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sábado, 4 de março de 2023

MATERIAL DO JORNAL O CRUZEIRO, 06 DE JUNHO DE 1959

 Por José Mendes Pereira


Lamento não ter a fonte deste texto, porque, quando arquivei no meu desarrumado acervo, eu não tinha tanta intimidade com fonte, e nem tão pouco com informática, e ainda não sou tão sábio no que me refiro, mas deixa pra lá. Vamos ler o texto que tenho certeza, que ainda permanece em algum site de alguém. Se eu soubesse do título deste trabalho, seria fácil encontrá-lo. 

Vamos lá:

O CRUZEIRO, 06 DE JUNHO DE 1959

No Recife fomos encontrar um primo de Lampião, o Dr. Antônio Ferreira Magalhães, conceituado advogado criminalista e alto funcionário do I.A.I.P. no Estado de Pernambuco. É êle quem chefia e orienta a campanha que a família e os descendentes de Virgulino Ferreira da Silva estão fazendo no sentido de sepultar a cabeça do "Rei dos Cangaceiros" e de Maria Bonita, que se encontram, desde 1938, no Museu Etnográfico e Antropológico do Instituto Nina Rodrigues, em Salvador. 

O Dr. Antônio, ainda criança, conheceu pessoalmente Lampião e chegou mesmo a assistir a um dos combates travados contra uma “volante”, na vila de Nazaré. Lembra-se perfeitamente dele e diz: “- Lampião era uma figura máscula e fascinante. Tinha a personalidade e o magnetismo de um verdadeiro chefe. No contato pessoal, era um homem simples e amável, dedicado a todos da sua família. Ele se tornou um “fora-da-lei” por força das circunstâncias. O seu pai, que era um homem bom e pacato, sofreu perseguições sem conta, por questões políticas, e teve de mudar com tôda a família, várias vezes, abandonando as suas terras, o que, para um sertanejo, é o pior castigo. Por fim, tendo ido viver em outro Estado, Alagoas, nem mesmo assim pôde ficar em paz. Foi assassinado pela Polícia. A mãe de Lampião morrera poucos dias antes, também em conseqüência da perseguição que lhes era movida. Diante disso, Virgulino tornou-se Lampião. Não tinha para quem apelar, não tinha a quem pedir justiça. Resolveu fazer justiça pelas próprias mãos e não pôde mais parar. Ele foi um produto do meio e das condições sociais da época. Não era um tarado, um assassino nato, um lombrosiano. Uma vez morto, à traição, envenenado, pois não é verdade que tenha morrido em combate ou que tenha sido pegado desprevenido, tanto ele quanto Maria Bonita foram decapitados, como se sabe. As suas cabeças continuam, até hoje, expostas no Museu Nina Rodrigues. Agora, pergunto: por quê? Acaso todos os seres, mesmo os criminosos executados pelas autoridades, não têm direito à sepultura? Isto é um desrespeito a um ser humano, um escárnio para todos os seus parentes, um estigma para a sua filha, que hoje está casada e vive dignamente, e para os seus quatro netos. Que pensarão essas crianças, que tremendo choque emocional terão elas quando, mais crescidas, puderem tomar conhecimento da tragédia dos seus avós e do humilhante espetáculo das suas cabeças expostas como troféus de tribos africanas? Pergunto mais: que interêsse podem ter essas cabeças mumificadas para a ciência? Se foram objetos de estudo, êsses estudos já devem ter sido feitos, pois já lá vão vinte e um anos. Quais os resultados dêsses estudos? Além do mais, que direito tem o Instituto Nina Rodrigues? No Código Penal Brasileiro, Parte Especial, título V. capítulo II, referente aos crimes contra o respeito aos mortos, há o art. 212 que diz: “Vilipêndio a Cadáver - Vilipendiar cadáveres ou suas cinzas. Pena: detenção de um a três anos e multa de 500 a 2.000 cruzeiros”.                                                    

Por ventura não é um vilipêndio o que ocorre com os restos de Lampião e de Maria Bonita? Assim, o Diretor do Instituto está sujeito às penas da lei se insistir em manter a exibição dos seus macabros troféus. Iremos até a Justiça para terminar, de uma vez por todas, com essa inominável barbaridade”.Do Recife, fomos a Aracaju, onde localizamos a filha de Lampião e Maria Bonita, agora com vinte e sete anos de idade, casada e mãe de quatro crianças. 

O seu marido é o Sr. Manuel Messias Neto, comerciário, hoje trabalhando por conta própria (é proprietário de um caminhão). Ambos vivem modestamente, uma vida digna e honesta. Expedita Ferreira Messias tinha apenas seis anos quando os seus pais foram mortos. Ela foi criada, desde um mês de idade, por Manuel Severo, um vaqueiro que trabalhava numa fazenda em Jaçobá, Sergipe, e em quem Lampião confiava inteiramente. Expedita ainda se lembra de seus pais, que sempre iam visitá-la. Naturalmente que é uma lembrança difusa, mas mesmo assim ela conservou a impressão da beleza da mãe e a sensação de timidez que sentia junto ao pai. Ambos a acarinhavam e lhe davam presentes. Aos oito anos, ela foi tirada da casa do vaqueiro por um oficial da Polícia baiana e levada para Salvador. Entretanto, João Ferreira, o único dos irmãos de Lampião que não entrou para o cangaço, que ainda vive e é um homem honesto e conceituado, conseguiu recuperar a sobrinha e terminar de criá-la. Em 1951, Expedita, que então trabalhava numa casa comercial, casou-se no civil e no religioso com Manuel Messias. Agora o casal tem quatro filhos: Dejair, de seis anos, Vera Lúcia, de quatro, Gleuza, de dois, e Isa Cristina, com apenas um mês de idade. A filha de Lampião e o seu marido, como aliás todos os membros da família Ferreira, que são mais de trezentos e estão espalhados pelos vários Estados do Nordeste, não se envergonham nem procuram esconder os seus laços de sangue com o “Rei dos Cangaceiros”. Nem têm aliás por que fazê-lo: se, para muitos, Lampião foi um bandido sanguinário, para muitos outros foi um herói e continua a ser uma fascinante e lendária figura. Para outros tantos, foi o que foi na realidade: um sertanejo rijo que as injustiças e as condições da época e do ambiente em que viviam forçaram a enveredar pelo cangaço. Expedita é uma senhora calada, calma, que apresenta traços fisionômicos do seu famoso pai. Cria os seus filhos com carinho, vive feliz com o seu marido e naturalmente confia que as cabeças dos seus genitores sejam restituídas à família e dadas à sepultura. Tanto ela quanto Manuel Messias dizem que não compreendem como numa terra cristã como a nossa lhes neguem esse desejo. O que passou, passou. Não lhes move ódio contra ninguém. Apenas desejam viver em paz. E confiam que as autoridades e a Justiça lhes permitam enterrar os despojos daqueles que, se erraram, nem por isso devem deixar de ter o direito de descansar e ser perdoados.                                                                                    

Mas não é só a família de Lampião que está empenhada na recuperação dos despojos. Em 1953, a Assembléia Legislativa de Pernambuco fez um apelo ao Ministro da Justiça, sem resultado. Agora, endereçou outra ao Governador Juraci Magalhães. No Recife, o “Diário de Pernambuco” está fazendo uma campanha. Em Salvador, os vereadores estão divididos na questão, e requereram a presença do Diretor do Instituto Nina Rodrigues, para esclarecimentos. Também a Rádio Cultura da Bahia está apoiando a devolução das cabeças. Na própria Bahia, a opinião pública, em geral, é mais inclinada à entrega dos despojos.

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