudo isso.
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