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domingo, 14 de julho de 2013

O SERTANEJO ANTES DE SE TORNAR CANGACEIRO - III

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

O SERTANEJO ANTES DE SE TORNAR CANGACEIRO - III 

O sertanejo de então já tinha conhecimento de homens - e caboclos iguais a ele - que se embrenharam pelas caatingas, armados e perigosos, confrontando os poderosos e sendo perseguidos pela polícia. Do mesmo modo sabia o que havia acontecido para que resolvessem resolver os problemas a partir da revolta armada. E, fato importante, mesmo conhecendo a inglória daquela luta, achava justificada e corajosa aquela ação. Ele também, na proporção do seu sofrimento, era vítima da mesma motivação cangaceira.

Que se diga, entretanto, que a hoste cangaceira foi quase a única opção para muitos de conturbada vivência em sociedade. A ilusão daquela vida de coragem e destemor, aliada aos problemas íntimos surgidos, fez com que muitos se embrenhassem nas matas em busca de refúgio e de suporte para seus sentimentos revoltosos e vingativos. Desse modo, também uma leva de malfeitores, bandidos cruéis e fugitivos passou a fazer parte dos primitivos bandos cangaceiros.


Mas os bandos não eram formados apenas por gente da pior estirpe. Ao menos mais tarde não foi visto assim. Lógico que continuaram presentes aqueles que haviam acabado de sair de refregas sangrentas pessoais ou familiares, mas não de modo generalizado. Tome-se como exemplo aqueles meninos e meninas que arregimentaram as forças de Lampião. Como será visto mais adiante, muitas vezes não tinham nem idade para já entrar no bando com qualquer mácula. Diferentemente ocorreu em ocasiões passadas, com outros grupos cangaceiros.

Os primeiros cangaceiros foram homens arregimentados no próprio meio sertanejo mais sofrido e miserável e dentre aqueles que não suportaram mais a situação vigente. Primeiro através de homens destemidos, de cabras com “sangue no olho”, e estes acompanhados por aqueles jagunços que saíram das tocaias coronelistas - trazendo consigo as experiências do gatilho, da atrocidade e da frieza para matar - para, na maioria das vezes, lutar contra o sistema que brutalmente haviam alimentado.

Entretanto, não demorou para que outros cabras da pior reputação também adentrassem no mundo cangaceiro. Impossível se pensar em antecedentes criminais num sertão tomado por rixas, vinganças, violências de toda ordem. De modo diverso do que acontecia no bando de Lampião, onde não era qualquer um que recebia aceitação, os grupos  primitivos não faziam uma avaliação mais aprofundada daqueles que fossem chegando e se mostrando dispostos à luta.

A derrocada desses bandos primitivos deve-se muito às desorganizações dentro do próprio grupo, e tendo essa mistura de homens valentes com bandidos comuns e reles homicidas uma das causas de sua desestruturação e esfacelamento. Mas a luta continuava protagonizada por aqueles que sabiam o que queriam com aquela guerra sertaneja. Neste sentido é a afirmação de que Lampião, como verdadeiro e capacitado discípulo, levou adiante a luta iniciada por Antônio Silvino. Contudo, em causa própria.

Talvez fossem a magnitude e fama alcançada pelo seu grupo, que tornou o Capitão cuidadoso com a chegada de novos integrantes. Não podia descuidar e infiltrar qualquer um no seu meio. Ora, se a morte já rondava pelos arredores, descabido seria chamá-la para o coito. Se as desconfianças já eram existentes diante de determinadas ações de alguns cangaceiros, de coiteiros e outros colaboradores, mais ainda quando se tratava de acolher gente nova. Mas nem tudo podia ser controlado como deveria. Impossível diante de situações inusitadas.

Era difícil dizer não quando alguém procurava o bando por indicação de um conhecido. E Lampião tinha amigos que não podia deixar de atender. Desse modo, se um cabra chegasse desejoso de entrar naquela vida e levando consigo um bilhete rabiscado por um valoroso conhecido, outra coisa não restava a fazer senão, em primeiro lugar, tentar dissuadi-lo a não optar por aquela vida de tanto sofrimento e dor. Mas, se ainda assim, o postulante se mostrasse disposto a ficar, então era iniciado nos segredos da vivência e luta cangaceira.


Situação também inusitada ocorria quando um cangaceiro despontava na vereda ou saía de dentro do mato trazendo consigo uma bela sertaneja. E assim aconteceu  muitas vezes. Famosos, idolatrados e desejados por muitas das mocinhas caboclas, os rebeldes catingueiros não perdiam tempo quando se engraçavam de uma ou outra. Algumas delas simplesmente resolveram fugir de casa e seguir seu escolhido; outras foram praticamente retiradas dos braços das famílias, ainda que as mocinhas não se mostrassem contrárias ao rapto. Mocinhas não, muitas ainda meninas, adolescentes de doze ou treze anos.

Lampião não via com bons olhos essa ação de seus cabras. Achava uma crueldade que aquelas verdadeiras meninas tivessem deixado suas bonecas de pano pelos cantos dos casebres e levadas para um meio difícil de ser suportado até pelos mais valentes e corajosos. Mas acabava reconhecendo que não havia jeito a dar. Principalmente porque sabia que nenhuma estava ali à força, ainda que não tivessem nem idade para raciocinar sobre a decisão tomada e muito menos sobre os sofrimentos que teriam de suportar dali em diante.

Continua...

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
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