O lendário
cangaceiro Lampião posa para foto segurando uma edição de um dos
jornais que costumava ler, "O Globo", 1936. (Benjamin Abrahão/Acervo
Abafilm).
#4 - A opinião
pública dividida entre amor e ódio.
Lampião já era
uma lenda viva antes mesmo de sua vida ser documentado pelo corajoso
jornalista sírio-libanês, Benjamin Abrahão. Tratado pela polícia dos
estados como uma verdadeira praga a ser exterminada, temido por onde
passava, ainda assim ganhou a simpatia de muita gente.Virgulino tinha a
confiança de gente de diversos setores da sociedade: coronéis, sertanejos e até
mesmo a igreja, representada pelo inigualado Padre Cícero, a quem se deposita
regionalmente o prestígio de uma santidade.
A situação de
considerável apoio da sociedade pode se amparar no senso de justiça em crítica
à força oficial vigente. O respeitado historiador britânico, Eric Hobsbawn,
em uma de suas obras (Bandidos/1969), apontou o Cangaço brasileiro como um
exemplo claro do fenômeno do banditismo social, que se alinhava ao princípio de
contestação, como um sentido primitivo de revolta.
“O ponto sobre
bandidos sociais é que eles são criminosos camponeses a quem o senhor feudal e
o Estado enxergam como criminosos, mas que permanecem dentro da sociedade
camponesa, e são considerados por seu povo como heróis, como campeões,
vingadores, lutadores pela justiça, talvez até mesmo líderes de libertação e,
em qualquer caso, homens para serem admirados, ajudados e apoiados. Esta relação
entre o camponês comum e o rebelde, bandido e ladrão é o que faz o banditismo
social interessante e significativo.”
Eric Hobsbawn
Volantes do Estado da Bahia em registro de Benjamin Abrahão, circa
1936. (Benjamin Abrahão/Acervo Abafilm).
Por décadas a
República simplesmente amargou a inferioridade de suas forças diante do preparo
e conhecimento preciso dos bandos cangaceiros. Equipados com cangas de madeira
e utensílios metálicos (daí o nome cangaço: canga+aço), esses grupos eram
compostos por homens (e também, muito raramente, mulheres) de invejável
experiência de combate, sempre furtivos e ágeis.
Nas cidadelas
invadidas, a polícia costumava ser ínfima e sem a menor condição para impedir
investidas tão bem articuladas. Quando chegava algum reforço capaz de
enfrentá-los, os cangaceiros simplesmente desapareciam em rotas de fuga que os
levavam para outros estados, onde somente as forças policiais correspondentes
poderiam atuar.
A reação dos
estados foi precisa: responder na mesma moeda. Foram constituídas as
chamadas forças volantes, o braço cangaceiro da polícia, formadas por
homens (alguns deles até ex-cangaceiros) de preparo e práticas de combate
idênticas às dos bandos criminosos. Assim, rotas de fuga, abrigos e investidas
furtivas estavam mais sujeitas a falhas.
O encontro de
Abrahão com o bando de Virgulino, em foto tirada pelo cangaceiro Juriti. Da
esquerda para a direita: Vila Nova, não identificado, Luís Pedro, Benjamin
Abrahão (à frente), Amoroso, Lampião, Cacheado (ao fundo), Maria Bonita, não
identificado, Quinta-Feira, foto de 1936. (Acervo Abafilm).
#6 - O
jornalista libanês que documentou a vida dos cangaceiros.
Figura
responsável pelos mais preciosos registros iconográficos do Cangaço, Benjamin
Abrahão Botto conheceu de perto, por vários meses, a rotina de diversos bandos
cangaceiros, inclusive os dos notáveis Corisco e Lampião. Ele foi por
muitos anos secretário de Padre Cícero em Juazeiro do Norte, no interior
do Ceará, até que com a morte do sacerdote em 1934, colocou em prática seu
projeto mais ambicioso: filmar e fotografar Lampião e seu bando.
Se
aproveitando da ligação de Lampião com Padre Cícero, Abrahão facilmente se
aproximou do cangaceiro. Lampião era uma figura extremamente vaidosa,
característica que o consolidava como Rei do Cangaço, se deixando acompanhar
pelo jornalista. O material coletado ao longo de cerca de 2 anos (1936 e
1937) era de extrema preciosidade e foi recebido nas grandes metrópoles como um
verdadeiro escândalo. O Cangaço era uma ofensa ao Estado Novo de Getúlio
Vargas, que tratou de censurar e confiscar o registro de Benjamin.
“As fotos e
filmes de Benjamim eram um atestado da incompetência das forças policiais e uma
afronta ao Palácio do Catete”. - Frederico
Pernambucano de Mello
Veja
também: Getúlio Vargas: 3 razões para amar (ou odiar) o que ele fez com
o Brasil que você vive hoje
O
sírio-libanês Benjamin Abrahão trouxe a público relatos detalhados sobre a
rotina e características dos bandos cangaceiros, o que pode ter sido nocivo à
estratégia dos bandos, cada vez mais combatidos em esfera interestadual. Em
menos de três anos a maior parte dos principais bandos foi desmantelada,
inclusive com a execução de Lampião (1938) e Corisco (1940). O próprio
Benjamin também teve seu fim em 1938 (dois meses antes da morte de Lampião
e seu bando),vítima de nada menos que 42 facadas em um assassinato até hoje não
esclarecido. Segundo o historiador Frederico Pernambucano de Mello, a mesma
força que matou Lampião, matou Benjamin: o desmoralizado Estado Novo.
“Antes que o
Estado Novo espatifasse o sistema de poder do sertão, era alto negócio para
qualquer fazendeiro comercializar com o cangaceiro. O Estado Novo acabou com
esse colaboracionismo. A morte de Benjamin foi, sobretudo, uma queima de
arquivo histórica.”
Frederico
Pernambucano de Mello
Cangaceiro
Barreira posa junto à cabeça de seu ex-companheiro de bando, Atividade, como
prova de lealdade à volante.
#7 - Um cerco
que se fechava: a falência dos bandos e o fortalecimento do combate ao cangaço.
Com o passar
dos anos, a forma que o Estado tratava o Cangaço era cada vez mais madura. A
segunda metade dos anos 1930 foi especialmente difícil para os bandos
cangaceiros. Um a um, os criminosos iam sucumbindo ou se entregando em troca da
anistia. O marco do fim dos tempos do Cangaço foi a emboscada que executou
Lampião, Maria Bonita e diversos membros de seu bando. Suas cabeças foram
expostas ao público em muitas cidades do Sertão nordestino.
“Naquela
época, Lampião mobilizava grossos capitais. Travava com coronéis da
região que financiavam seus roubos e recebiam parte do lucro. Seu bando era a
imagem do sucesso da organização fora da lei."
Frederico
Pernambucano de Mello
O fim do Cangaço foi causa direta da insatisfação com tamanha desmoralização do Estado Novo causada pelas imagens de Abrahão. Não só como atividade marginal, mas também como exemplo escancarado da corrupção de coronéis colaboradores, o Cangaço era uma afronta a Getúlio Vargase sua proposta ideológica. E sistematicamente pagou o preço da visibilidade que adquiriu.
Cadáver do
cangaceiro Cirilo de Engrácia, morto por civis e usado como exemplo pela
volante alagoana. A cabeça de Cirilo já havia sido decepada, foi recolocada
para a foto. 1935. (Autor desconhecido/Acervo Sociedade do Cangaço).
Cabeças
cortadas de membros do bando de Lampião, incluindo o próprio e sua
parceira, Maria Bonita, mortos em uma emboscada em Porto da Folha, Sergipe.
Elas foram expostas como troféu na escadaria da Prefeitura de Piranhas, no
estado de Alagoas, este episódio simbolizou o fim dos tempos áureos do Cangaço.
Foto de 1938 (Autor desconhecido/Acervo Sociedade do Cangaço).
Cabeças dos
cangaceiros expostas em Santana do Ipanema/AL, 1938. (Autor desconhecido/Acervo
Sociedade do Cangaço).
O médico
legista Charles Pittex segura as cabeças mumificadas de Lampião e Maria
Bonita, elas ficaram expostas por muitos anos na Faculdade de Medicina da
Bahia, foto de 1939. (Autor desconhecido).
Fontes:
HOBSBAWM, E.J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1969.
MELLO, Frederico Pernambucano. Guerreiros do sol – violência e banditismo no nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.
http://cebes.com.br/2014/07/a-historia-do-odio-no-brasil-por-fred-di-giacomo/
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1472857&tit=O-cangaco-segundo-Graciliano-Ramos
http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/a-morte-de-lampiao-9394818
http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/um_sertanejo_das_arabias.html
http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/marcosclemente.html
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,iconografia-do-cangaco-traz-revelacoes-sobre-lampiao,869874
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/05/entre-deus-e-o-diabo-1
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL703549-5598,00-CONHECA+AS+SEIS+PRINCIPAIS+LENDAS+SOBRE+LAMPIAO.html
HOBSBAWM, E.J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1969.
MELLO, Frederico Pernambucano. Guerreiros do sol – violência e banditismo no nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.
http://cebes.com.br/2014/07/a-historia-do-odio-no-brasil-por-fred-di-giacomo/
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1472857&tit=O-cangaco-segundo-Graciliano-Ramos
http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/a-morte-de-lampiao-9394818
http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/um_sertanejo_das_arabias.html
http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/marcosclemente.html
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,iconografia-do-cangaco-traz-revelacoes-sobre-lampiao,869874
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/05/entre-deus-e-o-diabo-1
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL703549-5598,00-CONHECA+AS+SEIS+PRINCIPAIS+LENDAS+SOBRE+LAMPIAO.html
FIM
Bruno Henrique Brito Lopes
Bruno Henrique Brito Lopes
Graduado em
História pela Universidade Católica de Pernambuco.
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