Por Rostand Medeiros
Poucos
conhecem ou já ouviram falar da pequena e pacata cidade de Felipe Guerra,
localizada na região do Brejo do Apodi, a 330 quilômetros da capital potiguar.
Um lugar muito agradável, de pessoas trabalhadoras, tranquilas e extremamente
acolhedoras, mas o que torna Felipe Guerra mais interessante é sua concentração
de cavidades naturais, a maior do Rio Grande do Norte.
Entrada da Caverna da Carrapateira, no Lajedo do Rosário, Distrito de Passagem Funda, Felipe Guerra-RN, local de abrigo de pessoas da região quando da passagem de Lampião para atacar Mossoró em 1927 – Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.
Já foram descobertas
mais de 80 cavernas no município, ali foi descoberta uma das maiores cavernas
do Nordeste do Brasil, a Caverna do Trapiá, com 2.250 metros de extensão. A
maioria das cavernas de Felipe Guerra está localizada no Lajedo do Rosário e os
acessos a elas são bem complexos, passando pelas fendas e pelas afiadas rochas calcárias
do lajedo.
O autor deste
texto em uma das cavernas de Felipe Guerra, com os equipamentos adequados para
entrar nestes ambientes – Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para
ampliar.
Tive o
privilégio de participar de varias atividades ligadas ao conhecimento do
patrimônio das cavernas potiguares, mas adentrar nas cavernas é um desafio à
parte. Em algumas é preciso descer por árvores que brotam de dentro da caverna,
se esgueirar por entre pedras e rastejar por alguns bons e dolorosos metros
para chegar até as galerias ou salões, que são as partes mais amplas das
cavernas e onde são normalmente encontrados os espeleotemas.
Além das
cavernas, Felipe Guerra ainda possui uma das maiores cachoeiras do Rio Grande
do Norte, a cachoeira do Roncador e lugares de águas cristalinas para banho,
como o Olho D’água, localizado em propriedade privada.
Na região
rural de Felipe Guerra trabalhei algum tempo em um projeto que envolvia o
IBAMA-CECAV/RN e a SEPARN (Sociedade para Pesquisa e Desenvolvimento Ambiental
do Rio Grande do Norte) e vi muita coisa bonita.
O bando de
Lampião
Mas uma das
situações que me impressionava era como os habitantes locais mantêm a lembrança
viva das agruras sofridas com a passagem do bando do cangaceiro Lampião, em seu
ataque a cidade de Mossoró.
Em uma destas
cavidades que alguns habitantes conseguiram um abrigo prático para os terríveis
eventos que ocorriam próximos a suas casa e deixou na lembrança das pessoas do
lugar um respeito muito grande por estes ambientes.
Um Lugar
Tranquilo que Perdeu a Paz
Nas margens do
Rio Apodi, na então pequena Pedra de Abelha, a vida seguia tranquila naqueles
primeiros dias do mês de maio de 1927. A pequena vila era então um simples
aglomerado humano, com pouco menos de 1.200 habitantes, sobrevivendo da cera de
carnaúba, da pequena agricultura e da pecuária. Na época dos invernos mais
fortes, a pequena vila sofria as enchentes provocadas pelo Rio Apodi, como foi
o caso das cheias de 1912, 1917 e a grande cheia de 1924.
Casas antigas
de Felipe Guerra. Foto – Rostand Medeiros – Clique na foto para ampliar.
Por esta
época, Pedra de Abelha era um ponto de passagem de viajantes, tropas de burros,
vendedores, vaqueiros e outros andarilhos que seguiam a estrada entre a
pulsante e rica cidade de Mossoró e a progressista Apodi. Havia uma pequena
feira que crescia a cada ano, sempre em ordem e em paz, pronunciando uma
tendência de progresso para o pequeno lugar. Outra lembrança de boas
perspectivas foi à passagem de alguns homens, de língua enrolada, que se diziam
engenheiros, faziam medições e coletavam pedras no lajedo do Rosário, na Passagem
Funda, um lugarejo a 8 km de Pedra de Abelha. Logo se espalhou a notícia que o
lugar seria transformada em uma grande barragem, que haveria muitos empregos,
que seria maior que a barragem de Pau dos Ferros e que a vida em Pedra de
Abelha iria mudar para melhor. Mais a barragem não veio e a vida seguia
tranquila.
No começo de
maio chegam as primeiras das mais terríveis notícias que a região oeste do
estado do Rio Grande do Norte iria conhecer. No dia 10, pela madrugada, o
cangaceiro paraibano Massilon Leite e mais vinte bandidos atacaram Apodi,
depois seguiram para Gavião (atual Umarizal) e na sequência, pilharam a pequena
vila de Itaú. As notícias comentavam que apenas um cangaceiro fora preso
próximo à cidade de Martins. Para a ordeira população de Pedra de Abelha, ficou
o pensamento de que, se os cangaceiros haviam atacado Itaú, uma vila
praticamente do mesmo tamanho do seu lugar, por que não atacariam o pequeno
povoado a beira do Rio Apodi? Passou então a existir no seio da população uma
forte intranquilidade.
Não era para
menos que os habitantes da singela Pedra de Abelha ficassem ainda mais
apavorados quando, em 10 de junho de 1927, chega a notícia de que, incentivado
por Massilon Leite, Lampião cruzou a fronteira da Paraíba e entra no estado
Potiguar. Seguindo a cavalo, com cerca de 60 cangaceiros (número que gera muita
polêmica até hoje), em direção a Mossoró.
Avançando para
o norte, promoveram um verdadeiro bacanal de destruição, rapinagem e terror.
Roubaram, tocaram fogo em diversas fazendas, assassinaram os que reagiam,
entraram em confronto com a polícia e fizeram alguns prisioneiros, do qual só
libertariam mediante resgate.
Com a chegada
das notícias cada vez mais assustadoras, a população de Pedra de Abelha tratou
de procurar refúgio aonde houvesse condições. Muitos seguiram para a fronteira
do Ceará, outros foram para propriedades de parentes mais distantes e outros
que conheciam melhor a região, buscaram o abrigo das cavernas. É bem verdade
que a população do sertão possui um medo respeitoso em relação às cavernas,
mais naquele momento, este medo foi deixado de lado e a escuridão da caverna
passou a ser um abrigo mais acolhedor do que a incerteza da luz do dia e a
presença de cangaceiros na região.
O Abrigo
A caverna da
Carrapateira fica localizada no Lajedo do Rosário, próximo ao atual Distrito de
Passagem Funda e a pouco mais de mil metros da margem esquerda do Rio Apodi.
Entre as várias cavernas deste lajedo, essa é a que apresenta a maior
facilidade de penetração. Sua entrada tem formato oval, com quatro metros de
altura e possui desenvolvimento horizontal, No seu início encontram-se alguns
blocos caídos e deslocados, também presentes localmente no interior da
caverna.
O autor deste
texto na Caverna da Carrapateira. Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto
para ampliar.
Chama a
atenção à forma bem como a natureza moldou o túnel principal, sendo muito largo
e alto para os padrões das cavernas das proximidades. Sua sinuosidade apresenta
contornos de fluxo d’água, marcados nas paredes bastante lisas, lavradas, de
rocha calcária limpa e de cor amarelada, com níveis de sedimentação a mostra.
Os espeleotemas encontrados são escorrimentos de calcita, cortinas, algumas
estalactites e estalagmites. Na parte posterior do corredor principal, aparecem
outros tipos de espeleotema muito comum nas cavidades da região; o couve-flor.
Foto – Solon
R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.
Conforme
adentramos a caverna da Carrapateira, o chão vai apresentando uma menor
continuidade, mostrando reentrâncias, blocos rolados, até desembocar em uma
bifurcação, de onde a caverna segue para salões mais apertados, seguindo por
condutos menores. Neste setor, tem-se uma clarabóia de poucos metros de altura,
aproximadamente três metros. Por ela pode-se sair do interior com facilidade.
Pelas
dimensões do seu interior, pela proximidade com o rio e como na região
encontram-se diversas provas da passagem de grupos de caçadores e de coletores,
entre 5.000 e 2.000 anos atrás, essa caverna é a que melhor poderia sugerir a
possibilidade de algum indicio arqueológico. Contudo, não foram vistos pinturas
ou evidências nesse sentido e sua litologia é o calcário.
Foto – Solon
R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.
Não foram
encontrados vestígios da ocupação dos habitantes de Pedra de Abelha na caverna.
Como a passagem de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte duraram apenas
quatro dias, acredita-se que a ocupação da caverna tenha sido por curto espaço
de tempo. Mesmo tendo sido apenas por quatro dias, a região oeste do Rio Grande
do Norte nunca esqueceu este episódio.
O Avanço dos
Cangaceiros
Neste meio
tempo, o bando de Lampião seguia em direção a pequena Pedra de Abelha, passou
ao lado da povoação de Gavião (atual Umarizal) e seguiu depredando as
propriedades “Campos”, “Arção”, “Xique-Xique” e “Apanha Peixe” e nesta última
propriedade, para a sorte dos refugiados escondidos na caverna da Carrapateira
e da maioria da população de Pedra de Abelha, o bando foi dividido. As sete da
noite, seguiu o cangaceiro Massilon Leite, para assaltar pela segunda vez, a
cidade de Apodi, enquanto Lampião seguia para Mossoró. Em Apodi houve
resistência da população, obrigando Massilon a fugir. Devido a esta divisão,
Lampião seguiu em frente por outra estrada, passando paralelo ao povoado. A
população respirou aliviada e Lampião seguiu o seu caminho.
A fazenda da
foto chama-se Mato Verde, também atacada por cangaceiros sob o comando de
Lampião e próxima a Felipe Guerra. Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto
para ampliar.
Caminho que
faria seu bando cruzar com o progressista comerciante e fazendeiro Antonio
Gurgel do Amaral, proprietário de uma moderna fazenda em Pedra de Abelha, às
margens do Rio Apodi, no atual Distrito do Brejo. Nesta propriedade foram
empregadas muitas pessoas, o local possui uma estrutura muito moderna para a
época, inclusive com eletricidade e mecanização. Antonio Gurgel havia acabado
de chegar de uma viagem da Europa, aonde buscava trazer matrizes de novas raças
bovinas para desenvolverem-se na região.
Sentado à esquerda vemos o coronel Gurgel
Assim que
soube do avanço dos cangaceiros, seguira para a sua fazenda para organizar sua
defesa. No meio do caminho, na localidade chamada Santana, foi preso por
membros do bando. Era o dia 12 de junho e somente no dia 25, Gurgel seria
libertado no Ceará, juntamente com outra refém. Por ser Gurgel um homem
inteligente, de boa conversa, índole calma e que sempre procurou a
tranquilidade junto aos bandidos, ele nada sofreu. Durante sua convivência
forçada, escreveu um diário que é tido como um dos mais completos documentos
sobre a vida e o dia a dia destes cangaceiros. No fim de sua provação Lampião
lhe deu duas moedas de ouro para serem presenteadas a sua neta e, como
pagamento de uma promessa feita pela sua liberdade, sua mulher construiu uma
capela na Fazenda Santana, que continua de pé até hoje, bem como a sede de sua
fazenda, na atual Felipe Guerra.
Mossoró, 13 de
junho de 1927, a Derrota de Lampião
Na
Segunda-feira, 13 de junho de 1927, dia de São Francisco, ás 16:30 da tarde,
com o céu nublado, os cangaceiros atacaram a maior cidade do interior do Rio
Grande do Norte. O seu Prefeito, Rodolfo Fernandes, praticamente sem ajuda do
governo do estado, conseguiu reunir desde advogados, dentistas, comerciantes,
padres e pessoas comuns, entrincheirando-os em vários locais.
Os cangaceiros
foram derrotados depois de uma hora de combate, não mataram ninguém e perderam
um cangaceiro na hora e outro, o temível Jararaca, foi ferido e capturado logo
depois. Acabou assassinado pela polícia local no dia 20 de junho e o mais
interessante foi que seu túmulo tornou-se um local de peregrinação religiosa
popular.
Lampião sofreu
a sua mais terrível derrota, comentou que “Cidade com mais de quatro torres de
igreja não é para cangaceiro”. Sem conhecer o seu tamanho e a sua capacidade de
defesa, acabou enganado pela promessa de Massilon de pouca resistência e muito
dinheiro.
O seu ataque a
Mossoró causou repercussão em todo país, sendo noticiado em muitos jornais, foi
um verdadeiro choque, que impulsionou ainda mais a sua fama. Mesmo já sendo bem
conhecido e frequentador de jornais cariocas, foi a partir deste episódio que o
seu nome ficou muito conhecido no sul do país.
Após a derrota
em Mossoró, o bando em Limoeiro do Norte-CE
Após fugir do
Rio Grande do Norte, para onde nunca mais voltou, o bando seguiu para o Ceará,
aonde pensavam que estariam protegidos e foram implacavelmente perseguidos. O
mesmo ocorreu na Paraíba e em Pernambuco. Em 1928 cruzou o Rio São Francisco e
conseguiu uma sobrevida de mais dez anos, praticando atrocidades na Bahia,
Alagoas e Sergipe, aonde foi morto, com a sua companheira Maria Bonita, na
Grota de Angico.
Aqui vemos o
caminho ainda original da passagem dos cangaceiros, no sentido de quem segue
para a cidade de Governador Dix Sept Rosado
Para a
população de Pedra de Abelha, sempre que as notícias sobre Lampião surgiam,
voltava as lembranças dos medos e aflições de junho de 1927. Com a sua morte
(1938) e o desbaratamento do cangaço (1941), passa a existir um alívio intenso
nesta população. Com o passar dos anos, ocorre o desaparecimento das vítimas
sobreviventes dos atos cruéis dos cangaceiros e muitos dos descendentes destas
vítimas deixam a região, emigrando para grandes centros. Falar sobre os fatos
da época do cangaço deixa de ser um tabu. A partir dos anos 60, o mito deste
cangaceiro o torna um dos personagens históricos mais famosos da cultura
popular brasileira, aonde muitos lugares do País Lampião é encarado como
símbolo de nacionalidade e o cangaço como um expoente de luta da cultura e do
povo nordestino.
Para conhecer
as cavernas de Felipe Guerra, muitas vezes devido a localização, só acampando
para facilitar. Foto – Solon R. A. Netto
Apesar de
possuir potencial turístico, em Felipe Guerra, a exploração das cavernas só é
feita de âmbito científico e, assim, não existe estrutura alguma para a prática
do chamado espeleoturismo. Quem quiser conhecer essas maravilhas, só
participando de algum grupo de espeleologia ou então se aventurando naquelas
cavernas de mais fácil acesso.
Como chegar a
Felipe Guerra: A partir de Natal, pegar a BR-304 até Mossoró, seguida da BR-405
e RN-032. Contato: (84) 3329-2211 (Prefeitura de Felipe Guerra)
Bibliografia:
FERNANDES,
Raul, A MARCHA DE LAMPIÃO, ASSALTO A MOSSORÓ. 3 ed. Natal, Editora Universitária,
1985.
NONATO,
Raimundo, LAMPIÃO EM MOSSORÓ. 5 ed. Mossoró, Coleção Mossoroense, Fundação
Vingt-Un-Rosado, 1998.
QUEIROZ, Maria
Isaura Pereira, HISTÓRIA DO CANGAÇO, 4 ed. São Paulo, Global Editora, 1991.
CHANDLER,
Billy Jaynes, LAMPIÃO, O REI DOS CANGACEIROS, Rio de Janeiro, Editora Paz e
Terra, 1980.
FACÓ Rui,
CANGACEIROS E FANÁTICOS, GÊNESE E LUTAS, 7 Ed. Rio de Janeiro, Editora
Civilização Brasileira, 1983.
PERNAMBUCANO
DE MELLO, Frederico, QUEM FOI LAMPIÃO, Recife, Editora Stahli, 1993.
DELLA CAVA,
Ralph, MILAGRE EM JUAZEIRO, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1976.
Extraído do blog: "Tok de História" do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.com.br/2014/08/29/as-belas-cavernas-de-felipe-guerra-e-a-passagem-de-lampiao-e-seu-bando/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br
Mendes amigo, tenho lido os amplos textos do Historiador Rostand Medeiros. São textos de grande importância para quem gosta de História.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha
Agora que li o texto companheiro Mendes, digo: Excelente texto caro Historiador Medeiros.
ResponderExcluirAntonio Oliveira