Por Raul Meneleu Mascarenhas
A comparação desses dois homens que se engalfinharam
mortalmente nas caatingas nordestinas, feita por Alcino Alves Costa, em livro
bastante controvertido, - Mentiras e Mistérios de Angico - onde teceu algumas
argumentações a respeito da história do cangaço, com raciocínios excelentes,
desenvolvidos para colocar conflitos nas mentes dos estudiosos da saga. São
bastantes criteriosas quando efetua um confronto paralelo de duas
personalidades violentas em lados opostos. Um representava a lei e o outro a
desordem.
Qual dos dois era mais violento?
É a aproximação dos dois, em termos entre os quais existiu alguma relação de semelhança, a violência, como metáfora. A comparação, porém, é feita por meio de um conectivo (os homens violentos de além mar) e busca realçar determinadas qualidades do meio termo (liderança, coragem e inteligência) desses dois grandes homens, que viveram uma vida de sobressaltos.
Vamos então mostrar como foi que esse famoso autor da saga cangaceira levou a termo, sua apreciação por esse dois comandantes guerrilheiros:
Lampião e Zé
Rufino os marechais do sertão
Na história deste velho mundo, sempre haverá um lugar reservado, um espaço para os predestinados, excepcionais mortais que se destacam em suas atividades e tornam-se históricas personagens que o passar dos anos não consegue levar para o esquecimento; homens que receberam da divindade este DOM que os caprichos da mãe natureza delega aos seus prediletos filhos.
Em todos os campos da atividade humana existem as sumidades: química, física, medicina, enfim em todos os caminhos da vida, e, como não poderia deixar de ser, também existem aqueles que foram sumidades do crime e da violência. Não sei se podemos classificar Lampião e Zé Rufino como astros do crime e da violência. Sou de opinião que ambos deveriam ser classificados como gênios táticos de uma luta onde foram mestres, em uma arte onde eram insuperáveis, heróis que possuíam uma rara e sem igual habilidade em conduzir seus homens nas mais difíceis empreitadas, exercendo uma liderança sobre seus comandados que era qualquer coisa de fazer inveja aos exércitos mais disciplinados.
Os cabras de Lampião e os contratados de Zé Rufino lhes obedeciam cegamente. Eram realmente inacreditáveis as façanhas dos dois chefes, homens praticamente incultos, sem a mínima experiência militar, que mantinham sob seus comandos homens rudes que mais pareciam feras, filhos do sertão bravio, onde a maior lei era o chicote do coronel. Quase todos perversos criminosos, nascidos e criados naquela região hostil, onde não se conhecia o mais elementar costume de boas maneiras e educação, levados por uma estranha e misteriosa força, acatavam até as últimas consequências, até se possível à morte, as ordens e as vontades emanados dos dois grandes comandantes.
Ao acompanharmos, com os detalhes e as minúcias que a complexa história do cangaço requer, e em particular a odisseia Lampião e Zé Rufino, iremos claramente perceber, através dos tempos, os violentos eventos que abalaram o mundo e que mereceram destaque por seus extraordinários efeitos e causas. Muitos desses, ou todos eles, originados pela doentia mente de seus idealizadores, não os retiram da categoria de homens de brilhantes inteligências, tais como Napoleão Bonaparte, Adolf Hitler e tantos outros que levaram a humanidade aos clamores da guerra, guerreiros que implantaram a tirania escudados pelos fluidos negativos de suas raríssimas inteligências.
Exemplo disto é a guerra particular disputada pelos inigualáveis Erwin Vom Rommel, o famoso e genial marechal de campo do África Korps do exército alemão e o não menos brilhante marechal Bernard Law Montgomery, o célebre Montgomery of Alemain, do exército britânico, que no deserto da África travaram o mais espetacular duelo no jogo de xadrez da guerra nazista, vendo-se de um lado o fenomenal Vom Rommel, com suas temidas e afamadas divisões Panzer, e de outro a refinada técnica do insuperável Mont.
Em que pesem os tributos pagos com vidas humanas, não se pode esquecer a excepcional habilidade dos dois marechais. A luta dos titãs dos países do além-mar, era uma dimensão sem limite, do tamanho do próprio mundo, mas, guardadas as devidas proporções, luta igual foi travada nos campos ressequidos do sertão brasileiro, com bravura, coragem, sabedoria e maestria pelos marechais caboclos Lampião e Zé Rufino.
É claro que não se pode fazer comparações entre as duas causas. Uma a do sertão, era a luta dos fracos, dos injustiçados que, ao sofrerem as piores humilhações, as mais injustas perseguições, rebelaram-se e enfrentaram os donos do sertão de igual para igual, levando, na maioria das vezes, a melhor. A outra, a guerra nazista, o destempero e a loucura de um ensandecido homem, que não titubeou em empapar de sangue toda a humanidade. Verdade seja dita: o sertão, — pode-se perfeitamente dizer, — tem ou teve o privilégio de ter dado ao Brasil e, possivelmente, ao mundo dois de seus maiores estrategistas e guerreiros. É fora de qualquer dúvida que Lampião e Zé Rufino foram, na acepção da palavra, dois gênios na ciência dos combates e na tática de ataque e defesa; dois mágicos conhecedores profundos dos segredos da dura guerrilha que participavam.
Em suma, possuíam os dois fenomenais sertanejos toda a clarividência dos grandes e lendários guerreiros dos remotos tempos. Não se pode, também, desconhecer os anos de suas lutas particulares, quando os dois bravos mestiços travaram o mais espetacular duelo da sangrenta guerra do cangaço nordestino; cangaço que teve seu início nas primeiras vinditas dos clãs povoadores dos sertões, desde os tempos do Brasil Colonial indo até os colonizadores do Inhamuns, nas barrancas do Jaguaribe, em terras do Ceará, passando pelos sertões do Piauí e Paraíba até chegar aos campos desertos e bravios de Pernambuco.
Além desse fator primordial, as vinditas e pendengas, que geraram desafrontas por anos sem fim, varando toda a sertania com esta feroz e sanguinolenta disputa de força, poder e domínio, havia também aquelas disputas pessoais onde o único motivo era o despeito e vaidade de determinado potentado contra o outro.
E assim, todo o sertão foi palco de extraordinárias medições de forças e demonstrações de inimagináveis bravuras que, apesar de muitas vezes trágicas, eram ao mesmo tempo belas, heroicas e românticas. Ficaram nos livros da história sertaneja a valentia desses sanhudos e embravecidos sertanejos que não se cansaram de mostrar todo o valor de suas nunca desmerecidas coragens e o valor e peso de suas temidas armas.
Lamentavelmente, os protagonistas dessa tenebrosa luta, como Lampião e Zé Rufino, não percebiam que viviam a se matar em uma luta sem o menor sentido e sem nenhuma razão de ser; eram heróis, gigantes, verdadeiros titãs que viviam a porfiar, carregando nessa esteira um grande número de inocentes caatingueiros que não atinavam e nem percebiam os perigos a que se expunham nessa tremenda luta.
Infelizmente a matutada não sabia que estava sendo marionete que, a cada dia, mais ficava a mercê dos coronéis, os senhores do sertão.
É difícil imaginar tudo isso no sertão do Padre-Mestre lbiapina, o lendário Padre José Antônio de Maria Ibiapina, antes Juiz de Direito de Quixeramobim e velho protetor dos Maciéis, na luta desses com os Araújos. Deixando a vida de magistrado para tornar-se sacerdote e protetor dos pobres no dia 14 de novembro de 1835, Ibiapina tinha-se demitido de sua condição de Juiz no dia 10 de dezembro de 1834, um ano depois de ter sido nomeado, no dia 12 de dezembro de 1833.
Também é o sertão do grande peregrino Antônio Vicente Mendes Maciel, o Bom Jesus Conselheiro, de Canudos; sem se falar naquele que foi o maior dos sacerdotes dos sertões, o padre Cícero Romão Batista, o protetor do Juazeiro, pelos quais toda a sertanejada nutria o nobre conceito de santos.
Espanta como os sertanejos ainda se deixavam envolver por pequenas intrigas que só beneficiavam os grandes e poderosos coronéis e fazendeiros. Ora, nesse sertão, apesar de inculto e primitivo, havia a palavra altamente acreditada dos pregadores.
Portanto, a fé era criteriosamente programada e intensamente voltada para a fanatização dos ingênuos mateiros, e o que é de se estranhar é que homens, como esses missionários, com tamanho carisma, não tenham conseguido afastar Lampião, Zé Rufino, Luís Mansidão, Cassimiro Honório, Antônio Matilde, Tenente, Sabino Gomes e uma legião de facinorosos e valentões que espalharam o terror e o medo nos campos nordestinos; mesmo sabendo-se que todos esses enegrecidos homens guardavam no fundo de seus corações o mais puro, mesmo que primitivo e embrutecido, sentimento religioso.
A verdade é que todos sentiam verdadeira admiração, respeito e veneração pelos mensageiros de Deus, como assim eles julgavam os pregadores. Era realmente belo e romântico ver os bravos e heroicos bacamarteiros assistirem contritos e ajoelhados, embevecidos e humildes, aos fulgurosos e apaixonantes sermões de então.
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