Por: Rostand Medeiros
“Bom vaqueiro nordestino
Morre sem deixar tostão
O seu nome é esquecido
Nas quebradas do sertão”
Morre sem deixar tostão
O seu nome é esquecido
Nas quebradas do sertão”
A Morte do Vaqueiro – Luiz Gonzaga
Vemos na foto que abre este texto, produzida na metade do século passado, um encourado vaqueiro nordestino, uma visão cada vez mais rara nos sertões potiguares.
A roupa era feita para enfrentar os espinhos da mataria da caatinga nordestina. O vaqueiro corria célere pela mata, com a cabeça escorada no pescoço do seu animal, em busca de uma rês desgarrada.
Quem confeccionava estas peças eram verdadeiros mestres e no Rio Grande do Norte havia vários deles. Sobre isto tenho uma história interessante.
Em 4 de abril 1921 desembarcava no Rio de Janeiro a chamada “Missão Internacional Algodoeira”, sob o comando do Secretário Geral da International Federacion of Máster Cotton Spinner’s & Manufacturers, o inglês Arno S. Pearce e mais dois técnicos.
Pearce desejava ver a maneira como o Brasil tratava esta malvácea e queria ir até os produtores. As visitas iniciaram-se pelo estado de São Paulo, depois foram de trem para Minas Gerais, seguindo no Rio São Francisco para a Bahia e depois em direção a Pernambuco, Paraíba e Rio grande do Norte. Sempre visualizando os tipos de fibras, os solos onde o algodão era plantado, as prensas, as fazendas.
A chegada a terras potiguares ocorre em 5 de julho de 1921, quando os integrantes desembarcam de trem na capital, às cinco da tarde, sendo recebidos pelo Delegado Regional do Serviço do Algodão no estado, Antídio Guerra, e ficando alojados na “Villa Cincinnato” ([1]).
No outro dia ocorreram visitas ao governado Antônio José de Melo e Sousa, a Escola Doméstica ([2]), a redação de “A Republica” e outros locais. Os jornais apontavam Pearce como uma “autoridade mundial em assuntos referente a algodão” e sua visita despertava vivo interesse nas classes dirigentes e econômicas do estado ([3]).
Mas como o gringo não estava para salamaleques, no dia 7 parte para o ressequido sertão potiguar, acompanhando de várias autoridades locais.
Vamos encontrá-los dias depois saindo de Mossoró por um tortuoso caminho, o grupo segue para o Brejo do Apodi, atualmente distrito do Brejo, zona rural do município de Felipe Guerra, onde os familiares maternos de Antídio, onde são regiamente recebidos pelo coronel Antônio Gurgel do Amaral ([4]).
Então os técnicos agrícolas suíços Max Syx e F. Genny, que acompanhavam Pearce na sua missão, acompanhados de Antídio Guerra e alguns de seus parentes, foram visitar a pequena vila de Pedra de Abelha, atual cidade de Felipe Guerra.
Os estrangeiros estavam desejosos de levar para Europa um souvenir da região, então lhes é mostrado a selaria de João Inácio. Consta que os europeus se mostram extremamente interessados na forma como o analfabeto João Inácio consegue lhes tomas as medidas para a confecção das roupas, utilizando métodos então em desuso na Europa de 1921. Eles se impressionam com a confecção utilizando couro de veado e se encantam com a beleza das peças. Max Syx encomenda por 350$000 réis, um traje completo de couro que será enviado pelos amigos brasileiros quando estivesse pronto. Já o artesão Inácio se impressiona com a estatura e as largas medidas que apura no suíço Syx, chamando a atenção de todos que moram no lugarejo ([5]).
Conheço bem Felipe Guerra e suas cavernas e sempre vou por lá. Ao descobrir este texto, em uma visita posterior que fiz a esta cidade eu procurei, melhor, pelejei para encontrar um Cristão que me desse o mínimo fiapo de notícia deste Mestre na arte da confecção do couro. Fui até no cemitério, mas não encontrei nada, nenhuma informação.
Realmente o seleiro João Inácio chamou a atenção dos estrangeiros, mas não de sua gente.
Mas este esquecimento não é restrito aquele município. É raro ver um vaqueiro encourado nos sertões potiguares da atualidade.
Além do mais, hoje em dia os vaqueiros do nosso estado não precisam usar esta roupa, pois quase não temos mais caatinga que justifique seu uso. Pois esta vegetação típica está sendo sistematicamente desmatada para abastecer olarias, caieiras e outros fins econômicos que utilizam lenha.
Como foi comentado, antigamente as peças que compunham este tradicional vestuário eram confeccionadas com pele de veado, pois tinham resistência e eram maleáveis. Hoje não dá. Se alguém matar um veado para arrancar o couro e fazer uma roupa de vaqueiro, o IBAMA vai tratar o vaqueiro e o artesão como bandidos. Se um vaqueiro quiser criar uma pequena quantidade destes cervídeos em um curralzinho, para também aproveitar a carne para sua família e fornecer as peles para a roupa de trabalho, se lascou de novo. Pois está criando sem autorização, sem papeis, sem seguir os mandamentos dos burocratas que vivem na cidade grande, que se acham superiores por serem “Federais” e possuírem títulos acadêmicos.
Mas vamos em frente…
Acredito que hoje, encontrar vaqueiros encourados nos sertões potiguares, como estão aqui apresentados nas fotos, só na festa da pega do boi da Fazenda Pitombeira, em Acari.
Fico feliz com o sucesso desta importante iniciativa. Recentemente vi e fiquei admirado com um documentário que mostra este evento. A produção teve a teve a narração forte e vibrante do batalhador jornalista e amigo Alex Gurgel, com filmagens realizadas pelo grande Hélio Galvão.
Ainda bem que na Pitombeira a tradição existe.
P.S. – Posso até estar errado e em muitas áreas do nosso Rio Grande do Norte os vaqueiros encourados estão correndo nas caatingas. Se assim for, tenho tido azar, mas não sou cego.
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[1] Então residência oficial do governo, localizada na Praça Pedro Velho.
[2] Era prática comum na década de 1920, as autoridades locais agendarem visitas de pessoas ilustres que estivessem em Natal a Escola Doméstica. Localizada então na Praça Augusto Severo, esta escola era uma referência no ensino feminino no Brasil.
[3] Ver “A Republica”, de 7 de junho de 1921, pág. 1.
[4] O coronel Antônio Gurgel do Amaral será capturado pelo bando de Lampião em 12 de junho de 1927, quando do ataque deste cangaceiro a Mossoró e ficará prisioneiro dos quadrilheiros por vários dias.
[5] Sobre a missão Pearce no Brasil ver; Pearse, A. S., “Brazilian Cotton, being the Report of the Journey of the International Cotton Mission through the Cotton States of Sao Paulo, Minas, Geraes, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte”, pág. 10, 1ª Edição, 1923, Manchester, Inglaterra.
Extraído do blog:
"Tok de História" do historiógrafo Rostand Medeiros
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