Por: José Leandro
1925 foi o ano
da morte de meu pai. No dia 13 de junho de 1925, eu estava dormindo na casa da
minha irmã, na cidade. Cerca de meia-noite, surgiu um tiroteio para as bandas
da cadeia pública. Era um tiroteio cerrado que durou cerca de meia hora. No dia
seguinte, toda a cidade tomou conhecimento do fato: Pedro Costa soube que
alguém da dele havia pegado o Chagas Firino em flagrante com sua empregada da
cozinha. Chagas de cor branca e a empregada, Maria Preta, de cor preta. Tomando
conhecimento do caso, o chefe político do município, Antonio Correia, mandou
chamar a Chagas Firino em sua casa e convenceu-o de que o local mais seguro
para ele era a cadeia pública, com guarda policial durante o dia e a noite, e
que ele reforçaria a guarda com uns seis ou oito cangaceiros armados. O Chagas
aceitou o argumento e trataram de pô-lo em prática.
Antonio
Correia conhecia Pedro Costa e sabia que ele ia se sentir desrespeitado e
possivelmente tomaria medidas drásticas. Pedro Costa ficou desesperado quando
soube da medida tomada por Antonio Correia. Seguiu para a sua Fazenda Umari, e
lá, reuniu um sobrinho, um enteado, um primo e mais oito cangaceiros, com ele
formando um grupo de doze homens. Entre eles estava um cangaceiro que sempre
foi de Antonio Correia, mas tinha se desgostado por causa de uma prisão feita
pela policia. No caminho para a cadeia, um soldado passou a mão no fundo das
calças dele e disse: “Deixa ver se ele está brelhado?” João encolheu-se e com
uma rasteira e o braço derrubou três soldados. Como era seis soldados, levaram
vantagens, deram-lhe umas cacetadas. O nome desse cangaceiro era João Ricardo,
era um cangaceiro valente e perverso. Quando saiu da prisão, fugiu da cidade e
foi se oferecer a Pero Costa para morar na Fazenda Umari. Pedro Costa aceitou
para fazer afronta a Antonio Correia. No dia do plano de Pedro Costa para seqüestrar
o Chagas Firino da cadeia, ao se prepararem na Fazenda para seguirem, João
Ricardo pediu a Pedro Costa para ir na frente a fim de tomar a bênção a
sua mãe nas proximidades da cidade, onde morava a velha. Pedro Costa consentiu.
João Ricardo seguiu de chicote fincado no burro a toda carreira, foi direto
para a casa de Antonio Correia e avisou o plano de Pedro Costa. Em minutos,
Antonio Correia reuniu cerca de dez cangaceiros, incluindo o próprio João
Ricardo, e mandou reforçar a guarda da cadeia.
Quando
Pedro Costa se aproximou uns 100 metros da cadeia, foi recebido à bala, se
ocultaram por trás da casa onde morava o pai de Chagas Firino, o velho Chico
Firino. Tiroteio durou uma meia hora, o Pedro Costa se convenceu da
impossibilidade de vitoria, quebrou a porta da casa do velho Chico Firino e
seqüestrou-o seguindo para Arneiroz, nos Inhamuns, onde tinha grande parte de
seus parentes, passando antes no sítio Serrote, onde estava a Maria
Preta já pronta para viajar. Seguiram sem parar aquelas vintes léguas.
No dia
seguinte, meu pai, já acometido de uma congestão ou “ramo” como diziam os
camponeses, causada por ele estar dormindo num quarto abafado e se levantou
atendendo um chamado de um vizinho, disse a uma pessoa de casa: “Eu estou
sentindo uma coisa ruim no corpo”. Quando o dia clareou, foi para a cidade e lá
andou fazendo alguma gestões para ver se acalmava aquela situação. Começou
demonstrar agitação. Voltou para a casa e constatamos o seu estado de saúde. Já
não falava mais certo, tivemos que prendê-lo num quarto e ficar de quatro a
cinco homens para impedir que ele saísse correndo. Não se alimentou mais de
coisa nenhuma, nem bebeu água. Durou apenas doze dias e morreu de fome e
sede, com a casa cheia de mantimento.
Durante a sua doença, apareceu um político e parente dos Inhamuns, Antonio
Colô, o qual pertencia à mesma corrente política no Estado a que pertencia
Antonio Correia. Vinha tentar uma reacomodação para Pedro Costa voltar, visto
que não tinha cabimento continuar mantendo Chico Firino como refém para trocar
pelo filho Chagas, a fim de casá-lo com Maria Preta. Antonio Correia disse
àquele seu correligionário que o Pedro Costa podia voltar trazendo o velho
Firino, que nada lhe aconteceria. Era 25 de junho de 25.
Havia
na cidade um farmacêutico prático muito entendido. Chamava-se Raimundo Siebra e
tinha um filho que era igual a ele, Jorge, que vivia curando doentes por todo
município. Morava em sua fazenda – Fortuna – mas demorava temporada na casa de
seu pai na cidade. Era um político agitado, como Pedro Costa, e também
adversário do Antonio Correia, ao ponto de João Ricardo juntar-se ao a um irmão
e outro rapaz e seguirem em direção à Fortuna, disposto a matar Jorge Siebra.
Chegaram no Sanharol, no dito sitiozinho de meu pai, à meia-noite, quando
começou uma chuva fina. Os três bandidos saíram da estrada e se encostaram no
alpendre da casa de Antonio Preto. Este estava acordado, levantou-se e ficou
junto da porta escutando aquela conversa dos homens estranhos. Um deles
insistia em perguntar para onde iam e o que iam fazer. Diante da insistência,
um que parecia ser o chefe dos outros, respondeu que logo adiante ele saberia
de toda empreitada. Saíram pela estrada do Iputi.
Chegando no sítio São Vicente, o João Ricardo convidou para irem fazer um
trabalho naquela casa grande, dizia ele. A casa era do padrinho de Chico Vara
Seca. O rapaz que ia acompanhando sem saber de nada foi logo indagando: o que
vamos fazer aí? Os cachorros já estavam alarmando e o dono da casa já estava
encostado na porta com uma espingarda na mão escutando aquele movimento
estranho. João Ricardo respondeu: “Aqui vamos assaltar e roubar e na
frente vamos para a Fortuna matar Jorge Siebra, é isso o que você quer
saber?” Chico Vara Seca respondeu exaltado dizendo que “nessa casa mora meu
padrinho Francisquinho Bezerra e eu tomo a defesa dele como também não foi
ajudar a matar Jorge Siebra, que ele é um homem muito bom para os pobres”, e
foi se preparando para reagir, mas o chefe do grupo, João Ricardo, mais ágil,
sacou do rifle e disparou, matando o Chico Vara Seca e convidando o segundo
rapaz, que era seu irmão Doca Ricardo, para se afastarem de repente daquela
casa, sabia que o dono da casa naquelas alturas já estava preparado para reagir
e como estava dentro de casa, contava com vantagem. Assim desistiu do assalto e
voltou para Várzea Alegre, deixando o companheiro morto no terreiro do
Francisquinho Bezerra, que já tinha reconhecido ele e o seu irmão Doca. A
justiça processou-o e condenou-o. Ficou cumprindo a sentença passando o dia
pela calçada da cadeia pública contando anedotas e à noite indo dormir em sua
casa. Em Várzea Alegre há uma festa de igreja muito animada do padroeiro São
Raimundo Nonato, começando no dia 21 de agosto de cada ano e terminando dia 31
do mesmo mês. No mesmo ano de 1925, já no terceiro ou quarto dia da festa,
meia-noite, os vizinhos de João Ricardo acordaram por gritos dele acompanhado
de disparos de rifles. Saiu para fora de casa gritando: “eu te mato, cabra
safado.”
Quando
o dia clareou na manhã seguinte, se espalhou a noticia: “mataram a mulher de
João Ricardo e feriram ele em dois lugares”. Mais tarde surge o escândalo. João
Ricardo, ferido no couro da barriga e no dedo indicador esquerdo, acusou Pedro
Costa e Jorge Siebra de terem ido lhe matar e como não puderam, mataram a sua
mulher. O incrível aconteceu. O delegado mandou prender Pedro Costa e Jorge
Siebra. Durante a festa da igreja receberam muitas visitas de solidariedade.
Não foi
difícil para o advogado e o promotor público descobrirem que os ferimentos de
João Ricardo tinham sido feito por ele mesmo, que depois de matar sua
própria mulher, continuou atirando e gritando. Para forjar ter sido ferido, o
astuto bandido pegou o couro da barriga do lado esquerdo, puxou-o bem com os
dedos polegar e indicador e com a mão direita encostou a boca do rifle e
disparou. Não teve a lembrança de defender o dedo indicador que estava por
baixo e o mesmo foi atingido pela bala.
Provado
isto, foram soltos Jorge Siebra e Pedro Costa. Jorge Siebra foi para a fazenda
e no dia 10 de novembro de 1926 estava numa trincheira defendendo a farmácia de
seu pai e a própria cidade em companhia de uns cinco moradores da fazenda e seu
cunhado Joaquim Ferreira Lima. Deram prova de coragem porque, sentindo-se isolados
do combate, seguiram em procura da casa de Dr. Serra, mesmo sem serem chamados
como os dois camponeses que foram até a casa do Dr. Serra. Quando chegaram na
trincheira do Marinheiro, onde estava Zé Leandro, este avisou-os das medidas
tomadas. Como o combate já tinha se encerrado, ficaram ali mesmo até o
amanhecer.
José
Leandro do seu livro
"Depoimentos" 1988 Pag. 25 a 28
http://blogdoisraelbatista.blogspot.com.br/
Enviado pelo Giovani Costa
http://blogdoinhare.blogspot.com.br/
Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário