Por João Costa
Pesquisadores
e estudiosos do fenômeno Cangaço além da avidez com que mergulham em livros,
pesquisas, TCCs, vídeos ou relatos orais, torcem pelo surgimento de provocações
acadêmicas, estéticas que geralmente surgem embaladas em perguntas “de gaveta”.
É assim que vejo a senhora Luci Guimarães, uma carioca radicada em São Paulo,
mas de alma nordestina, devido às suas inquietações.
Diz Luci que
começou a se interessar pelo estudo do cangaço em 2018, acho. Tem viés
estético, pois burila bem ferramentas e técnicas visuais e se diverte
reconstruindo fotos antigas de cangaceiros, volantes, coiteiros e coronéis.
Eia aí essa
reconstituição de uma foto do cangaceiro Antônio Augusto Feitosa – de alcunha
Meia Noite feita por Dona Luci que ilustra essa matéria. Me motivou a
reescrever um artigo que este blog publicou sobre o cangaceiro que “valia por
cem”, segundo depoimento de ninguém menos Virgulino Ferreira Lampião.
Ao conhecer e
comparar os relatos da história do cangaço que emergem de várias fontes, o
leitor tem dificuldade em separar fatos e ficção, especialmente quando se
refere ao cangaceiro Meia Noite um sertanejo natural de Piranhas, que cometera
seu primeiro crime aos 12 anos de idade. Ele havia permanecido no bando de
Lampião de 1921 até 1924. Era alto, franzino, negro e também descendente de
índio.
COITO SEGURO
Após o
ataque a Sousa(PB) sob o comando de Livino, Sabino das Abóboras, Antônio
Ferreira, Chico Pereira e do próprio meia Noite, ataque este que rendera 200
contos de réis em dinheiro vivo, o bando volta para São José de Princesa,
divisa entre Paraíba e Pernambuco, localidade onde Lampião descansava e se
recuperava de ferimento sofrido no pé, sob a proteção do coiteiro Marcolino
Diniz.
Um
constrangimento surge no bando: o cangaceiro Antônio Augusto Correia,
vulgo Meia Noite, descobre que havia sido roubado na quantia de nove
contos de réis, enquanto dormia.
Raposa velha e
conhecedor de todas as manhas, Meia Noite suspeitou de Livino e Antônio
Ferreira e, sentindo-se ludibriado, desencadeou uma tremenda confusão a ponto
de Lampião interferir para acalmá-lo.
Pra serenar os
ânimos, o próprio Virgulino ressarciu Meia Noite com a mesma quantia
que haviam lhe roubado, mas o cangaceiro não ficou satisfeito; seguiu
esbravejando e Lampião subiu o tom da conversa: exigiu que Meia Noite entregasse
suas armas – o cabra estava brabo demais.
OLHO NO OLHO
Lampião era
tratado por Meia Noite, pelo apelido carinhoso de “Nego Véio”, uma vez que
eram companheiros de armas de longa data. Alucinado com esse argumento de
entregar suas armas, Meia Noite reagiu.
-“Se tiver
homem no meio dessa mundiça, que venha tomar minhas armas! Inclusive você
também, Nego Véio, seu filho de uma égua!”, disparou Meia Noite na
frente de todo o bando.
Os cabras
estremeceram, esperando pelo pior que não veio. Virgulino, então, ajeitou o
chapelão na cabeça e falou para Meia Noite pausadamente.
- Meia Noite,
você é meu amigo, mas não pode abusar... Já lhe dei o dinheiro que você disse
que lhe roubaram, não dei? Apois agora eu quero que vá simbora; eu não quero
revoltoso no meu grupo!”, foi a reação de Lampião.
- “Vou simbora
mesmo e nesse mesmo instante”! De hoje em diante não preciso mais dessa
bosta! Bando de ladrões safados”, disse o cangaceiro encilhando sua
montaria.
Mas Meia Noite tinha
pra onde voltar e um grande amor, uma cabocla chamada Zulmira, com quem casou
na capela de São Sebastião, em patos de Irerê-PB. Deixando o bando para trás,
seguiu para o sítio Tataíra, divisa da Paraíba com município de Triunfo(PE)
onde morava sua amada. O cangaceiro era tão apaixonado pela namorada que, como
prova de amor, ele a chamava carinhosamente seu mosquetão de “Zulmira”, o nome
da moça.
AMADA ZULMIRA
Na noite de 17
de agosto de 1924, Meia Noite foi visto por um agricultor entrando na
casa onde Zulmira morava, e este, imediatamente, delatou para a volante que
estava estacionada em Princesa Isabel.
Despachada sem
mais demora, a volante de Manoel Virgolino, com 12 homens, chegou no sítio
Tataíra tarde da noite.
O cabecilha
bateu à porta dizendo-se com sede e pedindo água. O próprio Meia Noite,
imitando voz de mulher, respondeu que “aquela não era a hora de abrir a
porta para estranhos”.
O ardil não
funcionou e seguiu-se um tremendo tiroteio.
A casa era de
taipa e Meia Noite, prevenido, havia perfurado as paredes com vários
buracos, as chamadas biqueiras. De tal maneira que disparava sua arma ora da
cozinha, ora do cômodo da frente, depois do pequeno quarto, dando a impressão
que havia vários atiradores, mantendo a volante à distância.
No tiroteio
cerrado, Meia Noite percebeu a munição escasseando, temendo pela vida
da sua amada Zulmira, abriu negociação com a volante.
- “Vocês aí,
vamos fazer um trato! Eu estou com uma moça aqui, que não tem nada a ver com
nada. Deixem que ela saia, depois nós continuamos, se comportem como homens! O
cabecilha da volante até que foi cavalheiro e concordou.
- Pode mandar
a mulher sair!
Assim, com uma
trouxa debaixo do braço, Zulmira deixou a casa e tomou distância. O tiroteio
recomeçou.
Para agravar a
situação de Meia Noite, chegaram mais duas volantes, lideradas pelos
tenentes Manoel Benício e Francisco Oliveira. E depois mais outra. Desta feita,
a volante comandada pelo sargento Clementino Quelé.
A força
volante, que no início do cerco era composta por 12 soldados, agora tinha 100
homens, sob toques de cornetas, deixando Meia Noite debaixo de uma
chuva de balas de fuzis.
Ali, acossado
e debaixo de uma chuva de cacos de telhas quebradas, fragmentos de barro e o
fumacê causado pelo tiroteio, Meia Noite conseguiu furar o cerco
saindo por um buraco na parede e rastejando como cobra.
GRANDE
ESCAPADA
Meia Noite escapou
ao cerco monumental de cem soldados de volante apenas com um leve ferimento
numa perna, nada grave. Mas na fuga, ao pular uma cerca, quebrou o braço
direito, exatamente o de manejar o rifle.
Após essa fuga
espetacular, Meia Noite pediu socorro na casa de um ex-amigo e também
cangaceiro manso, chamado de Ronco Grosso, que o atendeu prometendo buscar
ajuda para tratar do ferimento no braço em casa de agricultor e coiteiro, que
ao invés de voltar com medicamentos, guiava uma volante.
Meia Noite ainda
reagiu disparando seu parabélum até a munição acabar. Quando a
polícia entrou na casa, não encontrou ninguém, mas um soldado da volante avista
um vulto subindo um morro ao lado, dispara seu fuzil e acerta Meia Noite na
perna, e ainda assim, o bandoleiro desaparece se arrastando.
Ferido, Meia
Noite busca socorro no Saco dos Caçulas, lugar onde ele e Lampião tinham
contatos e amizades. É acolhido por Manoel Lopes, o Ronco Grosso,
ex-cangaceiro que se tornara cabra de confiança do coronel Zé Pereira. Após
tratamento e débil recuperação, as volantes reaparecem e Meia Noite é
levado à uma gruta segura por Ronco Grosso.
Conta-se
que Ronco Grosso, perguntou ao coronel Zé Pereira o que fazer.
- Resolva
você, Ronco Grosso, resolva! Não quero saber de cabra de Lampião por aqui, são
as orelhas dele ou as suas, escolha! Foi a senha e a resposta dada por Zé
Pereira.
Ronco
Grosso entra em conchavo com outro ex-cangaceiro chamado Antônio Ladislau,
o Tocha. Numa tarde de agosto, a dupla vai à gruta levar mantimentos
para Meia Noite, que estranha do horário da chegada dos dois, mas não
desconfia. Foi seu erro crasso.
Após jantar,
prosear e levantar-se para se despedir, foi eliminado à queima-roupa por Tocha
e Ronco Grosso, que cortam suas orelhas e o enterram em cova rasa ali mesmo.
O capitão
Virgulino Ferreira assim se referia a ele.
- “Meia
Noite, sozinho, valia por dez!”
Acesse:
blogdojoaocosta.com.br
Fonte:
“Lampião – a raposa das caatingas”, de José Bezerra Lima Irmão.
Lampião na
Paraíba – Notas para a História, de Sérgio Augusto de Souza Dantas.
Meia Noite.
Foto de rosto reconstituída por Luci Guimarães
Foto. Meia
Noite. 1o de pé à esquerda. Bando em 1922.
https://www.facebook.com/groups/179428208932798
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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