*Rangel Alves
da Costa
Sorte a nossa
que ainda temos um Murilo Mellins, um Raymundo Mello, um Jairo Alves de
Almeida, um professor Vilder Santos, um Armando Maynard, e alguns outros
ilustres sergipanos que continuam se preocupando com o passado aracajuano e
sergipano e fazem do memorialismo, escrito ou radiofônico, uma salvaguarda do
nosso tão belo e suntuoso relicário.
Não há
relicário maior que a história de um povo, de uma cidade, revelando retratos
antigos e costumes esvoaçados ao vento. Nas paredes do tempo, os instantâneos em
preto e branco que não podem ser devorados pelo próprio tempo. Ou se busca sua
preservação ou se nega as próprias raízes, pois a memória de um povo está na
valorização do seu passado e seu contributo ao que de melhor ainda é avistado
no presente. Mas somente com abnegação para não deixar que o descaso e o
abandono apaguem tudo de vez.
Infelizmente,
somente alguns se dão ao trabalho de afastar as traças em nome da preservação
e, muito mais, fazer conhecer ou reencontrar o antigo sublime e majestoso. O
professor Jairo Alves, por exemplo, a cada domingo nos coloca diante de
imponentes coretos para que as fanfarras ecoem retretas de transbordar os
saudosos corações. Talvez sequer não existisse mais a Aracaju antiga se não
fossem os contínuos registros feitos por Murilo Mellins.
O professor
Vilder possui tamanho aprofundamento na memória que mais parece já estar por
aqui desde os tempos do velho e tenaz cacique Serigy. De tudo recorda, sabe de
tudo, com esmero, em detalhes. Acaso pergunte como era os primórdios do Beco
dos Cocos e seus arredores e a vida noturna de antigamente em cabarés como o
Vaticano, Shangay e Miramar, Vilder é bem capaz de dizer nomes de cafetinas,
cafetões e daquelas mulheres tão mais formosas e perfumadas do que muitas de
agora.
Armando Maynard
possui páginas na internet onde são possíveis diversas leituras acerca do nosso
relicário histórico. Fotografias de antigas residências senhoriais, relatos
sobre renomados radialistas, jornalistas, repórteres e apresentadores de palco
televisivo. Costumes, tradições, festejos, sagrados e profanos, fatos e coisas
que marcaram o percurso sergipano. Também informações sobre os antigos
rendez-vous, os mais afamados, as orquestras que se apresentavam para uma
sociedade endinheirada e ávida pelo cangote de falsa francesa.
Mas não é nada
alentador a preocupação com a memória da cidade, com o seu passado, percurso e
destino. Certamente que há mais entristecimento e comoção do que alegria
perante o que ainda se mantém preservado. É que aquele que se preocupa com a
memória da cidade infelizmente se sente como afetado por uma punhalada toda vez
que a modernidade ou o anseio de lucratividade faz das relíquias históricas ou
arquitetônicas um mero brinquedo de derrubar ao chão.
Neste sentido,
verdadeiros absurdos são observados a cada dia. De um lado, de repente um
antigo casarão ou sobrado deixa de existir pela voracidade habitacional da
cidade, que a tudo derruba para o surgimento de prédios modernos. De outro, a
incúria dos órgãos de preservação do patrimônio histórico que, após o
tombamento, nem cuida nem deixa ninguém cuidar. A Rua da Frente é exemplo maior
desse descaso oficial, pois muitas edificações tendem a desabar a qualquer
instante pelo fato de estarem sob proteção federal.
E o que
aconteceu com o antigo casarão que por muito tempo foi lar residencial e de
poder da abastada família do usineiro Pedro Ribeiro e posteriormente abrigou a
Federação da Agricultura de Sergipe, na Rua Capela esquina com Rua Geru, no
centro da capital? Construção imponente, erguida para simbolizar a abastança
familiar, após passou a ser utilizada com outras finalidades, mas sempre
preservando grandiosa beleza arquitetônica nos seus dois andares. Com a saída
da federação, os usos posteriores foram deteriorando os espaços até surgirem os
primeiros sinais da fatal destinação.
Quando um muro
foi levantado para impedir os acessos ao antigo casarão, as paredes antigas,
tanto interiores como exteriores, já estavam em ruínas. Restava apenas uma
placa dizendo “Casa da Agricultura”. Mas noutro dia passei por lá e me espantei
com a cena, pois tudo já derrubado e no lugar da história a incerteza do novo.
A culpa certamente não é do empresário ou construtor que o adquiriu, mas de
quem caberia preservá-lo para uma útil destinação e acabou optando pela via do
lucro imediato.
Mas ainda
restam alguns restos. Felizmente sim, mas não se sabe até quando. Não fossem as
falsas paredes de acrílico que encobrem muitas fachadas, ainda seria possível
avistar antigas e belas formas arquitetônicas por todo o centro comercial, principalmente
na José do Prado Franco e imediações e mais adiante, nas áreas dos mercados.
Contudo, é na região dos mercados que se apresentam as fachadas vivas,
suntuosas, testemunhos maiores de um tempo de nobreza aracajuana.
Ainda há tempo
de preservar, de não deixar que a insaciável modernidade se arvore do direito
de tudo destruir. O antigo pode muito bem acolher o novo sem ser destruído ou
modificado nas suas formas. Os prédios da Associação Comercial e da OAB são
exemplos dessa responsabilidade histórica. Ainda bem.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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