Por Rangel Alves
da Costa*
Macário estava
marcado para morrer. E ordem nascida antes da cusparada de coronel não havia
jeito, tinha de ser cumprida, e antes mesmo que o cuspe secasse, como se dizia
por lá. Acusado de traição, de ter se bandeado e aberto a boca pro desafeto do
coronel, seu patrão, tinha de pagar na bala a desfeita.
Não havia
qualquer acusação formal, nada que comprovasse ter o jagunço realmente traído
seu patrão. Mas a verdade e que, não se sabe bem por quais vias ou com quais
intencionalidades, chegou ao ouvido do poderoso que o seu capanga mais famoso
havia sido visto saindo da fazenda do Coronel Limoeiro.
Ora, o Coronel
Limoeiro era inimigo de fogo a sangue do Coronel Sizenando, e de muito tempo,
desde que os dois herdaram seus latifúndios e currais nas vizinhanças da Ribeira
de Sangue. E Sizenando, por ser mais rico e poderoso, com muito mais influência
política e poder de mando que Limoeiro, de tudo fazia para que este
reconhecesse e aceitasse que quem mandava ali era ele. E pronto.
Mas o Coronel
Limoeiro não se rebaixava de jeito nenhum e não admitia que alguém chegasse na
sua varanda com oferta de compra de suas propriedades, principalmente partindo
de Sizenando. Aliás, uma coisa seja logo registrada: a valentia do homem. E
neste aspecto muito diferente de seu inimigo. Enquanto o Coronel Sizenando não
dava um passo sem estar acompanhado de cinco a seis jagunços, ele galopava por
suas terras tendo apenas o cavalo como companhia.
Tinha e
mantinha jagunços na sua propriedade sim, pois não poderia ser diferente num
mundo de inimizades de sangue. Sua jagunçada era muito mais de proteção que de
ataque, e neste aspecto também muito diferente do Coronel Sizenando. Este
mandava matar brincando, e qualquer um que se mostrasse como empecilho perante
seus objetivos, ainda que se tratasse de um mero sertanejo de tapera e cuia.
Mandava matar
qualquer um, porém não se atrevia a mandar tocaiar seu inimigo maior, o que
seria a coisa mais fácil do mundo, vez que o Coronel Limoeiro não apenas era
avistado sozinho nas suas terras como andava por qualquer lugar sem proteção
alguma da jagunçada. E não encomendava emboscada de sangue e morte por dois
motivos principais. O primeiro dizia respeito a um recado recebido do desafeto
e cujo teor se manteve em segredo. E o segundo porque todo mundo saberia de que
partiu a ordem para matar o inimigo.
Diante desse
contexto, o que será mesmo que o jagunço de Sizenando foi fazer na fazenda de
Limoeiro e foi avistado saindo de lá às escondidas e com feições de quem não
queria ser reconhecido? Uma coisa é certa, recado de seu patrão não foi dar de
jeito nenhum, pois se assim fosse não teria sua morte encomendada no mesmo
instante que a fofoca chegou aos ouvidos do poderoso.
Mas o que
Macário, o jagunço mais experiente de todos, aquele com mais tocaias já
preparadas e devidamente executadas, teria ido fazer ali na residência do
inimigo primeiro de seu patrão? Será que tinha ido até lá para matar o homem, e
por conta própria? Mas ninguém ouviu tiros, ninguém ouviu nada, apenas o
jagunço se esgueirando pela mataria adiante e sumir dali no mesmo instante.
A verdade é
que Macário, após a inesperada e misteriosa visita ao Coronel Limoeiro, foi
galopando diretamente às terras de seu patrão. Ao chegar, arriou o cavalo,
virou um copo de cachaça e se pôs a limpar suas armas sentando num tronco. Não
sabia, contudo, que alguém havia sido muito mais e rápido e já havia chegado
ali para contar sobre sua presença na fazenda do coronel. Também não sabia que
a ordem para sua morte já havia sido dada pelo patrão.
Após receber a
notícia e avermelhar feito tição, o Coronel Sizenando acenou da janela e outro
jagunço deu a volta para entrar pelos fundos. O coronel segredou-lhe alguma
coisa e imediatamente este saiu correndo pelo mesmo lugar. A trama era sair
escondido, por dentro do mato, e preparar uma emboscada para Macário, que logo
passaria por aquela curva de estrada. E assim foi feito, com o jagunço
incumbido de tocaiar e matar seu companheiro de desatino.
Aquele mesmo
que havia repassado a notícia despontou na porta do casarão e logo avistou
Macário pelos arredores. E seguiu em sua direção para dizer que o coronel havia
dado ordem urgente para que fosse perguntar a Miguelim se já havia aceitado a
oferta para vender seu pedaço de chão. Imediatamente Macário pulou no lombo do
cavalo e pegou a estrada. Não sabia que a tocaia já estava pronta, que agora
seria sua vez de ser emboscado e morto.
No ponto
certo, na curva da estrada, o jagunço estava à espreita, escondido detrás de um
tufo de mato, já mirando em direção ao companheiro que logo se aproximaria.
Logo ouviu o som do galope, veloz. Era Macário, não tinha dúvida. Ajeitou ainda
mais a pontaria, mais e mais. Mas de repente baixou a arma e correu para o meio
da estrada. Repentinamente decidido a não matar o amigo, nem teve tempo de
levantar a mão para pedir que parasse. Recebeu um tiro na testa. Caiu
estatelado.
Mas antes de
morrer revelou a Macário o que lhe havia sido encomendado fazer. Era tarde
demais, lamentou o matador. E deu a volta para cumprir o acerto feito com o
Coronel Limoeiro, ainda que este quase não tivesse aceitado a proposta. Ia
matar o Coronel Sizenando.
Poeta e
cronista
http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2014/10/como-macario-se-livrou-da-tocaia.html
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