Por: Rangel Alves da Costa(*)
QUINTAIS
Já tive
quintais, já senti o prazer de abrir a porta dos fundos e encontrar mato e
bicho bem ali pertinho. Hoje não, pois os autênticos quintais, aqueles de fogo
de chão e varais de revoadas, só restam nas cidadezinhas interioranas e
dolorosamente tenho de me contentar com a área dos fundos, murada, cimentada,
sem uma planta sequer.
Por aqui - na
cidade que nem adormece tranquila e sossegada e nem deixa ninguém sonhar com o
berço interiorano de nascimento -, é preciso tornar o quintal uma parte da
própria casa, com a máxima proteção, de muro alto e sem nada que possa lembrar
as áreas descampadas que faziam extensão da porta dos fundos. Porta que muitas
vezes ficava aberta para facilitar o encantamento com a lua lá em cima.
Aqui é tudo
diferente, tudo frio, feio, desumano, cimento e cinza e demais. Pelo muro não
se avista o vizinho, não há passagem para lugar algum, não há cancela que se
abra adiante e leve às veredas dos espinhos e dos passarinhos. Há, talvez, uma
planta de plástico, um cercado de ferro, um piso tão duro que a semente jogada
esturrica por cima. E nada mais do que a saudade e a tristeza no olhar.
Os quintais,
esses terrenos de terra nua nos fundos das casas, possuem uma utilidade ao
mesmo tempo sentimental e histórico-geográfica. Sentimental porque muito do
preservado ali remonta a um tempo mais distante, do afazer cotidiano da
família; histórico-geográfico porque sua manutenção diz muito das
transformações ocorridas ao redor, além de ser ambiente geralmente interligado
ao mundo lá fora.
Nos
quintais são jogadas casualmente as sementes que vão brotando ao léu; são
plantadas pequenas hortas ou árvores frutíferas; locais por onde cisca a
galinha, passeia o galo velho; ali está colocado o velho pilão de bater café,
herança da escravidão; onde o tanque de cimento espera a roupa pra ser lavada e
os varais se estendem de canto a outro. Ali há também uma cobertura pra não
deixar molhar o fogo de lenha.
Nos quintais
existem mangueiras, goiabeiras, mamoeiros, e trepadas nelas as gaiolas dos
passarinhos que o menino insiste em criar. Num canto, cuidadosamente cercada
por pedaços de ripas está a farmácia do sertanejo, a botica matuta contendo a
hortelã, os mastruço, a erva cidreira, o boldo, e todo tipo de plantinha que,
na infusão ou no maceramento, faz mais efeito do que a medicação do doutor.
Lá por detrás,
quase na embocadura do mataria, o garoto faz um cercadinho, limpa ao redor,
coloca algumas pontas de vaca e diz que é fazendeiro, um rico sertanejo em meio
ao seu imenso rebanho. Brinca o tempo todo ali, mas com muito cuidado, pois
quintal também lugar de passeio e até moradia de serpente venenosa, de aranha
de queimação e de piolho de cobra. Por isso mesmo o pai vive gritando pra ter
cuidado com tudo ao redor.
Como que
pregado ao chão, vez que sempre ali debaixo do sol e da chuva, todo quintal que
se preze possui um tronco de madeira deitado no chão ou mesmo um banquinho
esperando que alguém chegue para o seu instante de nada fazer. Então por ali
chega o dono da casa de cigarro de palha no canto da boca e começa a olhar
pelos cantos, a dona da casa de pano enrolado na cabeça e uma vasilha para
pinicar quiabo, a velha solitária para conversar sozinha.
Nos quintais
escurecidos, aqueles cujos arvoredos formam muralhas que escondem mistérios e
outras realidades, pessoas se encontram, namorados saciam suas sedes, pequenos
ilícitos são praticados costumeiramente. A galinha gorda some do galinheiro,
levam uma ponta de vaca da fazenda do menino, pé ante pé afanam a planta
medicinal.
E logo
cedinho, ainda de madrugada, sobem na goiabeira para fazer a festança no que é
dos outros. Se fosse só isso, mas some mamão e também sapoti. Mas não adianta,
o traquina do molecote da rua debaixo parece que não tem outra coisa para comer
na manhã. E balançando a cabeça como a dizer que não tem jeito mesmo, vai a
dona de casa de cesto na mão colher a fruta que restou, um punhado de folhas
para fazer um chá, os ovos da galinhada.
E é nesse
momento que percebe o sumiço da galinha gorda. E um grito raivoso invade a
manhã, pula as cercas, alcança os outros quintais. E assim vai a vida pela
porta dos fundos, pelos maravilhosos quintais.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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