Por: Honório de Medeiros(*)
TERCEIRA
TEORIA ACERCA DA INVASÃO: O ATAQUE A MOSSORÓ RESULTOU UNICAMENTE DA COBIÇA DE
MASSILON
Restos da casa
dos pais de Massilon em Luis Gomes, Rn
Quanto às
teorias, esta é a mais simples. Sua simplicidade resiste à crítica?
Aurora, Ceará.
Há dois dias Massilon já retornara ao esconderijo. Ao mentor Isaías Arruda,
prestou contas do assalto. O apurado foi dividido meio a meio, como
anteriormente combinado entre cangaceiro e Coronel (O CEARÁ, 1928).
A incursão,
claro, fora de indizível sucesso. Uma cidade, duas povoações, meia dúzia de
sítios tomados sem dificuldade. Fez-se grande, o cangaceiro aprendiz.
Tornara-se
bandido de sucesso.
Desejou, muito
provável, alçar voos mais altos. Aconselhou-se com Arruda. Traçou planos.
Pensou unir-se a Lampião e por em prática escusos projetos.
(...)
Lampião,
naqueles dias, rumava célere a recôndito coito de Aurora.
Ainda:
Aurora,
penúltima semana de maio. Há dias Lampião já retornara da fracassada incursão à
Paraíba. (...) Finalmente alcançara o indevassável coito da Serra do Diamante,
de Isaías Arruda.
Em dias
subsequentes, Lampião recebeu a visita de José Cardoso, parente do Coronel.
Deslocara-se o fazendeiro para apresentar-lhe o cangaceiro Massilon Leite.
Deve ter sido
por esse período, a se crer nessa versão, que Massilon apresentou ao Coronel
Isaías Arruda a ideia do ataque a Mossoró.
Era a grande
oportunidade de sua vida, e ele a agarrou com unhas e dentes. Não foi difícil
convencer o Coronel Isaías, como anteriormente dito, por que este nada tinha a
perder, e muito a ganhar: venderia armas a Lampião, receberia seu percentual
nos saques, sequestros e roubos ou livrar-se-ia do grande cangaceiro, cuja
amizade muitos incômodos políticos estava lhe trazendo.
O Coronel
Isaías Arruda também agarrou a oportunidade com unhas e dentes, como nos conta
Sérgio Dantas[2]:
Lampião
tentava demover o régulo cearense da imprudente empresa. Refutava com veemência
a proposta de invasão do Estado e, principalmente, a sugestão de assalto a
Mossoró. Temia – por vasta experiência – a “grandeza” da cidade salineira.
Compreendia difícil subjugá-la.
O cangaceiro
Jararaca, testemunha da conversa, lembrou com fidelidade, dias mais tarde, a
resistência de Lampião ao assédio ferino do Coronel Arruda:
“Lampião nunca
tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por
acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que
passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender
qualquer pessoa, desde que não o perseguissem.”
(...)
Massilon,
sentado bem perto, chancelava cada argumento defendido pelo sagaz chefe
político.
E, assim, a se
crer nessa versão, repitamos, por pura cobiça e oportunismo de Massilon,
sacramentou-se o destino de Mossoró. Seus projetos grandiosos de ataque à
cidade que ele conhecia muito bem, conversados pelo Sertão paraibano, os mesmos
projetos que através de Argemiro Liberato chegaram aos ouvidos de Rodolpho
Fernandes, finalmente iriam se concretizar.
Em relação a
Argemiro Liberato, e sua correspondência para Rodolpho Fernandes, é conveniente
registrar o comentário de Raul Fernandes em “A MARCHA DE LAMPIÃO[3]”:
Afonso Freire
de Andrade e inúmeras outras pessoas conheceram a carta. Mossoró (RN),
23.12.1971. – Informações prestadas ao autor. Obs.: Ouvi de meu pai referências
à missiva.
Acerca dessa
carta, comenta Kydelmir Dantas:
Esta carta foi
levada ao conhecimento dos amigos de confiança do prefeito, por este, que
estavam preparando a estratégia para a formação das trincheiras nos pontos
principais da resistência. Dentre estes, Joaquim Felício de Moura, Afonso
Freire de Andrade e outras pessoas mais chegadas confirmaram tê-la visto nas
mãos do ‘coronel Rodolfo’. Para a família, dias após o ataque, Rodolfo
Fernandes fez referências sobre esta missiva do amigo paraibano de Pombal.
Outra confirmação do envio desta carta está no artigo: “Major” Argemiro
Liberato de Alencar: o amigo de Rodolfo Fernandes, escrito pelo seu neto
Geraldo Alves de Alencar, hoje residente em São Luiz do Maranhão, que cita o
seguinte sobre o avô: “Era fazendeiro, proprietário da Fazenda “Estrelo”,
situada em sua cidade natal. Exercia também a profissão de comerciante,
trazendo da Paraíba algodão transportado em costas de burros e vendido em
Mossoró, estado do Rio Grande do Norte. O principal comprador era a firma cujo
maior acionista era seu amigo e compadre o Cel. Rodolfo Fernandes. Em suas
viagens como almocreve retornava a Pombal com sal e outros gêneros. Mesmo tendo
um sobrinho nas hostes do cangaço, o qual atendia pelo nome de Ulisses Liberato
de Alencar, Argemiro era profundamente contra o banditismo rural, chegando
inclusive a avisar ao Cel. Rodolfo Fernandes, quando este era prefeito de
Mossoró em 1927, que o cangaceiro tencionava atacar a cidade considerada
capital do oeste potiguar. Declaradamente anti-Lampiônico, Argemiro Liberato de
Alencar nunca chegou a ser perseguido pelo “rei do cangaço” porque Lampião
sabia da amizade existente entre ele e o Padre Cícero.” Evidentemente o
aviso não era acerca de um futuro ataque de Lampião, mas, sim, de um futuro
ataque de cangaceiros. Afora estas cartas, há o registro dos famosos
bilhetes trocados antes do ataque, um escrito pelo Coronel Antônio Gurgel,
refém de Lampião, e escrito a primeira negativa por Abel Freire Coelho, a
pedido de Rodolpho, e o famoso de Lampião, escrito de próprio punho, com a
resposta à altura e escrita, desta vez, por Rodolpho. Esta documentação foi, à
época, publicada no jornal Correio do Povo, do jornalista José Octávio Pereira
de Lima, como um Suplemento especial. Afinal, quem era o coiteiro de Lampião no
Rio Grande do Norte? A dúvida continua após mais de 80 anos da resistência.”
Fontes de Pesquisas: ALENCAR, Elidete. Informações sobre Argemiro Liberato de
Alencar. Natal/RN: Mimeo.(inéd.), 2003. 2 p; FERNANDES, Raul. A Marcha de
Lampião. Coleção Mossoroense. 6ª edição. 2005; MELLO, Frederico Pernambucano
de. Guerreiros do Sol: O banditismo no Nordeste do Brasil. Recife/PE: Ed. A
Girafa, 2004(texto sublinhado pelo Autor).
Raul
Fernandes, ainda, logo na Parte 2[4], do Capítulo1º, de seu livro “A
MARCHA DE LAMPIÃO” nos conta, com a autoridade de quem é filho do Coronel
Rodolpho Fernandes, o seguinte:
Gentilmente
cedida por Orlando Martins
Em dezembro de
1926, Joaquim Felício de Moura, sócio da firma Monte & Primo, em Mossoró,
viajava pelo interior da Paraíba. Na cidade de Misericórdia, encontrou-se com o
destacado comerciante e fazendeiro, Antônio Pereira de Lima, que lhe falou da
acirrada perseguição do bandido Virgulino Ferreira a sua família. Sem maiores
rodeios, contou-lhe o plano de Jararaca, Sabino, Massilon e Lampião de
assaltarem com quatrocentos homens. Adiantou ser impossível reunirem tanta
gente. Advertiu-o, porém, sobre o costume de mandarem espiões disfarçados de
feirantes, mendigos e cantadores, aos lugares previamente escolhidos. Conversou
sobre a possibilidade de defesa da cidade e pediu-lhe levar esses fatos ao
conhecimento do Prefeito Rodolfo Fernandes.
Daí por
diante, os boatos se sucederam. Na última quinzena de abril, de 1927, a notícia
veio a luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal, escreve ao compadre
Rodolfo Fernandes sobre a pretensão dos chefes de bandidos.
Joaquim
Felício estava errado quanto a José Leite de Santana, o Jararaca.
Como nos
assevera Frederico Pernambucano de Mello[5], a área de atuação do cangaceiro eram as
ribeiras do Moxotó e Pajeú, em Pernambuco. E o próprio Jararaca[6], declarou, quando preso em Mossoró, que
Lampião nunca pensara em atacar esta cidade.
Quanto à
Sabino Gomes de Góis, embora atuasse nos arredores do município de Cajazeiras,
Paraíba, já estava integrado ao bando de Lampião desde o ataque à Souza, no
mesmo Estado, do qual não se separará até sua morte, em fevereiro de 1928, após
o conhecido tiroteio de Piçarra, em Porteiras, Ceará.
Ora, e se
Sabino tinha intenção de atacar Mossoró, e não havia razão para tal, é evidente
que Lampião seria o primeiro a sabê-lo. Repita-se, entretanto: Lampião nunca
teve a intenção de invadir o Rio Grande do Norte, como já sabemos.
Não é de se
duvidar, se for verdadeira essa teoria, repita-se mais uma vez, que Massilon
tivesse pensado, realmente, desde há muito, em se unir ao maior de todos os
cangaceiros.
Túmulo dos
pais de Massilon em Luis Gomes, Rn
Apodi servira,
para ele, de “teste”, para firmar seu “currículo”. O episódio de Brejo do Cruz,
relatado adiante, não poderia ser considerado mais do que uma jagunçada. Apodi,
não. Uma vez conquistada a cidade norte-rio-grandense Massilon podia, com razão,
atribuir a si a denominação de “chefe cangaceiro”.
Por pura sorte
– ou azar – aconteceu, sem que ele procurasse, seu encontro com Lampião. E
Mossoró, aquela cidade rica, por onde ele andou tantas vezes, como almocreve,
na qual ele poderia conquistar sua independência financeira definitivamente,
estava finalmente ao seu alcance.
Teria
realmente acontecido dessa forma?
Contra essa
versão há, entretanto, um sério óbice: o fato de na invasão de Apodi, por
Massilon, o projeto de atacar Mossoró já existir, como noticiou o jornal “O
Mossoroense”, em 15 de maio de 1927[7], insinuando, sem rodeios, que a invasão à
cidade, a ocorrer em dias vindouros, integrava empreitada[8] (grifo do Autor) de grande vulto, e
dele dera conhecimento, ao Coronel Rodolpho Fernandes, a carta de Argemiro
Liberato.
Observemos que
essa edição de “O Mossoroense”, jornal dirigido por Rafael Fernandes, primo e
correligionário de Rodolpho Fernandes, veio à lume cinco dias após a invasão de
Apodi por Massilon. Façamos, então, a necessária conexão entre essa
matéria do jornal e a anterior correspondência de Argemiro Liberato encaminhada
ao Prefeito.
Não foi,
portanto, resultado da cobiça de Massilon tal projeto, ao saber da presença de
Lampião em Aurora. Foi oportunismo.Ele tinha uma “empreitada” a realizar em
Mossoró. Caso contrário não se explica o ataque. Afinal, porque Mossoró, se o
móvel do crime era pura cobiça? Porque não Souza? Cajazeiras? Patos? Catolé do
Rocha? Caicó? Campina Grande? Massilon conhecia todas essas cidades.
Outra questão:
se a causa foi cobiça, porque o bando não atacou o Banco do Brasil ou o
comércio de Mossoró, que se alcançavam seguindo o leito do rio, como sabia
Massilon, preferindo atacar a residência do Coronel Rodolpho Fernandes? Que
estratégia foi essa?
Não faz
sentido que esse ataque tenha resultado meramente da cobiça de Massilon. Muito
pelo contrário, como veremos a seguir. Tudo leva a crer que havia uma
“empreitada”, cujo “teste” foi o ataque a Apodi, e a questão passa a ser a
seguinte: que projeto foi esse de invadir Mossoró cuja face visível é Massilon,
mas teria uma face oculta, haja vista a impossibilidade deste cangaceiro
desconhecido, de voo curto, empreender, sozinho, algo tão ousado e grandioso
quanto à invasão da segunda maior cidade do Rio Grande do Norte?
Continua...
LEIAM, NESTE
BLOG, AS POSTAGENS ANTERIORES, PROCURANDO NO MARCADOR "CANGAÇO".
[1] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”;
DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal;
RN.
[6] No “Auto de Perguntas” feitas a
Jararaca consta, também, a seguinte declaração sua: “que saíram em dias do mês
de maio findo, do Pajeú, estado de Pernambuco, e que acompanhava Lampião há
pouco mais de um ano”. Antes de Lampião Jararaca, ainda segundo seu depoimento,
estava no Primeiro Regimento de Cavalaria Divisionária, tomando parte na
revolta de São Paulo a favor da legalidade, com a Coluna Potiguara (“LAMPIÃO EM
MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo; sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).
(*)Mestre em Direito; Professor de Filosofia do Direito da Universidade Potiguar
(Unp); Assessor Jurídico do Estado do Rio Grande do Norte; Advogado (Direito
Público); Ensaísta.
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