Por Rangel Alves
da Costa*
Com o
falecimento de Miltinho, responsável pela preservação e continuidade da
tradição forrozeira no sertão sergipano de Nossa Senhora da Conceição de Poço
Redondo, alguns logo sentenciaram o fim do autêntico forró pé de serra como
animação costumeira de chinelado e ralabucho. Com efeito, somente Miltinho
mantinha a preocupação de não deixar esmorecer o autêntico forró de salão e
aquelas raízes tão profundamente fincadas no povo sertanejo de mais idade.
Amainando as
preocupações dos antigos forrozeiros, verdadeiros apaixonados pelo compasso
suado e o vai-e-vem requebrado, alguns sanfoneiros continuaram puxando o fole
no salão de Miltinho. Mas nada mais era como antes. Sem a presença do
comandante maior, mesmo forró de casa cheia tinha a mesma animação nem o mesmo
contagiamento de antes. Por consequência, os forrós foram se rareando e somente
em épocas festivas o salão reabre suas portas.
Logicamente
que tudo isso causava um desânimo danado nos apaixonados pelo velho e bom pé de
serra. Ademais, era até incompreensível que em pleno sertão o seu habitante
mais tradicional de repente se visse apartado da sanfona, do zabumba, do
pandeiro, do triângulo, do cantador, do forró como expressão maior. Foi então
que o empresário Jaime Mendonça teve a ideia de aproveitar um espaço aberto num
seu empreendimento e ali colocar à disposição do forró e dos forrozeiros.
Foi a tábua de
salvação forrozeira. A partir de então, todos os sábados, geralmente a partir
da boca da noite e se estendendo até dez horas ou mais, a sanfona come solta ao
lado do Alto de Tindinha, num espaço adjacente ao Posto Bijota, todo cimentado,
seguro, com o frescor da aragem sertaneja, e distando menos de um quilômetro do
centro da cidade. E é a coisa mais bonita de se apreciar: a velha guarda
sertaneja ali reunida, dançando sem parar, sem pagar um tostão, num fôlego e
disposição maiores que o da juventude.
A iniciativa
de Jaime – que não somente fornece o espaço como cuida do bem-estar de todos e
paga ao tocador e seu grupo - prosperou de tal forma que a fama do forró
ultrapassou fronteiras. Todo sábado uma verdadeira procissão de forrozeiros,
entre homens e mulheres, chega das redondezas sertanejas e até municípios mais
distantes para aproveitar a festança matuta. Quem está na cidade sequer imagina
a forrozança animada de logo depois da ponte.
É uma
verdadeira romaria. Ônibus são fretados em Canindé exclusivamente para o
chinelado bom, veículos de todas as placas estacionam para o “funrufá da
moléstia”. Há um carteiro de Nossa Senhora da Glória, rapaz ainda moço, que não
perde um só forró. Que chova ou faça sol, e ele marcando presença. E assim
muitos outros que veem no Forró de Jaime a oportunidade de reencontrar suas
raízes e cultivar suas tradições mais antigas.
Mas o Forró de
Jaime só alcançou tal fama e importância pela organização que possui. Jaime
fornece o espaço, paga o sanfoneiro, mas quem toma frente para tudo sair a
contento é o vereador Aderaldo Caldeira, contando sempre com a ajuda de João e
outros da velha guarda cabocla. Segundo o próprio Aderaldo, há também uma
preocupação em socializar as oportunidades. Ou seja, não há um só sanfoneiro
responsável pela festança, mas dando a cada um a chance de ganhar sua parte.
Assim, um sábado é reservado a Olivan, outro sábado a Vera, ou mesmo os dois
numa só noite, ou ainda outros tocadores. O próprio Aderaldo de vez em quando
puxa o fole com gosto. Sabe mais fazer política, mas ali o dançador quer mesmo
é o som do fole roncando.
E quando o
fole ronca é um deus nos acuda. Pedro Rosendo puxa uma de lado e sai numa
maestria forrozeira de deixar qualquer um de queixo caído. Zé Bina se
transforma em menino novo e parece não querer mais parar de dançar. Fernando
rodopia pelo salão de fazer voar a saia da companheira. Até Eraldo de Chico
Bilato se mostra passinho de ouro naquele encantamento matuto. É coisa
verdadeiramente de se admirar. Senhores com oitenta anos e mais num fôlego de
espantar. Senhoras já tidas como velhas por muitos e ali numa graciosidade
dançadeira e numa afoiteza que só vendo. E o forró correndo solto.
Toda vez que
chego ali logo recordo de Miltinho. Todo forró tem a sua feição e a sua
memória. E certamente que Jaime mandará levantar uma placa dizendo “Espaço
Forrozeiro Miltinho”. Nada mais justo.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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