Por:
Antonio Sapucaia - Especial para a Gazeta de Alagoas
João de Sousa Lima e José Alves de Matos, o cangaceiro Vinte e Cinco
Fonte: Gazeta de Alagoas - 16-set-2012. Repórter: Antonio Sapucaia.
Aos 95 anos, o ex-cangaceiro Vinte e Cinco conta detalhes da rotina que viveu ao
lado de Lampião, quando integrava o bando que assombrou o Nordeste nos anos 30
do século passado
“TENHO SAUDADES DA VIDA NO CANGAÇO”
Unhas bem cuidadas, cabelos cuidadosamente cortados, lúcido e afável, apoiado
em 95 anos de idade, é assim que nos recebe para uma entrevista o cidadão José
Alves de Matos, o conhecido ex-cangaceiro “Vinte e Cinco”, que por cinco anos
integrou o bando de Lampião.
Casado com Maria da Silva Matos desde 1959, é pai de uma prole de sete filhos,
entre os quais há dentista, economista, assistente social, técnica de saúde e
uma funcionária pública federal. Acerca do casamento, diz que acredita no
destino, considerando que a esposa nasceu em 1938, exatamente no ano do
extermínio do grupo de Lampião; ambos não tinham pai nem mãe, e o matrimônio,
realizado em Maceió, já dura 53 anos de felicidade.
Considera-se um homem de bem com a vida, não se arrepende de nada que fez,
principalmente no tempo de cangaceiro, de cuja época diz ter saudades, “porque
ali todo mundo era tratado como igual e todos eram amigos confiáveis. A vida
era bastante complicada”, diz com certo ar de tristeza, “mas era muito boa, e
se havia momentos de agonia, os momentos de alegria e de prazer eram maiores”.
Nascido no dia 8 de março de 1917, em Paripiranga, na Bahia, ingressou no mundo
do cangaço aos 16 anos de idade, no dia 25/12/1933, razão por que Corisco o
apelidou de Vinte e Cinco. “Ao ingressarem na vida do cangaço”, diz, “todos
esqueciam os seus verdadeiros nomes e a partir daí passavam a ser conhecidos
pelos apelidos que recebiam. Também recebiam ordem de manter o máximo de
respeito entre eles, pois seriam tratados como verdadeiros irmãos e irmãs. Se
alguns deles se dispersavam do bando, após algum tiroteio, mesmo que fossem
homem e mulher, havia respeito total entre ambos, até que novamente o grupo se
reencontrasse. Uma coisa que Lampião fazia questão de manter, aumentando o
vigor da voz, era o respeito absoluto entre todos”.
Vinte e Cinco confessa: “A Polícia era cheia de analfabetos, havia oficial que
não sabia sequer atender a um telefonema. Além disso, eram excessivamente
violentos, e foi essa violência desmedida que levou muitos jovens a ingressar
na atividade do cangaço, entre os quais eu me incluo”.
E continua: “Os policiais, conhecidos como macacos, chegavam à casa dos
agricultores e indagavam se Lampião havia passado na localidade; se a resposta
fosse negativa, eles apanhavam porque poderiam estar mentindo; se a resposta
fosse positiva, apanhavam ainda mais porque não informaram, antes, sobre a
presença deles no local”.
A respeito do seu ingresso na vida do cangaço, respondeu: “Havia uma família
que tinha parentes na Polícia, e fez uma denúncia de que a nossa tinha
admiração por Lampião. Daí, terminaram dando uma pisa em um sobrinho meu, que
passou três dias acamado. Dias depois, encontramos com um membro dessa família,
que já não gostava do meu sobrinho por causa de uma namorada, terminou havendo
uma briga entre nós, pelo que fiquei foragido durante dois anos, carregando
como lembrança uma cicatriz na cabeça, cujo ferimento foi curado com pó de
café”.
“Ao regressar”, prossegue, “fui a uma feira colocar sola em um sapato, cujo
sapateiro era cabo da Polícia, de nome Passarinho, que me reconheceu. Terminei
preso durante doze horas e, como consequência, resolvi fazer parte do bando dos
cangaceiros onde eu já tinha cinco parentes. Mantive contato inicialmente com
Corisco, que chefiava um grupo, tendo-o encontrado junto com Dadá, sua
companheira, e um cachorro de nome ‘Seu Colega’”.
Vinte e Cinco recorda que vez por outra Lampião pedia a Corisco que o colocasse
à sua disposição e, em meio a essas oportunidades, terminou ficando com o Rei
do Cangaço, até quando ocorreu a chacina de 28 de julho de 1938, em Angico, no
Estado de Sergipe.
O regime que imperava no cangaço era rigoroso, mas todos viviam satisfeitos.
Não faltava comida – carne de bode, carneiro, boi, farinha, sal, queijo –, uma vez
que os fazendeiros ordenavam aos vaqueiros para abastecer os grupos, o que não
acontecia com relação aos que faziam parte da Polícia. Do mesmo modo, não
faltavam bebidas, mas aquele que as adquiriam era obrigado a experimentá-las
antes de serem servidas a Lampião.
A propósito – lembra Vinte e Cinco – Lampião quando passava em lugar que não
tinha aguardante ou conhaque, ele deixava dinheiro com alguém para que os
produtos fossem comprados. Tinha mais: orientava no sentido de que as bebidas
fossem enterradas no quintal da casa, bem arrolhadas, e que um dia retornaria
para degustá-las.
Sabe-se que certa vez Lampião deixou alguma importância com determinada mulher
para a compra de bebidas e, dias depois, retornou para saboreá-las. Antes de
ingeri-las, pediu à mulher que as experimentasse, o que foi recusado por ela. A
mulher terminou confessando que a Polícia a havia obrigado a colocar veneno na
aguardente. Depois de perguntar como é que a Polícia soube que a bebida estava
enterrada no quintal, mandou que a mulher ficasse despida, saísse correndo e se
abraçasse com um pé de mandacaru que estava mais adiante.
Vinte e Cinco conta ainda que Lampião tinha uma colher de prata pura que, ao
tocar em qualquer bebida ou comida, acusava a presença de qualquer substância
estranha.
Nada faltava ao grupo, conforme relata Vinte e Cinco. Havia alegria,
principalmente em razão de alguns tocarem realejo, e dinheiro também não
faltava, distribuído por Lampião, periodicamente, não sendo verdade que
recebiam semanalmente importância fixa, como já foi noticiado.
Não faltavam mulheres para a prática sexual, pois alguns tinham as suas
companheiras no bando. Para os solteiros também não faltavam mulheres, quando
chegavam às fazendas, e muitas vezes eram mandadas para as suas companhias
pelos próprios maridos, pois além de serem bem compensadas financeiramente,
presenteavam-nas com brincos, cordão de ouro, anel etc. – relata Vinte e Cinco.
Os cachorros de nome “Seu Colega” e “Guarani” exerciam papel importante, haja
vista que, além de serem adestrados para despertar a atenção do grupo quando
algum estranho se aproximasse, muitas vezes comiam antes uma parte das comidas
que seriam servidas aos cangaceiros para terem a certeza de que não estavam
envenenadas.
Sobre Lampião, explica que “era um tanto fechado, mas em alguns momentos se
mostrava brincalhão. Era portador de uma espécie de enxaqueca e, quando
amanhecia acometido do mal, falava muito pouco com a gente. Em nenhum momento
ouvi dele dizer-se arrependido da vida que levava e, igualmente, nunca
manifestou a intenção de abandonar o cangaço, como já foi dito por aí”. Era
católico; das 4h30 da manhã para as 5 horas, os cangaceiros acordavam,
colocavam os joelhos no chão e começavam a rezar.
Vinte e Cinco confessa que somente Lampião, Luiz Pedro e Quinta Feira sabiam
quando e onde eram adquiridas as armas utilizadas pelos bandos. Algumas eram
guardadas em ocos dos paus até que delas precisassem, mas era proibido
perguntar onde eram adquiridas. Além dos chapéus de couro que portavam e dos
apetrechos que conduziam, eram indispensáveis dois cobertores de chitão, um
servia para forrar o chão e o outro para cobrir-se.
Vinte e Cinco participou de vários tiroteios, mas preferiu não relacioná-los,
referindo apenas ao que ocorreu em Pedra d’Água, em Sergipe, quando morreu
Barra Nova. Nunca foi vítima de ferimentos graves, carregando nos ombros alguns
arranhões que não lhe causaram mal algum. Recordou que Barreira – que foi
funcionário da Secretaria da Fazenda de Alagoas – degolou Atividade, colocou a
cabeça em um saco e foi se entregar à Polícia.
Sobre Pedro de Cândida, diz que era o homem de maior confiança de Lampião,
entre os coiteiros. Recorda que a intimidade era tanta entre os dois que havia
uma certa ciumada por parte dos cangaceiros, ou seja, ele “não entrou no
espinhaço do grupo”, expressão que significava não simpatizar, não gostar do
outro.
Vinte e Cinco quis formar novo bando
O cangaceiro Vinte e Cinco não se encontrava no coito em Angico, no dia
28/7/1938, pois, estando fora, tinha acertado com Lampião para ali se
encontrarem após o cumprimento de uma diligência. Sua missão consistia em ir a
Lagoa do Bezerro, em Pernambuco, a fim de apanhar dois fuzis, em companhia dos
irmãos Velocidade e Atividade, sob o seu comando. Ao retornarem, saíram de Pão
de Açúcar e, na Fazenda Beleza, souberam do acontecimento macabro, em Angico,
pelo que guardaram as armas em ocos de paus e, a partir de então, ficaram meio
desnorteados.
A lógica – diz ele – era procurar alguém que tivesse condições de formar um
grupo, e chegaram a pensar em Corisco. Entretanto – acrescenta – apesar de ele
ser muito valente, bom e sagaz, a mulher dele, Dadá, era conhecida como
arengueira e mandona, o que os impedia de formar um grupo coeso.
Sentindo-se sem rumo, os cangaceiros resolveram entregar-se às autoridades, uns
tendo ido para a Bahia, outros para Sergipe e Alagoas. Vinte e Cinco
entregou-se ao sargento Juvêncio, em Poço Redondo, no dia 13/10/1938, de onde
saiu para Piranhas, depois Santana do Ipanema, sede do 2º Batalhão da Polícia
Militar, terminando na Penitenciária de Maceió, em companhia de Pancada, Cobra
Verde, Peitica, Vila Nova, Maria Jovina, Barreira e Santa Cruz, que era seu
sobrinho.
Na Penitenciária, passou quatro anos, onde aprendeu a ler e escrever com o
professor Manoel de Almeida Leite, tendo deixado a prisão com o curso primário
completo. Ali gozava de um certo privilégio, pois adquiriu a confiança
suficiente para tornar-se o “chaveiro” da prisão.
Certa vez recebeu a visita do Promotor Público Rodriguez de Melo, o qual ao se
inteirar da situação dos ex-cangaceiros afirmou que nada poderia fazer em favor
deles, a não ser que surgisse um milagre e o fato chegasse ao conhecimento do
presidente da República, Getúlio Vargas, haja vista que todos estavam presos
sem nenhum processo formalizado, à disposição do governo do Estado.
Utilizando-se da confiança de que desfrutava, Vinte e Cinco recorreu ao
engenheiro Ernesto Bueno, que estava preso por crime de homicídio contra um
cidadão de Coruripe, pedindo-lhe que, em seu nome, escrevesse uma carta a
Getúlio Vargas expondo a situação vexatória em que se encontravam. Seu pedido
foi atendido e, usando de uma manobra habilidosa, apelou para uma mulher de
nome Maria Madalena, que era encarregada de vender os produtos de artesanatos
que os presos fabricavam na Penitenciária, a qual escondeu a carta no seio e a
postou nos correios.
Segundo relata Vinte e Cinco, Getúlio Vargas, depois de manter contato com o
interventor Ismar de Góes Monteiro e com o Dr. José Romão de Castro, diretor da
Penitenciária, baixou um ato e pediu-lhes que os colocassem em liberdade,
conseguissem empregos para todos, objetivando evitar o retorno deles à vida
nômade do Sertão.
A saída dos ex-cangaceiros da prisão passou pelo crivo do Dr. Osório Gato, que
era Juiz da 1ª Vara da Capital, do Dr. José Romão de Castro, diretor da
Penitenciária, e do Dr. José Lages Filho. Emitiram pareceres favoráveis à
soltura, considerando, inclusive, a personalidade de cada um, pois todos se
revelaram disciplinados, obedientes e não ofereciam nenhum perigo à sociedade,
fazendo-se impositiva a liberdade vigiada de todos e que não voltassem a
residir no Sertão.
Conclusão: Vinte e Cinco iria para a Faculdade de Direito, onde trabalharia
como atendente, o que terminou não acontecendo, por razões circunstanciais, mas
foi trabalhar no Orfanato São Domingos, depois na Granja da Conceição, em
Bebedouro, e parou na Guarda Civil, durante 18 anos.
Certo dia, Vinte e Cinco estava prestando serviço como guarda-civil, em Jaraguá,
ocasião em que o Dr. Osório Gato, que o conhecia, parou o automóvel e, após
breve conversa, perguntou-lhe se gostaria de ir trabalhar com ele no Tribunal
Regional Eleitoral. Após a resposta afirmativa, disse-lhe que procurasse ler o
Diário Oficial do dia seguinte. Dois dias depois estava trabalhando como
segurança no TRE, tendo trabalhado ali durante nove anos, onde fez concurso
interno para o cargo de escrevente e, daí, passou para Auxiliar Judiciário, que
é hoje o cargo de Técnico Judiciário.
Diz não ter arrependimento da vida de cangaceiro, da qual só sente saudades, e
agradece a Deus ter chegado aos 95 anos de idade gozando de boa saúde e crendo
na previsão do Dr. Pedro Carnaúba, que acredita que ele chegará aos 100 anos,
pelo que alimenta, agora, o sonho de publicar um livro sobre a sua vida.
Por: Antonio Sapucaia ‡
As fotos do cangaceiro Vinte e Cinco pertencem ao acervo do escritor e pesquisador do cangaço João de Sousa Lima.
Fonte principal: Gazeta de Alagoas
Data: 16 de Setembro de 2012
Repórter: Antonio Sapucaia.
Fonte: facebook
Página: Voltaseca Volta
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
É preciso ser homem de muita coragem caro Mendes para pronunciar as palavras acima mencionadas: "TENHO SAUDADES DA VIDA NO CANGAÇO"!
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha