Por Rangel Alves
da Costa*
Qualquer
pessoa se espanta ao ouvir a declaração acima. Logo se imaginaria a pura
insanidade naquele que dissesse que ainda está moço, mas na verdade já teve cem
ou mais. Ninguém em sã consciência acreditaria que alguém regredisse na idade,
primeiro envelhecesse para somente depois ir ficando cada vez mais novo até
chegar à infância. Seria a existência de cabeça pra baixo ou a idade do homem
trocando de tempo.
Mesmo que não
acreditem ou que me chamem de louco, insano, maluco, doido de pedra, ainda
assim ouso afirmar que “ainda sou moço, mas já tive cem anos ou mais”. Não sei
bem até quantos anos cheguei, mas com certeza muito mais do que qualquer
velhice que se tenha agora. Hoje em dia chamam de velho aquele que está com
sessenta anos – ou até menos -, sem saber, contudo, que tal idade está ainda a
caminho, e bem distante, do verdadeiro envelhecimento. Para citar um exemplo,
com mais de oitenta anos e eu ainda sequer me achava na idade adulta. Sempre
imaginava dançando a valsa da adolescência.
Desse modo,
que não se imagine a minha idade num percurso lógico, numa linha temporal para
frente. Que não se imagine que nasci, fui criança, cheguei à idade adulta, vou
envelhecer, até chegar o tempo de despedida. Quem afirmar assim estará
incorrendo em desarmonia com a minha existência. Logicamente que nasci, fui
criança, adolescente e tudo o mais, só que numa mudança de tempo. Bastou que
avistasse a vida e a realidade ao redor, então já não tinha mais aquela idade.
Corpo de criança, mas com uma idade muito além do que poderia imaginar qualquer
vã filosofia.
Assim, contra
toda lógica que possa parecer, fato é que cheguei à velhice antes de
envelhecer. Na verdade, já fui muito mais velho do que sou agora. Não sei nem
mais quantos anos já vivi, porém a única certeza é que já fui bem velhinho.
Nada de história bíblica, daquela descrição onde um viveu quatrocentos anos,
outro seiscentos, e assim em diante. Também nada de Matusalém, o avô de Noé e
que viveu perto de mil anos. No Gênesis está a sua história. Mas a minha está na
verdade para ser acreditada.
E quando eu
era mais velho enfim pude viver todas as alegrias da existência. Sábio,
filósofo, profeta, conhecedor do mundo e da vida, então soube separar o joio do
trigo e caminhar sem medo pelos lírios que ondulavam floridos pelos campos.
Mesmo muito velho, brinquei como criança brinca, desandei mundo afora como
menino faz, malinei sem parar como todo pequenino faz. Mas eu sabia onde
brincar, onde correr, o que fazer, quando parar.
Quando eu era
mais velho, muito mais velho, então foi quando me senti um adolescente
realizado. Andava envolto em sonhos, planos, arriscando aqui e acolá,
procurando amor, buscando amar. O que diferenciava erram os erros, pois sabia
que não deveria ir além do permitido pela idade. E velho, mas como adulto
vivendo, então frutifiquei nos quadrantes do mundo. Fui feliz na medida da
possível felicidade.
Assim eu
compreendia que deveria ser. Contudo, o meu erro maior foi ter chegado à
velhice sem antes ter vivenciado as outras idades no seu tempo próprio. Mas o
que mais me doía era saber que assim jamais deveria ser, pois o que valoriza a
vida é o instante vivido perante a idade, e não pelo envelhecimento.
Eu era velho
demais e sabia o peso que isso recaía sobre mim. Tudo fazia para avistar as
outras idades da vida com a liberdade merecida, com as reinações necessárias,
com os perigos que não se pode evitar. Ser velho demais tem esse problema:
entristece por conhecer demais. Quer fazer diferente e não faz, e porque
conhece demais. E isso não é viver. É apenas esperar que o velho tronco
esmoreça e caia sobre a terra sem flores.
Quantos anos
tenho hoje? Não sei. Só sei que nasci um dia, cheguei a um tempo distante, e
depois retornei sem idade precisa. Se sou velho ou novo tanto faz. Quando
velho, muito velho, aprendi que a vida é o instante. E ele que procuro viver em
qualquer idade.
Poeta e
cronista
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