Coronel Lucena
Vou ao cemitério visitar o túmulo de minha mãe. Estou em Maceió
e sou adulto. Na saída pergunto para um funcionário: – Aquele é o túmulo do
coronel Lucena? Ele me diz que não sabe, que trabalha ali faz pouco tempo. Fico
a me lembrar de que o coronel foi prefeito de Maceió. E de que o seu túmulo foi
uma homenagem da Prefeitura, ao tempo do prefeito Sandoval Caju. E mais: que
morrera humilde e sem riquezas. E logo um frio percorre o meu corpo. E os
ventos - tais os da infância - me transportam aos anos quarenta. Estou em
Santana do Ipanema. A cidade se confunde com as minhas lembranças. O velho
Quartel da Polícia Militar enche o meu olhar. Nele funcionava o "Comando
de Caça a Lampião", que tinha como comandante o coronel Lucena. Tipo
forte, cabelos ondulados, boca pequena, nariz fino, corado e sempre alegre, ele
encarnava o mito da coragem. Fora disso, era o homem venerado e de quem jamais
se colocou em dúvida a honestidade de princípios. E de súbito, vejo-me na
formatura do curso primário tendo o coronel como nosso padrinho, fato sobre o
qual até bem pouco eu ainda tinha uma fotografia. Depois o coronel está
abraçado com "Seu" Carola, dono da maior farmácia da cidade, brincando
o carnaval acompanhado por uma multidão de foliões, entrando em todas as casas
da cidade e recebido como um rei. Um rei para o qual as famílias preparavam
comidas e bebidas. Mas os dois foliões não bebiam. Os seus acompanhantes,
pessoas simples do povo, é que se fartavam. O que valia era a alegria de
receber o coronel e o seu inseparável amigo de carnaval. Percorrendo ruas e
ruas o coronel a todos prestigiava tornando os carnavais tranqüilos. Mas o
coronel Lucena não era o único mito da cidade. Ele dividia o privilégio com o
padre Bulhões.
Padre
Bulhões - Pai adotivo de Sílvio Bulhões - filho dos cangaceiros Dadá e Corisco
Um era o poder material e outro o poder espiritual. Coronel
Lucena, no Monumento – parte alta da cidade. E padre Bulhões, no Camoxinga –
parte baixa da cidade. Assim, eles estendiam um arco de proteção sobre toda
cidade. Um dia o tenente Porfírio, homem valente, tornara-se suspeito de que se
preparava para formar um bando de cangaceiros. Já houvera morto uma esposa,
segundo suspeitas. A desculpa fora simples: encontro casual com grupos de
cangaceiros, tiroteio e etc. Saíra-se bem com a justiça. Mas haveria de matar
outra esposa de nome Durvalina, refugiando-se no Camoxinga. Todos sabiam que
cangaceiros não agiam nas terras de Senhora Santana. E o coronel Lucena
mandou-lhe ordem para comparecer ao quartel, através de seus dois soldados de
confiança, Artur e Zé Pereira. Mas tenente Porfírio debochou: – Digam ao
coronel que a distância é a mesma. Ele que venha aqui. Acabrunhados, os
soldados comunicaram o fato ao coronel. E ouviram: – Muito bem: voltem e tragam
Porfírio de qualquer jeito! Quando os dois se aproximaram da casa de Porfírio
ele já saltou de revólver em punho, na varanda. Mas tombou (numa fração de
segundos) mortalmente ferido, sem ter tido tempo para algum tiro certeiro.
Colocado numa rede foi levado para o quartel e depois sepultado com uma sava de
tiros a que tinha direito. Abriu-se inquérito policial para apuração da
ocorrência. Motivo: desacato a autoridade. Desperto-me. Estou outra vez em
Maceió. Olho para a presumível sepultura. Não consigo ir vê-la de perto. E deixo
o cemitério.
Fonte: Luiz Nogueira Barros
Fonte de pesquisa: Jornal Gazeta de Alagoa.
Fonte de pesquisa: Jornal Gazeta de Alagoa.
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