Por Rostand Medeiros
Bela e
preservada casa do sítio Ponta da Serra, tendo ao fundo uma parte da Serra de
Martins. Mantida em grande parte original é um dos locais mais interessantes
que se mantém preservado no trajeto do ataque do bando de Lampião ao Rio Grande
do Norte – Foto – Rivanildo Alexandrino.
Autor –
Rostand Medeiros
Era uma
sábado, dia 11 de junho de 1927, pelos sertões da região oeste do Rio Grande do
Norte, em meio à mata de caatinga fechada, seguindo por caminhos que
praticamente não eram frequentados por automóveis, uma turba de homens armados
e montados em seus cavalos levantava poeira. Era Lampião que seguia em direção
ao seu objetivo principal – a cidade de Mossoró.
Aquele era o
segundo dia do grupo de cangaceiros em sua jornada avançando em terras
potiguares. No dia anterior o grupo armado havia travado um combate em um lugar
conhecido como Caiçara, onde fizeram uma guarnição de soldados debandarem,
mataram um valente militar que não negou fogo e ainda atingiu mortalmente o
cangaceiro Azulão. Depois percorreram várias propriedades rurais roubando,
saqueando, depredando, sequestrando pessoas e espalhando uma onde de medo e
terror[1].
Desde 2010 o
autor deste texto percorreu algumas vezes o caminho que os cangaceiros de
Lampião utilizaram para atacar Mossoró. É uma viagem muito interessante.
Rostand
Medeiros defronta à casa do sítio Ponta da Serra, invadida pelos cangaceiros de
Lampião – Foto – Rivanildo Alexandrino.
Muitos dos
locais que testemunharam os fatos não mais existem. Mais em outros pontos as
pessoas preservam tenazmente estes ambientes, quase que teimando para que a
história permaneça viva e fazendo tudo para que aqueles dias estranhos não
sejam esquecidos.
Um destes
locais é o sítio Ponta da Serra.
Buscando o
Caminho dos Cangaceiros
Antes da
chegada de Lampião a Ponta da Serra, baseado no que foi escrito, o último local
visitado foi a propriedade Morada Nova, de Antônio Januário de Aquino.
Naqueles
tempos longínquos, as áreas rurais entre a Morada Nova e a Ponta da Serra
pertenciam respectivamente aos municípios de Pau dos Ferros e Martins, muito
maiores em suas áreas territoriais do que são na atualidade[2].
Mas para
Lampião, guiado pelo bandoleiro Massilon Leite, aquilo pouco importava. O que
importava era encontrar propriedades que valessem a prática do saque e do
roubo. A partir da Morada Nova o bando aponta seu rumo em direção Nordeste, em
direção a uma das mais belas e estruturadas propriedades da região.
Ao percorrer
estes caminhos em pleno século XXI, utilizando GPS, a distância compreendida
entre a Morada Nova e o próximo alvo dos cangaceiros, a Ponta da Serra, ficou
em cerca de nove quilômetros.
Ao percorrer
este caminho que separa as duas propriedades eu encontrei poucas casas onde
poderia conseguir maiores informações e saber o que ficou desta memória.
Tentava buscar saber com as pessoas da região alguma informação sobre outro
possível local de ataque dos cangaceiros, que não houvesse sido listado
anteriormente, ou apenas para saber o melhor rumo a tomar em direção ao sítio
Ponta da Serra. Mas é uma área onde não se observa muita gente, um tanto
inóspita, sombria mesmo.
Igreja Matriz
de Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Martins, Rio Grande do Norte. Foi a
zona rural deste município uma das áreas mais atacadas por lampião e seus
cangaceiros quando estiveram no Rio Grande do Norte em 1927 – Foto – Ricardo
Sávio Trigueiro de Morais
Se hoje é
difícil achar um cristão naquelas veredas, na época de Lampião, segundo as
informações coletadas junto aos atuais moradores da Morada Nova, este trecho
era um verdadeiro deserto.
Segui com
cautela, em meio a uma caatinga atemporal, com a paisagem ao fundo tomada pelo
maciço da Serra de Martins, até que cheguei a BR-226, marco de modernidade que
liga Pau dos Ferros a cidade de Antônio Martins[3]. Em certo trecho existe uma cancela a
margem da rodovia federal e aquilo apontava que eu havia chegado a Ponta da
Serra.
Corre Que
Lampião Vem Aí!
Naquele antigo
lugar “visitado” por Lampião eu percebi a razão da Ponta da Serra despontar
como uma referência na região quando o assunto são casas antigas e preservadas.
Sua construção
data do início do século XX chama a atenção pela imponência em meio a casas tão
singelas e, segundo informações apuradas, o local está mantido em grande parte
original. Outro fator extremamente positivo em relação a esta local se refere à
própria beleza paisagística do ponto onde a mesma foi edificada. Defronte a
antiga casa existe o açude Ponta da Serra e uma elevação denominada Serra do
Macapá, com quase 500 metros de altitude, segundo informa o mapa produzido pela
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, da região de Pau dos
Ferros, na escala de 1:100:000.
Francisco
Javier de Lucena, conhecido na cidade serrana de Martins como Dr. Lacy,, quando
entrevistado em 2010 – Foto Junior Marcelino.
Segundo o
médico aposentado Francisco Javier de Lucena, conhecido na cidade serrana de
Martins como “Dr. Lacy”, esta residência era em sua opinião “-A mais original
do todas as que existem no pé da Serra de Martins”.
Em 2010,
apesar de um relativo problema de surdez, encontrei na cidade de Martins o Dr.
Lacy muito altivo e lúcido e o nosso encontro se deu através do apoio do amigo
Junior Marcelino.
O Dr. Lacy
nasceu no dia 15 de julho de 1917, tinha quase dez anos de idade na época da
passagem do bando de cangaceiros de Lampião pela região e comentou que na
ocasião o seu pai, João Xavier da Cunha, era cunhado e trabalhava para o então
proprietário do sítio Ponta da Serra, João Frutuoso da Silva.
Este se
encontrava com a sua família na propriedade, quando recebeu o aviso da chegada
de Lampião através de uma senhora chamada Idalina, o já famoso “Corre que
Lampião vem aí!”. Esta senhora vivia em um sítio próximo denominado Tabuleiro
de Areia.
Logo a esposa
de João Frutuoso, dona Alexandrina, buscou guardar objetos de importância para
serem transportadas em dois tradicionais caçuas. Estes são uma espécie de saco
de grandes dimensões, feito de couro de boi, montados em uma cangalha no lombo
de um jumento. Este animal foi conduzido por um trabalhador da fazenda, enquanto
a família seguiria para a cidade de Martins em um veículo Ford de três marchas.
Dr. Lacy
relata que na cidade de Martins havia certo número de soldados e pessoas do
lugar armadas, sendo levados para piquetes organizados nas ladeiras da região,
para assim resistir contra alguma investida do bando. Na opinião do Dr. Lacy,
mesmo com muitos moradores buscando refúgio no mato e o clima de medo reinante,
a situação não desbancou para uma fuga desesperada naquela urbe, houve certa
ordem em Martins.
Seu pai João
Xavier, assim que soube da aproximação do bando, mandou um irmão chamado Manuel
Galdino seguir da cidade e ajudar João Frutuoso na propriedade. O motorista
devia descer pela ladeira que seguia pelos sítios Comissário e Vertentes. Este
caminho rústico, feito em 1915 por uma firma inglesa que construía o açude do
Corredor, não era nada fácil de ser trafegado naqueles rústicos veículos, pois
possuía muitas curvas nos contrafortes da Serra de Martins. Mesmo assim o
motorista partiu.
Notas
existentes na página 2, do jornal natalense “A República”, edição de quinta
feira, 8 de março de 1928, onde quase um ano depois o então prefeito daquela
cidade, o Sr. Emídio Fernandes de Carvalho apresentava os custos municipais com
a presença do bando de Lampião na área rural de Martins – Fonte – Coleção
Rostand Medeiros
Ao chegar ao
sítio Ponta da Serra, Galdino encontrou seus tios e seu primo João Batista da
Silva, tratando de sair do local. Em meio a toda confusão associada ao medo,
ele rapidamente deu meia volta no veículo e partiu. Acabou deixando de
transportar as três empregadas da casa, que ficaram desesperadas e
desorientadas. Coisa mesmo de verdadeira comedia pastelão em meio ao caos.
Catinga da
Mistura de Perfume Barato, Suor e Cachaça.
Segundo Dr.
Lacy, foi por muito pouco que os membros da família não foram capturados, pois
logo após a saída dos veículos o bando a galope chegou. Ríspida e rapidamente
os bandoleiros invadiram todas as dependências da casa, onde arrombaram
gavetas, malas e quebraram utensílios.
Defronte a
casa grande do Sítio Ponta da Serra, esta é a visão que temos. O Açude Ponta da
Serra e a Serra do Macapá – Foto – Rostand Medeiros
Defronte à casa existia um comércio que era tocado pelo filho de Frutuoso, logo este lugar
foi arrombado, sendo consumidas as bebidas do estoque e várias mercadorias
foram roubadas ou depredadas.
Na casa os
cangaceiros, aquecidos pelo álcool, fizeram as três empregadas passarem por
apertos. Devido o rápido retorno do veículo de Galdino e da chegada dos
celerados na sequência, elas não tiveram tempo de fugir para os matos. Mas o
pior foi evitado devido ao chamado de Lampião para que deixassem as mulheres em
paz. O próprio chefe comunicou às empregadas que se houvesse capturado
Frutuoso, ele só seria libertado mediante o pagamento de quarenta contos de
réis, verdadeira fortuna para época, demonstrando o poder econômico do
proprietário do lugar.
Na casa os
cangaceiros mexeram em uma grande e pesada mesa de madeira, quebrando as
gavetas que nela existiam. Em um fogão de ferro fundido, fabricado na
Inglaterra, os cangaceiros buscavam avidamente comida, mas nada encontraram. A
mesa e o fogão continuam na Ponta da Serra marcando a passagem dos cangaceiros[4].
Enquanto o
saque prosseguia foi capturado o agricultor Francisco Dias, do sítio Corredor,
propriedade existente mais adiante. Perguntado qual a próxima propriedade na
sequencia da vereda existente comentou ser a Morcego, a um quilômetro de
distância, cujo dono era Manoel Raulino. Rapidamente Francisco Dias foi
“promovido”, mesmo a contra gosto, a função de guia dos bandoleiros.
Tão
violentamente e rápido como chegaram, satisfeitos com o butim, Lampião ordenou
que a cabroeira seguisse adiante[5].
Rostand
Medeiros e o Dr. Lacy na cidade de Martins, 2010 – Foto – Junior Marcelino.
Logo aquele
troço de uns 60 e tantos homens montaram em seus corcéis sertanejos e partiram.
Seguiram altivos, coroados pelos seus chapéus de couro, transportando
vistosamente suas armas, gritando, assoviando, proferindo palavrões, estalando
chicotes e deixando no ar a catinga da mistura de perfume barato, suor e
cachaça.
Varias outras
propriedades foram assaltados, roubos aconteceram, destruições ocorreram,
sequestros e mortes. Mas no dia 13 de junho de 1927 o povo de Mossoró resistiu
galhardamente e Lampião e seus cangaceiros foram vencidos e fugiram sem
conquistar a “Capital do Oeste”.
Hoje quase
ninguém que viveu aquela época está neste plano para dar depoimentos, mas
locais como o sítio Ponta da Serra são testemunhos daqueles dias incertos e
devem ser preservados.
Defronte à casa da Ponta da Serra em abril de 2014, com os amigos Sílvio Coutinho e
Rivanildo Alexandrino.
Em abril de
2014 eu estive novamente nesta residência, acompanhado do diretor de cinema
Silvio Coutinho, do Rio de Janeiro, e do amigo Rivanildo Alexandrino, da cidade
de Frutuoso Gomes (RN), durante as filmagens do documentário “Chapéu
Estrelado”, atualmente em montagem.
NOTAS
[1] Sobre este combate ver –http://tokdehistoria.com.br/2011/05/10/o-grande-fogo-da-caicara-e-a-desconhecida-%E2%80%9Cmissa-do-soldado%E2%80%9D/
[2] O sítio Morada Nova ainda está situado
em terras que pertencem a Pau dos Ferros, sendo o único local que
comprovadamente marca a passagem de Lampião neste município. Fui informado que
a Morada Nova está situada a 18 quilômetros da sede municipal. Já a Ponta da
Serra está na área territorial do município de Serrinha dos Pintos, tendo se
desmembrado do município de Martins em 30 de outubro de 1993, através da Lei nº
6.492.
[3] Em 2010 esta estrada estrava em
construção.
[4] Em abril de 2015 eu
[5] Na minha pesquisa percorrendo o caminho
de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte utilizei os livros – DANTAS,
Sérgio Augusto de Souza. Lampião e o Rio Grande do Norte: A história da grande
jornada. Natal: Cartgrat Gráfica Editora, 2005. 454 p,
– FERNANDES,
Raul. A Marcha de Lampião: Assalto a Mossoró. 6ª ed. Mossoró. Coleção Mossoroense,
v. 1488. Série C, 2005.
– NONATO,
Raimundo; Lampião em Mossoró. 6ª ed. Mossoró. Coleção Mossoroense, 2005.
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.com.br/2016/03/17/o-ataque-de-lampiao-ao-sitio-ponta-da-serra/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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