Por Tomislav R. Femenick
Integra da Palestra proferida pelo Prof. Tomislav R. Femenick no Instituto Histórico e Geográfico do RN, no dia 26.09.2019.
Neste mês se
comemora o 136º aniversário da abolição da escravidão na terra de Santa Luzia
de Mossoró. Mas será que sabemos o que é comemorado? Ou somente se sabe que é
um festejo?
Neste século
XXI, época das descobertas espaciais, quando outros planetas e outros sistemas
solares começam a ser visitados por sondas terrestres, tempo das comunicações
globalizadas por satélites e das guerras “limpas” comandadas à distância e
programadas por computadores (guerras que mais parecem jogos de videogame,
porém decisões que podem vitimar milhares de vidas); neste século XXI a
escravidão é vista pelo mundo civilizado como uma aberração do comportamento
humano ou, no mínimo, como uma herança que sobreviveu aos tempos em que os
homens eram menos racionais, uma prática de povos bárbaros, limitada a regiões
não civilizadas. Esta seria uma visão correta não fosse o fato de que resquícios
da escravidão tenham sobrevivido até neste novo século, embora disfarçada,
escondida, dissimulada.
https://www.tribunadenoticias.com.br/2019/01/voce-conhece-historia-dos-escravos.html
Sabendo-se que
somente fenômenos incomuns e anormalidades é que podem ser considerados como
aberrações, temos, pois, que do ponto de vista histórico, desconsiderar essa
classificação pelo simples fato de que, no passado de quase todos os povos do
mundo, há a presença do escravismo como prática, quando não como instituição –
em ambos os casos fazendo parte do “inconsciente coletivo” da sociedade humana.
Os povos que não a exercitaram formam uma minoria tão inexpressiva que, do
ponto de vista acadêmico, somente servem para confirmar a regra.
Passei vinte
anos de minha vida pesquisando a escravidão em vinte e cinco países, em quatro
continentes. Foi a base de minha dissertação de mestrado em economia, com
extensão em sociologia e história. Mais tudo isso começou lá na antiga sede do
Museu Municipal de Mossoró com a visão de um estandarte verde claro onde estava
escrito Mossoró Livre, em letras que a memória me diz serem douradas. Ou
ouvindo as histórias contadas pelo seu Terto Aires, na calçada do meu tio, o
Padre Mota.
Mas voltemos a
questão inicial: o que realmente é a escravidão? Essa é uma indagação que deve
preceder a todo e qualquer estudo que trata do assunto. Daí a necessidade de se
fazer uma digressão teórica sobre o assunto. Em alguns livros é comum encontrar
explicações incompletas e até controversas entre si, pois este é um terreno de
uma das ciências humanas, capazes de suportar posições opostas e até de
negativas conjuntas, que têm por base interpretações de evidências – e as
interpretações envolvem julgamento de valor e todo julgamento é marcado por
preconceitos.
Assim, nessas
obras o conceito sobre a escravidão é genérico – geralmente
simplesmente dizem que é “um sistema em que alguns seres humanos são tratados
como se fossem propriedades de outros seres humanos, podendo ser vendidos e
comprados”. O significado também é genérico: seria “um fenômeno que
consiste em uma pessoa dispor o trabalho de outra pessoa, sem remunera-la”.
A definição, no entanto, é taxativa: “escravidão é o status do
escravo, a pessoa que está sob o domínio de uma outra pessoa, portanto privado
da liberdade”. É na definição do que seja a escravidão que se encontra a
unanimidade: ao escravo é negado o direito à liberdade.
Todas as
sociedades humanas aceitaram a escravidão. Até na Grécia Antiga, o berço da
democracia, a escravidão era prática comum. Aristóteles, em A Política,
desenvolveu o raciocínio de que existiam dois tipos de escravos: os legais,
homens livres que foram escravizados circunstancialmente; e os naturais,
aqueles que teriam nascido para serem escravos. Já na África negra, a
instituição da escravidão estava intensamente arraigada à concepção de vida, à
economia e à forma de pensar politicamente. No reino de Benim, além de
escravizar os cativos de guerra (coisa comum em todas as sociedades
escravocratas, desde a pré-história), todas as pessoas do país eram
consideradas escravas do rei, até os mais importantes membros da corte.
Em
síntese: a escravidão é uma categoria de relacionamento social e econômico, que
tanto pode ser estabelecida pelos costumes como pela lei, isto é, pelo direito
consuetudinário ou pelo status jurídico organizador de uma determinada
sociedade. Sua característica primordial é reconhecer a algumas pessoas a
prerrogativa de terem o direito de propriedade sobre outras, as quais podem ser
obrigadas a trabalhar de forma coercitiva, para os seus proprietários. Desta
forma o senhor apropriava-se da maior parcela do produto do trabalho do
escravo, deixando-lhe apenas o necessário para sobreviver, além de poder dispor
do escravo como se fosse uma mercadoria qualquer. Na forma mais radical de
escravidão, o escravo é reificado, desprovido de sua autonomia e de sua
dignidade, transfigurado, transformado de indivíduo em coisa, em objeto,
por meio de um processo de alienação em que perde a sua qualidade de ser
humano, em função da uma realidade objetiva adversa. Legalmente o escravo
é apenas mais uma mercadoria, que pode ser adquirida por captura ou compra;
após isso o dono obtém o direito de vender, penhorar, dar ou trocar por
qualquer outra mercadoria ou direito, sem que o escravo envolvido na transação
possa expressar ou exercer qualquer opinião ou direito.
Mas nem todos
os sistemas escravagistas foram iguais. A divisão mais comum é sem dúvida a
diferença entre a escravidão antiga (ou clássica) e a escravidão
moderna, a das colônias americanas.
A
Escravidão Clássica
A
evolução da capacidade do homem de produzir e a institucionalização da
escravidão como categoria social e econômica andaram pari passu,
simultaneamente e, repito, não foi fato singular, existente em determinada
região da terra. Ao contrário, com maior ou menor intensidade é elemento
evidenciado nos estudos históricos da maioria dos povos.
Nessa fase
evolutiva da civilização, o escravismo se caracterizou pelo trabalho forçado,
destinando-se a atender às necessidades comunais. O estudo dessas sociedades
evidencia que uma parcela da sociedade trabalha e produz, enquanto outra
somente se beneficia do resultado do trabalho do produtor direto. A
distribuição e o consumo da riqueza obtidos nessas sociedades tinham proporção
inversa ao esforço para obtê-los. Os produtores diretos ficavam com o mínimo
necessário para continuarem vivos e trabalhando e os seus senhores recebiam o
restante, a maior parte. Somente nos grandes impérios havia a produção de
excedentes em maior proporção, destinados aos mercados internos e externos.
Assim aconteceu na Mesopotâmia, na Suméria, no Império da Babilônia, na China,
na Índia, no Egito Antigo, entre os Hebreus e na Roma Republicana e Imperial.
Aconteceu também na América pré-descobrimento entre os Olmecas, os Maias, os
Astecas e os Incas.
Em quase todos
esses casos, em todas essas nações, o que o escravo produzia era tão somente o
necessário para suprir as necessidades imediatas dos seus senhores, pois quase
não se pensava em produzir excedentes em larga escala. A estrutura econômica
dessas sociedades tinha uma visão limitada ao seu território; raras eram as
exceções.
A
Escravidão Moderna
O
descobrimento da América deu-se em um período da história conhecido pela
expansão do poder europeu, que já tinha explorado a costa ocidental da África e
descoberto o caminho para as Índias. O encontro deste Novo Mundo não teria
sentido para a Europa de então se não o explorasse, se dele não tirasse
proveito. Primeiro tentaram escravizar os nativos, porém teve pouca
representatividade numérica, geográfica e, em alguns casos, temporal. Sem
dúvida existiu no Caribe, América Central, México, Peru e no Brasil,
principalmente. No Caribe, logo os indígenas foram drasticamente reduzidos, na
América Central os indígenas eram pouco numerosos, no Brasil sua utilização foi
limitada (ou teve relativa importância nas regiões norte e centro-sul). No
México e nos Andes é que realmente superaram a escravidão negra.
No Novo Mundo,
o homem criou uma sociedade nova quando construiu uma nova relação sua com a
natureza, quando transformou a própria natureza em coisa nova e quando
desenvolveu uma nova maneira de se apropriar dos recursos naturais, uma nova
forma de se apropriar de seus produtos (produtos da natureza) e de agir sobre
si mesmo. Singular é que entre os mesmos fatores que contribuíram para a
formação do novo sistema escravista, a escravidão moderna, estava a cor negra
da pele do escravo – fato gerador do preconceito contra os africanos e seus
descendentes.
E aqui se
levanta uma questão: quantos foram os escravos africanos introduzidos na
América? Há tentativas de se chegar a um número plausível, utilizando-se
métodos quantitativos acadêmicos aceitáveis, por grandes que sejam as
variações; mas são tentativas, tão somente tentativas. A quantificação mais
plausível é que tenha sido algo em torno de dez milhões. Para o Brasil vieram
entre três e meio e cinco milhões de africanos. Aprisionados em sua terra
natal, afastados do convivo de sua família, brutalizados nos confinamentos dos
portos de embarques e na travessia do Atlântico, aqui vendidos em praças
públicas como se animais fossem.
Esse novo tipo
de escravidão diferenciava-se da escravidão clássica em vários aspectos,
principalmente pelo grande número dos escravos e pelo volume e destino da
produção; produção em grande escala e quase toda ela voltada para a
comercialização no mercado internacional. O açúcar, o rum, o algodão, o fumo, o
café, a prata, o ouro produzido na América era destinado à Europa, que os
beneficiava. Alguns deles, como o rum e algodão – este transformado em tecido
–, também serviam como moeda de troca por novos escravos na África, escravos
que eram trazidos para a América para produzirem mais açúcar, mais rum, mais
algodão, mais fumo, mais café, mais prata, mais ouro. Em resumo: mercadorias
europeias eram levadas para a África onde eram trocadas por escravos, que eram
trazidos para a América, onde em trocados por produtos das colônias que eram
levados para a Europa, onde o ciclo se completava e tudo se reiniciava. Havia
variantes desse triângulo. Produtos das Antilhas iam para as colônias inglesas
da América do Norte e vice-versa. Produtos brasileiros iam para a África.
Negros eram reexportados das Antilhas para as Colônias do Norte ou para a
América do Sul, ou em sentido inverso. Entretanto, o tráfico sempre esteve no
âmago do pacto colonial: estava inserido na transferência de renda da colônia
para a metrópole; impulsionou a acumulação capitalista primitiva; foi um
instrumento do desenvolvimento da América e, principalmente, da Europa; um
instrumento do atraso, da pobreza, do despovoamento e de martírio para os povos
da África negra.
A escravidão em Mossoró
Reli
recentemente alguns textos de novos historiadores sobre o fenômeno da
escravidão em Mossoró. Notei que em uns poucos deles desponta se não uma
tendência, porém uma presunção, de dessacralização do movimento abolicionista
que teve a sua eclosão naquela memorável reunião de trinta de setembro de 1883
e na mensagem mandada ao senhor imperador, dizendo que “nesta terra todos são
livres mesmo contra sua vontade” – poderiam ter poeticamente completado, “como
é livre o vento sussurrante nas palmas dos carnaubais”.
Esses
novéis contadores de história devem ter lido apressadamente alguns trechos de
livros sobre teorias marxistas e se empolgaram com os conceitos mais divulgados
– e por isso mais fáceis de compreender – sobre os conceitos de modo de
produção e do etapismo leninista-stalinista. Do primeiro
pinçaram a noção de que “todo modo de produção possui em si mesmo as
contradições que levarão à sua substituição por um processo mais avançado”. Do
etapismo aceitaram a versão de que os modos de produção evoluem de forma
ordenada do comunismo primitivo ao comunismo científico (seja lá o que isso
for), coisa que Marx nunca disse em parte alguma. Estes estudiosos geralmente
fazem “releituras” sobre assuntos particulares que, via de regra, nada
mais são que tentativas de desvalorizar fatos maiores em troca do destaque de
outros assuntos que, se algumas vezes também importantes, não têm fôlego para
sobrepujar o âmago da questão.
Um forte
argumento dessa nova história é que as atividades econômicas desenvolvidas na
Mossoró da segunda metade do século XIX prescindiam da mão de obra escrava,
pois aqui seria um empório comercial. De fato, o modo de produção
econômica de nossa região não estava centrado na mão de obra escrava, que era
periférica ou senhorial, caseira, de prestação de serviço á casa dos senhores.
Isso não quer dizer que não houvesse escravos nas plantações de algodão, nas
salinas e nas fazendas de criação de gado. Havia sim, porem eram em pequeno
número.
O mesmo
aconteceu em nosso Estado. Segundo Paulo Pereira dos Santos – meu colega na
diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – em 1600,
quando a primeira Sesmaria foi concedida, seu beneficiário João Rodrigues
Colaço usou “escravos vindo de Guiné”, cuja “presença foi constante no processo
produtivo” da província, porém em outras regiões que não o Oeste. No entanto,
os portos de desembarque desses trabalhadores eram Mossoró, Areia Branca e
Macau. Essa carga humana era procedente da África (em menor número), do Maranhão
e de Pernambuco. Desses pontos os africanos e seus descendentes eram levados
para o agreste e o Seridó. Porém as condições geográficas desses lugares
propiciavam que houvesse muitas fugas de cativos.
Por outro
lado, o Rio Grande do Norte não dependia totalmente da força de trabalho
escrava para o seu desenvolvimento. Em 1811 a Província possuía uma população
de 49.250 habitantes, dos quais 8.072 eram negros; poucos alforriados. Em 1835,
o numero de negros subiu para 12.363, porém já com 6.247 libertos; a metade.
O mesmo
fenômeno aconteceu com Mossoró, que nunca foi uma sociedade
predominantemente escravocrata do ponto de vista econômico; somente o aspecto
social da escravidão aqui houve em destaque. Em 1862 havia no Município 2.493
habitantes, dos quais somente 153 eram escravos, cerca de 6% das pessoas. A
cidade não era produtora de cana de açúcar e não possuía engenhos, as lavouras
de algodão (diferentes de outras regiões) não usavam grande número de escravos
e a pecuária exigia pouca mão de obra. Em junho de 1883, ano da abolição, havia
126 escravos em nossa terra; 40 foram alforriados em 13 junho e 86 em setembro,
do mesmo ano.
Mesmo pouca a
mão de obra escrava não deixava de ser fonte de lucros. Segundo Camara Cascudo,
“em Mossoró diversas casas comerciais tornaram-se compradoras de escravos,
destacando-se entre elas a Mossoró & Cia, do Barão de Ibiapava”,
pertencente ao ex-presidente da província do Ceará.
http://genivanvale.blogspot.com/2015/09/mossoro-festeja-132-anos-de-libertacao.html
A
Abolição
A
abolição da escravatura em Mossoró deu-se no contexto abolicionista nacional,
grandemente influenciado pelos acontecimentos do vizinho Estado do Ceará. Nessa
época, o parlamento imperial, pressionado pela opinião pública e por algumas
lideranças políticas, discutia leis que pregavam à abolição imediata, outras
que eram totalmente contrárias e outras mais que queria uma “abolição gradativa“.
Enquanto isso
a sociedade civil se organizava contra a escravidão: Em 1880, Joaquim Nabuco,
José do Patrocínio e outras figuras importantes criaram, no Rio de Janeiro,
a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Também no Rio, filósofos como
Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, se engajaram na campanha. Em São Paulo
o advogado Luís Gama, um ex-escravo, transformou-se em um dos maiores heróis da
causa emancipadora. No Recife, os alunos da Faculdade de Direito fundaram uma
associação abolicionista, da qual eram sócios Castro Alves, Rui Barbosa,
Aristides Spínola, Plínio de Lima, Regueira Costa.
A
Maçonaria e a Abolição
A
Maçonaria teve participação destacada e decisiva na campanha pela abolição da
escravidão no Brasil. Isso é comprovado pelo fato de que quase todos os
principais líderes da abolição eram maçons. José Bonifácio, o patriarca da
independência e pioneiro da pregação da abolição; Eusébio de Queirós; que
aboliu o tráfico de escravos; o Visconde do Rio Branco e outros abolicionistas
como Luís Gama, Antônio Bento, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Silva Jardim
e Rui Barbosa eram maçons. Os maçons David Canabarro e Bento Gonçalves deram
exemplos práticos de abolicionismo quando, em 1839 declararam a emancipam de
escravos, durante a Guerra dos Farrapos.
A história
abolicionista da Maçonaria de Mossoró vem de 1875, quando passou a vedar a
iniciação em seus quadros de pessoas que fossem comerciantes de escravos. Antes
disso, no ano anterior o maçom Jeremias da Rocha Nogueira já propugnava pela
“emancipação dos cativos”. No dia 24 de dezembro de 1882, como em datas
anteriores, no templo maçônico foram entregues cartas de alforrias para alguns
escravos, fruto do “fundo de emancipação”. Segundo o Historiador Raimundo
Nonato: “A Maçonaria de Mossoró foi a grande incentivadora do grande movimento
Libertário, em Mossoró”.
O 30 de
setembro
Muito já
se disse sobre os acontecimentos do dia 30 de setembro de 1833, em Mossoró.
Muito já se contou sobre a sessão solene que quebrou os grilhões que prendiam a
terra de Santa Luzia à aberração da escravidão. Muito já se falou sobre os
homens que deram aquele grito de liberdade. Por isso é-nos limitada a abordagem
de assunto tão nobre, porém já tão conhecido. Então, acho que é mais
recomendado analisar a conjuntura daquele momento.
A ideia de
libertar os escravos – mesmo sem chancela de uma Lei ou qualquer outro
instrumento legal em nível do Império – teve início no Ceará nos anos de 1970 e
se propagou mais intensamente a partir do início da década seguinte. As
libertações dos escravos se iniciaram por Acarape, no dia 1º de janeiro de
1883, que emancipou 116 escravos; depois vieram outras, como em Paracatuba, São
Francisco, Barurite, Icó, Fortaleza, por exemplo.
Segundo
Emanuel Pereira Braz, “no momento imediatamente anterior à abolição dos
escravos nesta cidade, a propagação do movimento não encontrou proprietários de
escravos receosos de perderem seu patrimônio, ou exigindo indenização para
libertar seus escravos. Não há registros de depoimentos de políticos no âmbito
local que fossem contrários ao abolicionismo”. O que se encontrava aqui era a
difusão da uma consciência libertária, tanto é que nenhum senhor de escravo
questionou a abolição ou pressionou por indenização.
Em Mossoró, a
ideia de libertar os escravos se consolidou no decorrer de uma homenagem, que
teve lugar em dezembro de 1882, prestada pela Loja Maçônica 24 de Junho a
Romualdo Lopes Galvão pelo seu casamento com Amélia Dantas de Souza Melo, acontecido
no dia 5 do mesmo mês, em Fortaleza. Dona Amélia era portadora de uma “prancha”
da Maçonaria cearense endereçada aos maçons de Mossoró, propugnando a
participação de todos na luta emancipadora. No dia 06 de janeiro de 1883 a
“Sociedade Libertadora Mossoroense” foi instalada, na Câmara Municipal, que
funcionava do edifício da Cadeia Pública, hoje Museu Lauro da Escóssia.
Segundo o
historiador Geraldo Maia, a Sociedade Libertadora estabeleceu uma meta para
alcançar seu objetivo de libertar todos os escravos que viviam em Mossoró. “Foi
instituído o 30 de setembro para que até esse dia os 86 escravos que aqui
existiam fossem libertos”.
Diz, ainda,
Geraldo Maia:
Um ponto
interessante é que aqui na cidade, os escravos libertos continuaram vivendo nas
fazendas, não mais como cativos, e sim como funcionários, remunerados. Ou seja,
foi um movimento organizado, diferente do aconteceu com a Lei Áurea, quando os
escravos foram expulsos das fazendas, tornando-se marginalizados.
Desde
1913, através da Lei nº 30, o dia 30 de setembro foi declarado feriado
municipal e, desde então, passou a ser a grande data cívica mossoroense. Em
recente reunião do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
Almino Afonso Neto (ou Almino Monteiro Álvares Affonso), ex-ministro, deputado
federal e vice-governador de São Paulo, disse que esse é um fato único: uma
cidade comemora como sua data não o dia de sua emancipação política, mais a sua
emancipação social, a libertação dos seus antigos escravos.
Mas devemos
preencher uma lacuna que sempre acontece: grande número das comemorações do dia
30 de setembro parece se esquecer do Clube do Spartacus e da figura de Rafael
Mossoroense da Glória, seu presidente. Após a abolição, nossa cidade passou a
ser o destino preferencial para os escravos fugidos e que viviam em regiões
escravocratas. A lei garantia aos senhores de escravos, a devolução dos seus
cativos, que, além do mais, por isso poderiam ser castigados. Aqui esta uma das
muitas contradições do regime escravocrata: a legislação era, em sua essência,
totalmante dual. Negava ao escravo os direitos das leis, sob a desculpa de que
o seu estado de reificado tirava-lhe a condição de cidadão, ao mesmo
tempo em que lhe exigia os deveres das leis, sob a alegação de que sua condição
de “ser” assim exigia.
Visando dar
cobertura aos escravos fugidos, foi criado o “Clube dos Spartacus”, que tinha
por objetivo dar guarida e refugio aos escravos que aqui chegavam escapando das
amarras de seus donos e, mais importante, evitar que os seus donos ou os
capitães de mato os descobrissem. Esse clube era a tropa de elite dos
abolicionistas e tinha um ex-escravo como presidente, Rafael Mossoroense da
Glória, e como secretário seu antigo dono, Alexandre Soares do Couto.
Senhores,
senhoras. Todo o movimento que desembocou no que hoje chamamos simplesmente de
“30 de setembro”, tinha como fulcro, a parte essencial e mais importante, uma
simples palavra: liberdade. Liberdade é condição daquele que não se acha
submetido a qualquer força física ou legal, é condição daquele que não é cativo
ou que não é propriedade de outrem, é a faculdade de decidir ou agir segundo a
própria determinação.
Segundo a
filosofia, liberdade é um conjunto de direitos, inerente ao indivíduo, de
exercer a sua vontade dentro dos limites da lei. De acordo com a ética, a
liberdade está relacionada com responsabilidade, uma vez que um indivíduo tem
todo o direito de ter liberdade, desde que essa atitude não desrespeite a
liberdade dos outros, não ultrapasse os princípios da ética e da Lei.
Mas será que
isso explica realmente o que é essa coisa chamada liberdade? Não. Acho que não.
Liberdade é um sentimento sublime que se deve saber que existe, mas que não se
deve ter necessidade de nela pensar – a não ser de forma acadêmica ou em
solenidades como esta. A humanidade somente pensa na liberdade quando dela
sente falta. A liberdade é como as borboletas, os anjos, os santos, algo
diáfano, delicado e que se deve preservar com carinho; todavia com todo o
afinco possível. E devemos nos lembrar de que sempre que a liberdade do outro
desaparece a nossa está ameaçada.
Meus
senhores e minhas senhoras,
Felizes
de nós que recebemos por herança a pira da liberdade, da cidadania. Felizes de
nós que temos heróis a quem cultuar. Felizes de nós que sabemos que a liberdade
é uma chama quase efêmera e que para sobreviver necessita de uma vigilância sem
trégua; agora não contra a escravidão, mas contra os arrotos dos governos
autoritários – de esquerda ou de direita –, o aparelhamento do Estado, o
tratamento desigual dos códigos e trâmites legais, os privilégios classistas e
das autoridades e elites impuníveis. Todo dia é dia de luta. Bravos são aqueles
dentre nós que a vigiam; que zelam pela liberdade.
https://www.tomislav.com.br/a-abolicao-da-escravidao-em-mossoro/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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