Por: Rangel Alves da Costa
A INVENÇÃO DE HUGO CABRITO
Antes que possam imputar plágio ao presente texto, informo que o mesmo é tão original quanto às melhores estórias inventadas. Portanto, não tem absolutamente nada a ver com “Central do Brasil, de Walter Salles, e muito menos com o mais recente filme de Martin Scorsese, “A Invenção de Hugo Cabret”.
Com relação a este, apenas uma proximidade nos nomes. Mas não tenho culpa se o menino nordestino aqui tratado tinha Hugo por nome e o apelido de Cabrito. Assim, não há o que modificar se o pestinha daqui era Hugo Cabrito, um exímio inventor de coisas para sobreviver.
Antes de falar sobre as invenções do menino e aquela que lhe deu notoriedade, será preciso voltar um pouco no tempo para informar como o pequeno Hugo Cabrito veio parar na Estação Ferroviária, também chamada Gare do Relógio, e aí permaneceu forçadamente como morador.
Havia deixado as terras sertanejas do Mundaréu juntamente com sua mãe viúva. Carregando consigo o filho único, pois não deixava nada pra trás como herança, a pobre mulher ia tentar sobreviver no sul do país, na casa de uma irmã que desde algum tempo já morava por lá. Pobre demais, só trazia a mala, o menino e o dinheirinho contado da passagem.
Desceram na rodoviária e seguiram até a estação de trem, local onde comprariam bilhete para seguir pelos trilhos em direção ao sul. Mal chegaram à imensa e antiga construção, abarrotada de gente que chegava e partia, a mulher deixou o menino sentado num banquinho e foi comprar o bilhete. Mas enquanto abria a bolsa perto do guichê, passou um ladrão em correria e levou tudo.
Gritou, tentou correr atrás do marginal, porém caiu estatelada no chão vitimada por um ataque fulminante. Foi retirada imediatamente dali e conduzida para necropsia sem ao menos se preocuparem se ali por perto havia algum parente. E estava. O seu filho Hugo Cabrito vagava pelo prédio em busca da mãe, perguntando a um e a outro se a haviam avistado, porém sem nenhuma resposta.
Aquela foi a primeira vez que dormiu estirado, cansado, totalmente exausto por cima de um banco. Acordou ainda de madrugada com um velho beliscando o seu pé para que acordasse. O senhor de mais de oitenta anos era um aposentado maquinista de trem que morava num quartinho na parte dos fundos da estação. Sem família, empobrecido, se arranjava como podia por ali mesmo, levando o seu dia a dia com tantas recordações de partidas e chegadas.
Verdade é que sem ter pra onde ir, o menino Hugo recebeu acolhida do velho senhor. E este, tendo-o como neto e bisneto, passou a ensinar muitas coisas que a vida de maquinista lhe ensinara. Ensinou porque muitas vezes o trem apita mais triste, porque a fumaça dos vagões também cheiram a perfume, porque uma mulher passou mais de trinta anos vindo todas as tardes à estação para receber o seu esposo que nunca chegava. Um dia ela embarcou num vagão e sumiu.
Mas um dia o velho se foi. Simplesmente também subiu no último vagão e Hugo Cabrito só o avistou quando acenava ao longe, com um lenço branco. Depois foi como virasse fumaça e sumisse. Após esse dia o menino teve que se virar como pôde para sobreviver. E foi nesse estado de precisão que começou a inventar coisas e mais coisas. Inventou de atrasar o relógio pra ninguém perder a partida, inventou um óculos que só mostrava paisagem bonita da janela do trem, inventou um lenço de adeus que soluçava quando era levado aos olhos.
Contudo, a sua maior invenção, a extraordinária invenção de Hugo Cabrito foi uma coisa muito estranha chamada palavra. E uma palavra tão diferente que chegava para as pessoas e dizia que sabia o que ela pronunciaria se fosse abrir a boca naquele momento. Mas quando a pessoa ia falar ele se antecipava e dizia: “Isso mesmo, eu sabia que você ia falar de amor, de felicidade, de prazer em viver!”.
E todo mundo ficava encantado e colocava uma moeda na sua mão.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário