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sexta-feira, 13 de maio de 2016

HISTÓRIAS ANTIGAS

Por Rangel Alves da Costa*

Ainda meninote, assim que amanheceu entrei num dos quartos de casa e aí encontrei, sentada numa cama, uma mocinha cabisbaixa e um tanto envergonhada. Não a conhecia, nunca a tinha avistado nem como visita nem como amiga da família. Então resolvi perguntar a Dona Peta, minha mãe, de quem se tratava.

“É uma moça que Dero roubou e trouxe para esconder aqui, até que seu pai converse com a família dela e resolva a situação”. Era realmente costume que os rapazes roubassem as moças quando os pais delas não aceitavam de bom gosto o namoro ou não aprovavam de jeito nenhum o romance matuto.

Ante o problema surgido, com pretensões de casório, então o rapaz planejava retirá-la de casa às escondidas, na calada da noite. Dizia-se, assim, que ia roubar a escolhida do coração. Para evitar qualquer desconfiança e o plano fosse por água abaixo, a mocinha juntava somente umas poucas roupas numa bolsinha e fingia que ia dormir. Em hora acertada, ela saia pé ante pé, cuidadosa como uma pluma, e se dirigia até a porta dos fundos. Num canto ou no outro lado carca, o cabra estava aflito esperando.

Assim aconteceu diversas vezes. Roubava-se a moça e amanhecia à porta de um líder político ou pessoa de renome, contando a situação e pedindo guarida até que a fornalha dos embrutecimentos se transformasse em cinzas. Pedia guarida ao político, principalmente prefeito, por duas razões principais. O pai da mocinha ia pensar duas vezes em invadir a casa e retirar à força a filha. E também porque a liderança possuía poder de influência para resolver a situação da maneira menos conflituosa possível.


Mas não foram poucas as vezes que a mocinha, por conta própria, resolveu deixar o apaixonado chupando dedo e voltar para casa. E não havia que se falar em desonra, pois àquela época só se chegava ao bem-bom depois de juntado os panos ou colocado aliança no dedo. Assim, virgem a mocinha havia sido roubada e virginal retornava ao lar familiar, e sempre sabendo que não estava livre de tomar uma boa surra para deixar de ser desavergonhada.

“Ora quem já se viu uma moça de famia fugino de casa no meio da noite e com um cabra que num vale um tostão furado”, dizia o pai, antes de pegar a taca de couro e dar umas boas relepadas na filha. E ela, na firmeza sertaneja, apenas sentia o corpo ser lanhado, porém sem dar o gosto de um ai ou uma lágrima sequer. Depois a mãe acorria para chorar todas as dores que a filha havia se negado a chorar. Sempre assim com as mães.

Casar desvirginada era coisa raríssima naqueles tempos. Ao menos para as moças que viviam sob as rédeas familiares, e que eram muitas. Namorar só se fosse na casa dos pais, em duas cadeiras de mesa, um tanto separadas, com os dois sentadinhos comportadamente. Nada de beijo, de abraço, de passar a mão pela perna. Impossível qualquer proximidade maior, pois a mãe sempre sentada, costurando ou fazendo renda, bem defronte aos dois. Por isso que quando se noticiava uma “gravidez de moça virgem” o mundo parecia que ia acabar. Era falatório pra mais de ano.

Certamente que havia aquelas mais desavergonhadas que namoravam nos escondidos, por detrás dos muros, nas beiradas do riachinho, até mesmo por dentro do mato ou nas proximidades do cemitério. Mas a vigilância dos pais produziu consequências hoje impossíveis de acontecer. Num tempo de honra, de respeito, o rapaz viajava em busca de dias melhores no sul do país e deixava sua namorada ou noiva esperando. Passava um, dois anos, e ela virtuosamente o aguardando como uma Penélope a seu Aquiles.

Hoje os tempos são outros, muito diferentes, desavergonhados, pecaminosos e adulterinos. Muitos não namoram mais, apenas “ficam” ou se se conhecem por dentro, outros se banqueteiam das promiscuidades e devassidões. Traição de casais nem se fala, pois mais parecendo modismo. E o que resta mesmo é recordar de um tempo onde a moça se vestia de luto eterno quando o compromissado se despedia da vida sem tê-la levado ao altar.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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