Por Rangel Alves
da Costa*
Sobressaindo a
tudo na imponência, na feição fortificada, na grandeza e na simbologia do poder
e do mando, lá estava o casarão do senhor, do dono de engenho, do coronel, do
político poderoso, do potentado em meio a um mundo tão diferente. Diversos
porque residência senhorial fincada num local cujos arredores geralmente
representavam a submissão, a vassalagem, a escravidão negra ou branca de mesmo
açoite, suor e sangue.
Na região
nordestina, desde os tempos coloniais, os casarões dos poderosos senhores se
assemelhavam a castelos erguidos em meio aos campos sem fim aonde a servidão se
espalhava ora no trabalho difícil na terra ora na dependência das ordens do
soberano. Também nos moldes do feudalismo, tantas vezes um povo submetido ao
desejo impositivo do senhor ou simplesmente alimentando ainda mais seu poder.
Os retratos
não deixam negar. E muito ainda há desse fausto petrificado, das paredes largas,
janelas grandes de madeira de lei, portas que mais parecem guaritas.
Construções suntuosas, imensas, da mistura da pedra e da cal, do óleo de peixe
para junção dos blocos, na madeira que cupim não rói, telhados que descem pelas
varandas e coberturas feitas para vencer o tempo. Varandas, salas, salões,
porões, sótãos, calabouços, esconderijos, janelas altas e tantas dependências
bastem para o conforto e segurança do poder.
Avistados ao
longe, mais parecem rochas esbranquiçadas em meio a casebres, currais, cercados
e animais. Como parte desse mundo, porém no contexto da manutenção do poder, as
famílias da terra, os empregados do senhor dono do mundo, os trabalhadores
escravizados, uma classe de pessoas sempre no suor da luta e da miséria, cada
vez mais submetida cada vez ao patrão. Sertanejos no seu ganha-pão, na vida na
enxada, na foice, no facão, na vaqueirama, num faz-de-tudo por quase nada. E
também os jagunços pelos arredores, em constante sentinela, e ainda outros na
função da tocaia, da emboscada, na espreita aos desafetos do patrão. Sempre
ávidos para entregar os restos inimigos aos urubus e outros bichos carnicentos.
Mas nem sempre
assim, nem sempre o casarão como local de onde partiam as ordens de sangue. Em
muitos deles apenas o exercício do mando político, do ofício do poder, do
nascedouro de todas as decisões que influenciariam na vida local e até
regional. Contudo, mesmo que a serventia do casarão não fosse para a
proclamação do medo e do terror, ainda assim todos eles possuíam a função de
exteriorizar o poder de seu dono. E ali o senhor tecendo alianças políticas,
firmando acordos com outros de igual patente, recebendo governantes,
providenciando assistencialismos, mandando fortalecer seu curral para as
eleições. E o seu bicho-gente sempre chiqueirador com um quilo de alimento, com
um remédio, com uma esmola qualquer.
Dos engenhos
de cana-de açúcar nasceram muitos coronéis, dos latifúndios surgiram outras
tantas levas de coronéis, do poder político brotaram os mais renomados
coronéis, da força capitalista muitos outros coronéis se impuseram. Quer dizer,
o coronelismo nordestino sempre teve o poder na sua raiz: econômico, político,
agrário. Como eram senhores que necessitavam mostrar prestígio e se manter
protegidos contra os muitos inimigos de igual poder, então faziam dos casarões
a exemplificação maior de seu potentado. Dali saía o próprio destino, mas ali
só entrava quem estivesse disposto a se ajoelhar aos pés do senhor.
Quando os
afazeres políticos ou comerciais exigiam, os coronéis se deslocavam dos seus
latifúndios interioranos para os centros urbanos. Daí que muitos casarões ainda
existem como relíquias daqueles idos de poderes tantos nas mãos de tão poucos.
Hoje servem basicamente como atrativos turísticos, mas nos seus cômodos
fortificados ainda ressoam as vozes tantas vezes deturpadas pelos detratores da
história. A verdade é que não se pode negar a importância do coronel no
contexto da formação econômica brasileira, ainda que se contradiga sua forma de
atuação política e social.
A história
continua preservando nomes de senhores como Horácio de Matos (Lavras
Diamantinas), Douca Medrado (Santa Izabel do Paraguaçu), João Gonçalves de Sá
(Jeromoabo), Chico Romão (Serrinha), Zé Abílio (Bom Conselho), Petro
(Santo Antônio da Glória) Chico Heráclio (Limoeiro), Veremundo Soares
(Salgueiro), Quelé (Petrolina), Chico Porfírio (Canindé do São Francisco), João
Maria de Carvalho (Serra Negra) e Elísio Maia (Pão de Açúcar), dentre tantos
outros. E todos estes emanavam ordens de seus casarões, de suas fortalezas
fincadas nos alicerces do poder, do mando e da valentia.
Nas distâncias
da história o casarão. Um mítico Coronel Segismundo Ventura abre as portas do
grande salão e com passos lentos segue até a varanda da opulência senhorial.
Chapéu largo à cabeça, terno de linho branco, bota de couro cru, uma arma
descendo pelos lados do corpanzil. Tira o charuto da boca para chamar
Biribeira, o jagunço. Diz alguma coisa ao seu ouvido e depois cospe no chão. O
jagunço sabe que deve cumprir a ordem antes de o cuspe secar. Então sobe num
cavalo e arriba em disparada.
Mas não
chegaria a tempo de dar a resposta ao patrão. A história seria o anjo da morte
do coronelismo. E aquele era o último autêntico coronel nordestino.
Poeta e
cronista
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