Por Ítalo Rocha Leitão - Jornalista
A tragédia que
se abateu sobre a Paraíba no ano de 1930 envolveu três homens chamados João. E
mudou a vida política do país na primeira metade do Século 20.
Mais um relato surge sobre esse episódio, que marcou para sempre a vida da
população brasileira. Desta vez, pelas mãos da escritora pernambucana Ana Maria
César, com publicação pela Cepe.
João Pessoa, presidente da Paraíba (1928/1930) - cargo idêntico ao de
governador - sucedeu João Suassuna. E João Dantas, advogado e militante
político, era aliado de Suassuna e fazia oposição a João Pessoa.
Quis o destino que os três Joões se cruzassem num mar de intrigas, desavenças,
conflitos e mortes.
Sob o comando de João Pessoa, a Paraíba passou a conviver com uma reforma
tributária que reajustou em até 80% os impostos de tudo quanto era exportado
para Recife, Natal e Fortaleza. João Pessoa também baixou um decreto para
desarmar os fazendeiros, acusados de acoitar pistoleiros e promover
assassinatos indissolúveis. Os dois fatos levaram o coronel Zé Pereira, um dos
maiores exportadores de algodão e chefe político de Princesa, a liderar uma
revolta popular e decretar o município independente da Paraíba. Criou hino,
bandeira e leis próprias.
João Pessoa usou a força policial do estado para combater o levante. Princesa
reagiu. E o embate armado não parou mais.
A atuação profissional de João Dantas como advogado do coronel e suas
declarações favoráveis à insubordinação de Princesa fizeram dele um inimigo de
proa do governo paraibano. Seu escritório foi arrombado na calmaria de
uma madrugada. A invasão foi atribuída pela polícia a ladrões comuns. João
Dantas contestou porque desapareceram documentos confidenciais dos seus
clientes e cartas íntimas trocadas entre ele e sua namorada, a professora
Anayde Beiriz. A correspondência pessoal vazou.
João Dantas decidiu ir pro Recife preparar sua defesa e torná-la pública por
meio de um artigo a ser publicado no Jornal do Commercio. Ao lado do cunhado, o
engenheiro Augusto Caldas, foi a um hotel no Centro do Recife entregar o artigo
ao amigo João Suassuna, deputado federal pela Paraíba, e pai de uma filharada,
entre eles, o futuro escritor Ariano Suassuna.
Do hotel, João Dantas saiu pelas ruas do Centro da capital pernambucana. Tinha
lido uma pequena notícia em jornais locais informando que João Pessoa passaria
aquele 26 de julho de 1930 no Recife. Com um revólver calibre 32 nos quartos,
começou a vasculhar os passos do governante paraibano, que em março daquele
mesmo ano tinha disputado a vice-presidência da República na chapa de Getúlio
Vargas. Enquanto era procurado por João Dantas, o governante paraibano almoçava
no já tradicional Restaurante Leite. Na sua mesa, Agamenon Magalhães e o
usineiro Caio de Lima Cavalcanti. De lá, o trio decidiu tomar um chá na
elegante Confeitaria Glória, onde próximo estavam o carro e o motorista do
Governo da Paraíba.
Foi nesse momento que João Dantas avistou o carro oficial e logo deduziu onde
estava seu arqui-inimigo. Entrou na Confeitaria e disparou três tiros à
queima-roupa em João Pessoa. Feridos de raspão por tiros saídos da arma do
motorista, João Dantas e seu cunhado foram presos em flagrante.
A Paraíba se vestiu de luto pra chorar seu morto ilustre. Por uma decisão da
família, que morava no Rio de Janeiro, e por uma conveniência política da
época, o enterro foi programado para ser lá. De navio, o corpo saiu do
Porto de Cabedelo para a então capital do país. Os getulistas, que não
aceitavam a derrota para o paulista Júlio Prestes, usaram com maestria a
comoção provocada pelo crime para apressar o projeto em curso de tomada do
poder - movimento vitorioso e que ficou conhecido como “Revolução de 30”.
Nas investigações do crime, a polícia pernambucana incluiu o ex-governador
paraibano João Suassuna pelo simples fato de, pouco antes de consumar o
homicídio, o assassino ter deixado a cargo dele a publicação do artigo.
Ao final, nenhuma culpa foi atribuída ao chefe do clã Suassuna. Mas, isso lhe
custou a vida. Pouco mais de dois meses depois daquele 26 de julho sangrento,
João Suassuna tombou sem vida ao ser baleado quando passeava pelo Centro do Rio
de Janeiro. Preso, o assassino disse que quisera vingar a morte de um irmão,
que morrera no levante de Princesa, comandado pelo coronel Zé Pereira. O
assassino acreditava que esse conflito poderia ter sido evitado pelo pai do
menino Ariano Suassuna, por causa da sua amizade com o coronel. Poucos dias
antes, João Dantas apareceu degolado na Casa de Detenção do Recife, ao lado do
corpo do cunhado, também ferido mortalmente no pescoço. A família dos dois
nunca acreditou na versão oficial de suicídio divulgada pela polícia, definia
as duas mortes como assassinatos.
E assim se passaram 91 anos do trágico fim dos três Joões: Pessoa, Dantas e
Suassuna.
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2021/11/o-fim-tragico-de-3-jooes.html
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