Publicado em 20/08/2014 por Rostand Medeiros
Autor –
Rostand Medeiros
Nos primeiros
dias do mês de junho de 1926, as colunas informativas sobre cinema, exibidas
nos inúmeros jornais da capital pernambucana, traziam a notícia que em breve
seria exibido um “film” que era considerado pelos jornalistas especializados
como “diferente” e “interessante”. Era a apresentação de “Joaseiro do
Padre Cícero”, um documentário que mostrava a mítica figura do padre Cícero
Romão Batista.
Jornal
recifense “A Província”, edição de 3 de junho de 1926.
Durante as
décadas de 1910 e 1920, fotos tradicionais do padre Cícero, com a sua
inconfundível batina negra e seu cajado, freqüentemente eram estampadas nas
páginas dos jornais recifenses. Mas normalmente estas imagens vinham
acompanhadas de uma pródiga quantidade de críticas e comentários ácidos sobre a
figura e a trajetória política do conhecido “Padim Ciço”. Não faltavam nas
páginas dos jornais adjetivos como “líder de fanáticos”, ou “comandante de um
valhacouto de facinorosos”. Com este fluxo de notícias, associado ao interesse
do público local pelos acontecimentos da cidade cearense de Juazeiro, a
exibição desta película nos cinemas de Recife chamou atenção de muitas pessoas.
Fachada do
Cinema Moderno, em Fortaleza. A partir do livro “Ah, Fortaleza!”, vários
autores, 1ª edição, página 143.
Realizado em
1925, a película foi rodada em 35 milímetros, sendo dividida em cinco partes e
a direção coube ao cearense Adhemar Bezerra de Albuquerque. Sua primeira
exibição ocorreu no Cinema Moderno, em Fortaleza, no mesmo ano de sua produção.
Depois de seu lançamento, a película peregrinou por várias capitais
brasileiras, através da ação de Godofredo Castro, então deputado estadual no
Ceará, e do presidente da Associação de Jornalistas de Fortaleza, Lauro Vidal.
A intenção destas apresentações era criar uma propaganda positiva em relação à
ação política e social do padre Cícero, além de mostrar o crescimento da cidade
de Juazeiro.
Em Recife
“Joaseiro do Padre Cícero” foi apresentado ao público local na última semana de
maio de 1926, onde ficou em cartaz durante dois dias no tradicional Cinema
Royal, localizado na Rua Nova. No dia 2 de junho foi exibido no Cinema São
José. Segundo a edição do jornal recifense “A Província”, de 3 de junho de
1926, em uma reportagem sobre o filme, os propagandistas Castro e Vidal
afirmaram que este projeto teria custado a soma avultada de “40 contos de
réis”. Para se ter uma idéia do que significava este valor naquela época, na
mesma edição deste matutino, temos um anúncio da loja “Oscar Amorim e Cia.”,
localizada na Rua da Imperatriz, número 118, onde era oferecido o modelo mais
barato da linha de automóveis da marca Ford, por cinco contos e seiscentos mil
réis.
Ademar Bezerra
de Albuquerque
Já a crítica,
de uma maneira geral, se apresentou positiva em relação à obra de Adhemar
Albuquerque e esta aparentemente chamou a atenção da elite cultural recifense.
O próprio diretor do jornal “A Província”, Diniz Perilo de Albuquerque Melo
assistiu a película e teceu comentários. Para o conceituado jornalista
“Joaseiro do Padre Cícero” foi apontado como sendo um filme “nítido”, que
servia para mostrar positivamente o “expoente da admirável feição moderna de
Juazeiro, da sua vida intensa e dos seus aspectos naturais”. Entretanto ele não
considerou “admissível o fanatismo” que era apresentado.
Os jornais
mostram que “Joaseiro do Padre Cícero” não foi classificado como um filme
“cansativo”, com várias cenas que surpreenderam os jornalistas. Entre estas são
comentadas as que mostravam o imponente açude do Cedro, as cidades de Juazeiro
em dia de feira, Crato, Barbalha e paisagens da região do Cariri. Da capital
Fortaleza foi focalizado o seu porto, o passeio Público, o Parque da Liberdade,
entre outros locais. Mas a figura mais destacada era o padre Cícero Romão
Baptista. Conforme vemos nas páginas do jornal “A Notícia”, de 3 de junho de
1926, ora o popular sacerdote era aclamado pelo povo, ora era apresentado na
sua casa, mostrando seu trabalho como prefeito de Juazeiro e sempre junto aos
seus fiéis seguidores.
Não
conseguimos apurar a rota seguida por “Joaseiro do Padre Cícero” pelas capitais
brasileiras. Mas têm-se notícias que foi exibido na então Capital
Federal, em setembro daquele mesmo ano. Ocorreu sessão dupla na Sala Parisiense
e o filme teria recebido fortes críticas da revista carioca “Cinearte”. Outra
exibição confirmada por pesquisadores da história cinematográfica brasileira,
mostra que esta película foi exibida no Cinema Politeama, no dia 30 de novembro
de 1926, em Manaus.
O periódico
pernambucano “O Jornal do Comércio”, na sua edição de 2 de dezembro de 1926,
informa que houve uma segunda exibição em Recife. Um interessante detalhe que
não foi comentado por nenhuma das colunas cinematográficas dos jornais
recifenses de junho daquele ano, da conta que aparentemente haviam sido
inseridas para a segunda exibição, algumas fotos do grupo de cangaceiros do
chefe Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Se esta informação é correta,
estas fotografias certamente seriam as chapas obtidas em março de 1926, pelo
fotógrafo Pedro Maia, quando da polêmica passagem do famoso bando de
cangaceiros pela cidade de “Padim Ciço”.
Independente
desta questão, observando as notas dos jornais recifenses sobre o filme, não se
pode negar que aparentemente este projeto alcançou o resultado que era desejado
pelos seus idealizadores e financiadores. Ou seja, a de desmitificar para as
classes dirigentes e formadoras de opinião dos principais centros urbanos
do Brasil, da segunda metade da década de 1920, que o padre Cícero era sim um
líder carismático, que tinha um grande número de seguidores, mas ao mesmo tempo
era um homem inteligente, sério, cumpridor das leis, que buscava tão somente o
desenvolvimento de sua querida Juazeiro. Não temos informações sobre o destino
desta película.
Já Adhemar
Bezerra de Albuquerque, o diretor de “Joaseiro do Padre Cícero”, possui o justo
reconhecimento de ser cultuado como um dos principais pioneiros e expoentes do
cinema cearense, que produziu muitos documentários em 35 milímetros, onde são
principalmente apresentados aspectos e acontecimentos da capital Fortaleza e de
outras cidades do Ceará. A este homem empreendedor se deve a criação da famosa
empresa ligada ao ramo fotográfico “Aba Film”, até hoje em funcionamento e
pertencendo a seus descendentes.
Benjamim
Abrahão, Maria Bonita e Lampião
Sobre esta
empresa, não podemos deixar de comentar o famoso episódio ocorrido em 1936, que
envolveu o emigrante Benjamin Abrahão Botto e a filmagem do bando de Lampião em
plena caatinga. Com o apoio de Adhemar Albuquerque, o libanês de Zahelh, esteve
em duas ocasiões com o “Rei do cangaço”, realizando uma proeza inédita e que se
mostrava promissora em termos financeiros.
Mesmo gerando
toda uma expectativa entre o público, em pouco tempo a película é confiscada
por ordem do governo de Getúlio Vargas. O Brasil se encontrava então em pleno
período da ditadura do Estado Novo, que entre outras ações na região Nordeste,
desejava exterminar definitivamente Lampião e o cangaço. Assim o filme de
Abrahão seguia totalmente na contramão das ações governamentais, criando uma
possível propaganda favorável aos cangaceiros e todo o projeto foi sumariamente
encerrado. Logo depois, em maio de 1938, Benjamin Abrahão seria morto a facadas
em uma pequena cidade do interior de Pernambuco. Após alguns meses, as margens
de um pequeno grotão, próximo ao “Velho Chico”, em território sergipano,
Lampião caia fulminado de balas, junto com sua Maria Bonita e outros
companheiros.
Do filme sobre
os cangaceiros pouco restou. Entretanto se não fosse à iniciativa do libanês
Abrahão e o apoio correto de Adhemar Bezerra de Albuquerque, não existiria
nenhuma imagem cinematográfica de Lampião e seu bando.
Postado em Brasil, Cangaço, História
do Nordeste do Brasil, Nordeste Adhemar
Bezerra de Albuquerque, Cangaço, CEARÁ, Cinema Moderno,FORTALEZA, Godofredo Castro, História do Nordeste, Joaseiro do
Padre Cícero,Juazeiro, LAMPIÃO, Padim Ciço, Padre Cícero
Romão Batista, Recife
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.com.br/2014/08/20/1926-o-filme-%E2%80%9Cjoaseiro-do-padre-cicero%E2%80%9D-em-recife/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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