Na história dos conflitos humanos há uma lição irrefutável: os convertidos são os mais perigosos e letais porque a dissimulação é a sua principal arma psicológica – e isso independe do grau de instrução, mas da convicção do propósito a que se comprometeu o convertido.
Na Arte da Guerra, de Sun Tzu, escrito 2.600 A.C. são descritos cinco categorias de espiões, e o um dos tipos de agentes secretos é o “espião vivo” – aquele que retorna para relatar ou prestar contas ao seu chefe ou líder para receber a recompensa acertada.
Foi o caso do cangaceiro Teodomiro dos Santos, vulgo Penedinho, natural de Poço Redondo(SE), primo legítimo da cangaceira Adília, companheira do cangaceiro e subchefe de grupo Bernardino Rocha, vulgo Canário.
Penedinho entrou para o cangaço no início do ano de 1938, transitando ora sob a chefia de Zé Sereno, ora sob o comando de Português e até mesmo liderado por Canário, seu “parente”.
Teodomiro dos Santos ou Teodomiro de Calu, ingressou no cangaço com uma missão: matar o “Canário”.
Missão esta
dada a Penedinho pelo coronel Antônio Caixeiro, pai do interventor do
estado Sergipe, capitão-médico do Exército Eronildes de Carvalho, pai e filho,
coiteiros e amigos de confiança de Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.
Reza a lenda que certa feita, em 1938, o cangaceiro Canário enviou um bilhete ao coronel Antônio Caixeiro exigindo uma determinada importância em dinheiro ou joias, a ser enviada pelo portador.
– Volte lá e diga ao Canário que os outros que já são velhos no cangaço não me pedem dinheiro, agora ele que é novo no ramo vem me amolar! Foi à resposta de Antônio Caixeiro.
O mensageiro voltou até o bando de Canário e reportou ipsis litteris a resposta dada pelo famoso coronel.
Canário ouviu em silêncio o relato do seu mensageiro para depois despachá-lo de volta ao coronel, rico fazendeiro, chefe político e coiteiro famoso de cangaceiros, com outro recado, desta feita tremendamente ameaçador:
-“Se o senhor não mandar o dinheiro, o Canário vai desapropriar a sua fazenda Santa Filomena”. Simplesmente a melhor propriedade do coronel Antônio Caixeira, rica em recursos naturais e rebanhos de animais.
Ciente da ameaça o coronel Antônio Caixeiro, após a saída do mensageiro, que partiu sem um tostão, urdiu um plano audacioso: convocou um dos seus cabras de extrema confiança, trancou-se com ele num quarto do casarão da fazenda e detalhou seu plano seguido de ordens expressas.
“Você vai até o grupo de Lampíão como meu enviado e se apresente para ingressar no bando. Ganhe a confiança deles, encontre uma oportunidade e dê cabo à vida de Canário – o dinheiro que ele tem é muito, será todo seu, mais recompensa maior que lhe darei”.
Ordem dada é ordem cumprida.
Penedinho se apresentou no coito de Vurgulino, apetrechado de fuzil, punhal e revólver, suas “ferramentas de trabalho” quando a serviço do famoso coronel sergipano.
Virgulino Ferreira ouviu as razões de Teodomiro de Salu para entrar no bando, analisou-o de cima a baixo, e com sua voz sussurrante tomou a surpreendente decisão.
-“Não. No meu grupo não posso lhe aceitar”.
Mas a sorte acompanhava Teodomiro dos Santos, pois naquele exato momento, Canário que acompanhara toda a conversa com Virgulino Ferreira, interviu.
“Capitão, o menino fica comigo, no meu grupo”. Afinal, o cabra era primo da sua compaheira, tido praticamente como parente e ali mesmo foi batizado com alcunha de Penedinho.
O tempo passou. Os entreveros com as volantes, as razias do bando se sucediam e a “oportunidade” para Teodomiro cumprir a sua missão não surgia.
Certo dia, na
fatídica madrugada de 28 de julho de 1938, o bando de Canário, acoitado no
Cururipe, despertou com um tiroteio medonho para o lado do Rio São Francisco, e
o próprio Canário, bandido experiente e calejado, já despertou
gritando:
“Valha-me Nossa Senhora! Lá mataram Lampião”!
Pressentimento este confirmado no mesmo dia da tragédia de Angico. Todos os cangaceiros dos subgrupos do bando de Lampião ficaram desnorteados, agora sem o chefe supremo, o provedor de armas, munição, mantimentos e planos.
Mas no dia 12 de agosto a tão esperada “oportunidade” por Penedinho surgiu praticamente do nada. O bando de Canário naquele momento formado por Penedinho, Adília e uma outra mulher; Sabiá, Delicado, Xexéu, Quina-Quina e Pitombeira estava num coito seguro, quando o chefe comunicou:
“Penedinho, você vem comigo, pois vamos buscar algumas encomendas”.
Os dois empreenderam a caminhada, pararam para comer e a dupla sentou á sombra de uma árvore. Canário relaxou a guarda, preparando seu almoço: farinha de mandioca com açúcar numa cuia e com o seu sexto sentido atilado percebeu Penedinho a manusear o mosquetão.
– O que você está fazendo? Perguntou Canário.
Limpando a arma, Respondeu Penedinho.
Ato contínuo disparou o mosquetão à queima-roupa no peito de Canário, tiro efetuado tão de perto que o cangaceiro foi jogado a uns dois metros de distância.
Calmamente Penedinho degolou o chefe; percebendo a chegada do cachorro do bando intuiu que os demais cangaceiros estavam se aproximando e não esperou tempo ruim: abandonou ao local levando a cabeça de Canário, pendurada pelos cabelos compridos do facínora.
Já na presença Antônio Caixeira, Penedinho prestou contas; recebeu sua recompensa; o coronel chamou à fazenda o então sargento José Osório de Farias, chefe de volante que se tornaria famoso pelo nome de Tenente Zé Rufino, a quem o cangaceiro entregou a cabeça de Canário, recebendo em troca como bônus à anistia.
Fontes de
consulta: “Lampião – As Mulheres e o Cangaço”, de Antônio Amaury de
Araújo. “Cangaceiros de Lampião de A à Z”, de Bismarck Martins de
Oliveira.
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