Por: Emanoel Pereira Braz
paduacampos.com.br
No que se
refere à história da abolição da escravidão em Mossoró, a abordagem histórica
predominante tenta omitir os fatos que refletem as causas do processo
abolicionista em Mossoró, e assim, não faz referências ao período imediatamente
anterior à abolição dos escravos nesta cidade. Esta deficiência de abordagem
revela uma produção historiográfica que não prioriza a contextualização do
acontecimento em seus aspectos econômico, social e político, e isto dificulta a
compreensão real daquele período histórico.
A propagação
do movimento abolicionista não encontrou proprietários de escravos receosos de
perderem seu patrimônio, ou exigindo indenização para libertar seus escravos.
Não há registros de depoimentos de políticos no âmbito local que fossem
contrários ao abolicionismo. Documentou-se, no entanto, como uma das primeiras
adesões à causa abolicionista a do presidente da Câmara Municipal de Mossoró
Romualdo Lopes Galvão, fiel participante da campanha (NONATO,1983,228). Constatações
que são reforçadas em parte pela condição econômica da cidade que às vésperas
da abolição vivia fundamentalmente do comércio. A base dos seus negócios como
peles, carne seca, algodão, couro, sal entre outros.
Mossoró havia
conquistado a condição de empório comercial; até mesmos as secas na região
contribuíram para a expansão das atividades do comércio local desde que os
socorros da parte do governo para a população flagelada eram concentrados para
a distribuição em Mossoró, e a presença dessa população faminta serviu de opção
aos comerciantes de Mossoró como força de trabalho barata (FELIPE,1982,52-60).
Considerando
que o comércio desenvolvido em Mossoró mantinha uma relação com a produção
regional, e que a burguesia comercial sediada em Mossoró mantinha negócios no
setor rural, chegamos a presumir que as atividades desenvolvidas no campo
estivessem mais relacionadas ao trabalho escravo. Neste sentido, procuramos
observar o desenvolvimento da cotonicultura que, no período bem recente ao da
abolição da escravidão, aparece como uma das principais fontes de riqueza na
província do Rio Grande do Norte. Cultivado principalmente nas terras do Sertão
e Agreste, foi neste período o principal produto comercializado em Mossoró para
várias ouras regiões do Brasil, e até mesmo para o exterior. Ao analisar o
algodão no quadro da economia do Rio Grande do Norte, Takeya focaliza as
relações de trabalho que mais corresponderam às circunstâncias da região e da
produção. Segundo a autora, o algodão se incluía entre as culturas de ciclo
vegetativo curto, e por seu plantio incidir em regiões onde a seca era uma
constante, se tornou inviável o uso do trabalho escravo.
Estas
condições não permitiram que a utilização da mão-de-obra escrava proliferasse,
o que ocorreu também na economia criatória que deu origem ao povoamento e à
evolução de Mossoró. Mesmo se confirmando a presença do escravo nas fazendas de
gado, esta presença não veio a tornar-se indispensável para o desenvolvimento
das atividades daquelas unidades de produção. Além da criação de gado, teve
lugar nas fazendas outras atividades que dependiam desta principal, tais como:
a indústria da carne seca e o ciclo do couro. Todas contribuíram direta ou
indiretamente com vultosos lucros para os seus proprietários, os quais, por
esta época, em sua maioria, eram também comerciantes em Mossoró. Estas e outras
atividades do cotidiano da fazenda eram assumidas por trabalhadores livres com
presença sempre mais numerosa que a dos escravos.
Por estas
condições os habitantes das fazendas mantiveram uma convivência neste espaço de
moradia e trabalho que fez desaparecer a fiscalização rígida e a utilização dos
castigos tão comuns, os quais eram aplicados aos escravos rebeldes dos
canaviais ou cafezais.
Na realidade,
o Rio Grande do Norte não chegou a possuir grande número de escravos. Até mesmo
no período de ascensão da produção açucareira que ocorreu entre as décadas de
quarenta e sessenta, não há registros que comprovem ter o trabalho compulsório
predominado nos engenhos de açúcar dos vales do Ceará-Mirim, São José de
Mipibu, Canguaretama e São Gonçalo. Assim sendo, a mão-de-obra escrava não foi
uma determinante na vida econômica das fazendas criatórias. Estando longe de se
tornar a principal nos engenhos de açúcar ficou ainda mais marginalizada
durante o período em que o algodão tomou conta das terras do Rio Grande do
Norte. Estas constatações encontram respaldo nos estudos de Câmara Cascudo,
quando ao referir-se à população escrava do Rio Grande do Norte durante a
década de sessenta, enumerou a quantidade de escravos retidos nas cidades de
Natal, Extremoz, Goianinha, Angicos, Príncipe, São José de Mipibu, Mossoró e
Touros. O referido autor afirmou ainda que eles eram em menor número comparados
ao restante da população livre, e mesmo em São José de Mipibu, local de maior
produção de açúcar, o escravo não foi o principal trabalhador naqueles
engenhos. Ainda mais, ao comparar a população escrava da cidade de Mossoró com
a dos demais locais, constatou que os escravos concentrados em Mossoró nesta
época era o menor grupo em toda a província, depois tinha apenas Touros
(CASCUDO,1952,168).
É de se
presumir que os proprietários de escravos da província do Rio Grande do Norte,
como talvez tenha ocorrido em toda a região Norte, insistiram em permanecer com
seus escravos até quando as condições ambientais e materiais favoreceram.
Quando as secas constantes impossibilitaram a criação e a plantação, o escravo
tornou-se um peso, um gasto a mais. Nesta situação, e diante dos preços que os
cafeicultores passaram a oferecer na compra dos escravos durante as décadas de
sessenta e setenta, a diminuição da população escrava principalmente na região
Norte foi drástica. O escravo que já não era a força motriz da economia desta
região foi valorizado na forma de mercadoria, resgatando ao senhor o valor do
investimento pela sua compra. Dessa forma, o tráfico inter-regional serviu de
alguma maneira, para que os proprietários de escravos do Norte emancipassem
seus escravos sem prejuízos, aproveitando-se da vigência deste comércio e da
cotação por escravos que esteve sempre favorável.
Todas essas
circunstâncias justificam porque na cidade de Mossoró o movimento abolicionista
que foi iniciado em janeiro de 1883 conseguiu, em menos de um ano, em 30 de
setembro de 1883 decretar o fim da escravidão. Os abolicionistas foram
favorecidos pelas condições locais, onde praticamente não houve reação à
realização dos seus objetivos. A abolição dos escravos sendo efetivada antes da
Lei Áurea, trouxe de volta a atenção da nação para o Norte, com seus
personagens e cidades antecipando-se aos centros mais importantes do país,
colocando estes abolicionistas na vanguarda da libertação de uma população
oprimida e injustiçada.
Outra condição
que favoreceu ao surgimento dos chamados abolicionistas de última hora, foi o
fim do tráfico interno dos escravos. Enquanto o porto de Fortaleza controlou a
exportação de escravos para a região do café, traficantes como Joaquim
Filgueira Secundes e João Cordeiro, entre outros, contribuíram e lucraram com o
comércio de escravos. E quando ocorreu a interdição do referido porto, entre
outros fatores, como conseqüência do aumento do imposto sobre os escravos
comercializados nas províncias cafeeiras, estes tornaram-se abolicionistas,
ganhando na historiografia local a condição de heróis por lutarem e
consolidarem a abolição dos escravos em Mossoró.
(Texto
extraído da obra: A Abolição da Escravidão em Mossoró - Pioneirismo ou
Manipulação do Fato/Emanuel Pereira Braz. -Mossoró, RN: Fundação Vingt-un
Rosado, 1999. Páginas 53-58)
http://www2.uol.com.br/omossoroense/1810/esplib6.htm
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
MENDES amigo: A matéria escrita pelo articulista Emanuel Pereira passa uma informação importante de que nem os donos de escravos, nem mesmo os políticos teriam sido contra a abolição da escravatura no Município de Mossoró, e que até mesmo o Presidente da Câmara aderiu, sendo "fiel participante da campanha abolicionista". Entendemos assim, que já em época remota os mossoroenses eram um povo conscientizado. Parabéns pelo povo da sua TERRA NATAL.
ResponderExcluirOutra coisa: Gostei imensamente do complemento que você fez no meu modesto artigo, colocando fotos e vídeos, que embora eu os tenha em meu arquivo, mas não sei como fazer tal inserção com as fotos, e creio que com os vídeos só mesmo através do blog. Foi adaptado numa perfeita organização sequencial pela mão de quem sabe o que está fazendo. Muito grato.
Antonio José de Oliveira - Serrinha-Ba.