Por Rangel Alves
da Costa*
Bebezão, esta
era sua alcunha, seu apelido forjado no inimaginável. Um codinome, aliás, que
ninguém tinha coragem de citá-lo em voz alta, de modo que o próprio apelidado
pudesse ouvir. Acaso ouvisse como o chamavam, certamente a bala comia solta por
todos os lados.
Seu verdadeiro
nome? Acreditava-se que nem ele mesmo sabia. E ninguém perguntava por que todo
mundo tinha medo de lhe dirigir a palavra. Mas o coronel seu patrão, assim que
gritava para dar ordem, sempre repetia Coivara. Coivara vem cá, Coivara faça
isso, Coivara vá queimar mais um! Mas o restante da população, sempre falando
baixinho, simplesmente o conhecia por Bebezão.
Mas por que
Bebezão? Porque chorava feito menino depois de cada maldade feita. Não era um
chorinho não, mas um choro aberto mesmo, de soluçar. E em qualquer lugar que
chegasse depois de ter feito a tocaia e derrubado mais um. Emboscava o cabra,
esperava o tempo que fosse preciso, dava o tiro certeiro, mas depois, já
despistado da cena mortal e na presença de estranhos, então se danava a chorar.
Foi o
fofoqueiro do Toniquinho quem descobriu a razão do chororô. Adepto de um pé de
balcão, de um proseado em torno de uma cachaça com raiz de pau, o fofoqueiro
começou a perceber que toda vez que o jagunço do Coronel Targino chegava por ali
para tomar pinga e em seguida começar com a choradeira, não demorava muito e
alguma morte era anunciada.
Toniquinho foi
juntando os fatos, morte após morte, até ter a certeza de que o jagunço era o
responsável por tantas desgraças na região. E mais: a cada choro no pé de
balcão correspondia uma vida a menos. E fez o desfecho do pensamento: o jagunço
chorava pelas mortes que causava. Mas por que, se todo matador de aluguel ou de
mando é mais frio que moringa d´água ao amanhecer à janela?
Como ninguém
sabia ainda das conclusões do fofoqueiro - que já estava ávido para espalhar a
descoberta -, de ouvido a ouvido foi-se firmando o nome de Bebezão. Ninguém era
besta de comentar qualquer coisa na sua presença, mas todo mundo ficava
encafifado querendo saber o porquê de um jagunço desalmado beber e chorar e
quando mais bebia mais chorava. Até que o fofoqueiro chamou os amigos de bar a
um lugar seguro e revelou a descoberta.
Todos ficaram
espantados com a revelação, principalmente porque demonstrava ainda maior
frieza daquele desalmado matador. Ao retornarem ao botequim, logicamente ainda
arrebatados pela notícia, eis que à porta logo avistam o Bebezão. Alguns
quiseram correr, mas por medo de acontecer o pior ante a fuga, foram forçados a
entrar. E quando entraram logo se depararam com o Bebezão que mais parecia uma
criança de doce roubado ou pé furado de espinho. O jagunço estava num choro que
quase esperneava, alto sofrido, lamentoso.
Então
Toniquinho, impensadamente, se viu de boca aberta e perguntando ao chorão o que
havia sucedido para estar assim tão aflito. Todo mundo tinha certeza que
aquelas seriam as últimas palavras do amigo fofoqueiro, vez que certamente iria
tomar chumbo nas fuças. Com efeito, quase se despede mesmo da vida, pois ao
ouvir a pergunta o jagunço colocou a arma diante de sua testa e disse. Não
disse nada, pois chorava tão alto que deu as costas, saiu apressado, montou no
cavalo e se lançou em disparada.
Certificando-se
de que estava vivo, e coisa que o fez depois de virar copo cheio, Toniquinho
causou mais uma surpresa ao afirmar: “Vocês vão ter logo notícia, mas tenho
certeza que Bebezão dessa vez passou dos limites. Aquele choro todo não era à
toa não, dessa vez ele matou foi mais de um, quem sabe uns dois ou três.
Infelizmente, disso eu tenho certeza”. Mal fechou a boca e chegou gente em
correria gritando que o Coronel Targino e mais dois capangas haviam sido
encontrados mortos.
Todos os olhos
se voltaram, estupefatos, para Toniquinho. Este apenas disse: “Menos mal. O
jagunço Bebezão dessa vez acertou. Matou um coronel assassino e mais dois da
mesma laia. Mas aquele choro todo era de remorso. Quem é ruim sofre demais
quando derrama o próprio veneno. E vai morrer soluçando, tenho certeza”.
Poeta e
cronista
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