O Movimento
de Pau de Colher foi um fenômeno messiânico e milenarista ocorrido
na Bahia na
primeira metade do século XX, e que culminou com o massacre de seus
participantes (chamados pela imprensa e populares de "fanáticos" ou
"caceteiros") por forças policiais militares de Pernambuco.
Iniciado em
1934 e com término em 1938, teve por principal figura o beato José Senhorinho,
seguidor das ideias religiosas do beato paraibano Severino
Tavares, por sua vez ligado ao movimento religioso do beato José Lourenço, líder do movimento
cearense do Caldeirão e que, junto a
outros muitos sertanejos, se instalaram no lugar de nome Pau de Colher no
município de Casa Nova, nas divisas baianas com o Piauí e
Pernambuco.
Contexto
histórico e geográfico[editar | editar código-fonte]
O Brasil
mergulhava na ditadura Vargas quando
o país assistiu a uma urbanização crescente, incremento da produção industrial,
êxodo rural e instalação da nova ordem política com o fim do coronelismo e seu
poder político.[1]
Na Bahia
grande repercussão teve o assassinato do Coronel Horácio de Matos no começo dadécada,
bem como a campanha contra Lampiãodurante todos os anos 30;
no breve período de restauração democrática de 1934-1936 o estado esboçou uma
normalidade institucional, mas não houve solução de continuidade no governo do
interventor nomeado, Juracy Magalhães, que comandou o estado de 1931 a
10 de novembro de 1937, quando instala-se o Estado Novo, e é nomeado interventor interino
o coronel Antônio Fernandes Dantas; este impõe forte
repressão policial na capital do estado, procede à queima de livros
considerados subversivos (como as obras deJorge
Amado ou Gilberto Freyre) e prende o líder opositor Nestor
Duarte, ficando no cargo até janeiro de 1938, quando assume Landulfo
Alves e ocorre o desfecho de Pau de Colher.[2]
No Ceará
ocorre o fenômeno religioso que gravita em torno da memória do Padre
Cícero(morto em 1934),[3] com
a figura de beatos, como a que se reunira num lugar chamado Caldeirão de Santa Cruz do Deserto,
próximo à cidade do Crato,
cuja figura principal foi o beato José Lourenço; este núcleo foi
perseguido (ou, segundo alguns, massacrado, embora isto não possua qualquer
comprovação factual) em 1937, fazendo com que vários de seus remanescentes
migrassem para o lugar da Bahia chamado de Pau de Colher, próximo à cidade
de Casa Nova.[4]
A fazenda Pau
de Colher deve este nome à árvore pau-de-colher[nota
1] ali abundante e que foi utilizada para a confecção do
"cacete" usado pelos sertanejos, donde também serem chamados pelos
locais de "caceteiros". Tal instrumento era por eles considerado
importante para a salvação,[3] e
era torneado em forma de cruz na parte superior, sendo empunhado com a mão
direita.[2]
Casa Nova era
a terra natal e domínio familiar do político Luís
Viana; situa-se na região do baixo-médio São Francisco, às margens do riacho do mesmo nome
e que aflui para aquele rio.[3] O
lugar era produtor de sal, produto essencial para a culinária e pecuária, cujo
comércio fez surgir o povoado e, em 1873, permitiu a emancipação da Vila de São
José de Casa Nova.[3] [nota
2]
Ressalta-se
que no interior do Nordeste a imensa maioria da
população era rural, iletrada e vivia sob um rígido sistemapatriarcal -
o que equivale dizer sob o jugo de poderosas famílias.[1] Ainda
dividida entre as forças emergentes urbanas, com as velhas oligarquias rurais,
o país assistia a uma divisão de forças que se confrontavam pois, nos anos
1930, as populações (urbana e rural) eram equivalentes.[1]
Os
"fanáticos" do Pau de Colher[editar | editar
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Diz o
historiador Dias Tavares que tudo teve início
no Caldeirão: "Essa manifestação do catolicismo brasileiro foi exterminada
em setembro de 1936 pela PM do Ceará e chegou à fazenda Pau de Colher com o
beato cearense Severino, em data imprecisa, mas não antes de 1935-1936".[6]
Contudo vários
historiadores registram que o local, muito antes disto (1932-1934), fora alvo
das preleções de um peregrino chamado Severino Tavares, que ali esteve no
começo daquela década, causando forte impressão nos moradores do lugar.[7]
Severino
Tavares, um paraibano (e não cearense, como afirmou Dias Tavares)
nascido por volta de 1885, profetizava uma "chuva de sangue" que
inundaria o sertão e somente os escolhidos poderiam se salvar. Mais tarde se
fixou em Juazeiro do Norte, onde conheceu José Lourenço Gomes
da Silva, cujo grupo religioso praticava a autoflagelação e possuía grande aproximação ao
Padre Cícero.[7]
Severino então
realiza peregrinações proféticas a Pau de Colher, dizendo-se ele próprio ser o
Espírito Santo e manifestando transes extáticos; recomenda que os fiéis efetuem
romarias até o Caldeirão, onde se estabelecera o beato Lourenço, a fim de
combaterem o anti-Cristo.[7] Ali
tem grande aceitação por parte de Senhorinho, um dos proprietários da fazenda
Pau de Colher que, quando o beato se foi, passa a reunir-se com outros aos
domingos, ocasião em que procedia à leitura da Bíblia e da Missão Abreviada.[8]
Viviam os
"fanáticos" de Pau de Colher um modo de vida que chocava a população
urbana, alvo principal da imprensa ao compor o quadro do lugar: vestiam-se de preto
em sinal de luto pela morte do Padre Cícero,[8] abandonavam
suas casas, plantações e criatórios; passavam a viver então em
"latadas"[nota
3] , comendo apenas feijão na água e sal, e rezando todo o dia para
alcançarem a salvação - num claro confronto com a ordem social que então se
construía.[1]
Ritualística[editar | editar código-fonte]
Em Pau de
Colher o principal dirigente era Senhorinho; ele quem conduzia os rituais, as
rezas; já bem cedo acordava os demais cantando quadrinhas como:[3]
Alevanta
pecador
Da cama em que está deitado
Vamos ver Jesus em tormentos
Pelos nossos grandes pecados.[3]
Da cama em que está deitado
Vamos ver Jesus em tormentos
Pelos nossos grandes pecados.[3]
Ou:
Alevante
pecador
Trata do que há de fazer
Vamos cuidar em nossa vida
Antes de morrer[2]
Trata do que há de fazer
Vamos cuidar em nossa vida
Antes de morrer[2]
Estes rituais
foram ensinados ali por Severino Tavares e tinham início no santuário que
ficava na casa de Senhorinho, situada no ponto mais elevado do lugar. Durante a
madrugada, em fila (mulheres à direita e homens à esquerda), tinha lugar a
primeira oração; Senhorinho percorria entre as filas, pulando sobre um só pé,
girando um rosário; então fazia uma pregação onde lembrava sua condição de
"perdido", "cachaceiro", antes de estar salvo; orações
católicas intercalavam no meio do rito, como a "Ave Maria", "Credo"
ou o "Ato de Contrição". As rezas se repetiam ao meio-dia e no cair
da noite.[3]
Regras
rígidas, tinham ainda de obedecer a princípios de irmandade, aos preceitos do
catolicismo e também a sérios preceitos morais, além da abstinência quanto aos
vícios e pleno respeito durante os atos religiosos (como, por exemplo, nunca
falar durante as preleções).[3]
Havia ainda um
ritual de salvação, sob um pé de juazeiro,
quando Senhorinho mandava que ali subissem para ver a nuvem que levaria a todos
até Caldeirão: "Quem não dependurava não ia pro céu", como disse uma
sobrevivente.[3]
Evolução do
movimento[editar | editar código-fonte]
O combate
feito aos religiosos do Caldeirão, em 1936, ainda hoje suscita controvérsias.
Segundo o pesquisador Domingos Sávio Cordeiro, que entrevistou vários
remanescente, nenhum fala em mortandade e ainda que o principal alvo da ação
policial se safara do cerco facilmente; segundo ele, o beato “Zé Lourenço
passou pelos policiais pedindo licença. Ele era um ancião e não foi
reconhecido. Ninguém fazia ideia de que o temido beato era apenas um velhinho
já cansado”; mas vários integrantes de uma ONG sustentam que
houve um massacre, sendo o mesmo até noticiado pela imprensa sulista da época.[4]
O fato foi que
em Pau de Colher, no final do ano seguinte (1937), um outro beato chamado
"Quinzeiro" ("Seu Joaquim", ou ainda "Seu Quim")
apareceu, manifestando a ideia de reerguer aquela missão cearense; ele
anunciava a morte do Beato Zé Lourenço, mas não teve maior importância para o
movimento, pois não era carismático.[7]
Surgiu a
partir disto entre os moradores de Pau de Colher o mito de que deveriam erguer
em terras cearenses um "Paraíso Terreno", que receberia o novo
Messias. Este fato fez com que muitos historiadores tratassem os fatos de Pau
de Colher como um prosseguimento dos eventos ocorridos no Ceará, uma mera
"etapa" e não um fato próprio, o que seria um erro pois ambos
coexistiam desde 1934.[7]
Peregrinar até
Caldeirão passou a ser uma demonstração de compromisso de fé; aqueles que
discordaram eram considerados impuros, hereges; começam
a surgir reações violentas contra aquilo que diziam ser uma interferência do
demônio.[7] Por
outro lado o povoado continuava a atrair grandes contingentes de sertanejos,
causando perturbação entre os produtores rurais da região.[2] [7]
A figura
carismática de Senhorinho, a religiosidade extrema do sertanejo, atraíam mais e
mais pessoas que ali chegavam todos os dias, e armavam suas
"latadas", abraçando aquele modo de vida de penúria e abnegação,
confiantes na promessa de uma nova vida.[3]
Senhorinho
dividia as tarefas religiosas com o José Camilo, Luiz Dentão, João Damásio,
Pedro Benvenuto, Anjo Cabaça e com as mulheres “santas”.[3]
A 5 de janeiro
de 1938 há relatos de que os religiosos atacaram, no Piauí, a fazenda Olho
Dágua ( Grotão )de propriedade de João Rodrigues de Sousa ( Janjão que na época
tinha 25 anos ) e de sua esposa: Maria de Oliveira Rodrigues, ali matando cerca
de 20 pessoas, dentre eles o avô materno do grande sanfoneiro Raimundo do
Mundico. O ex-prefeito de Casa Nova, Raimundo Estrela, autor de um
livro sobre o massacre, e que havia atuado como médico do exército na campanha
de Pau de Colher, registra que foram 12 os mortos ali, dois dos quais crianças.[9] Também
há relatos de que uma semana antes do ataque à fazenda do Janjão, outra chacina
coordenada pelos "caceteiros" matou 06 pessoas na fazenda Barra do
Jesuíno.
O combate aos
"fanáticos"[editar | editar código-fonte]
No dia 10 de
janeiro de 1938 o pequeno grupamento policial de Casa Nova, composto pelo
sargento Geraldo Bispo dos Santos, um cabo e quatro policiais procede a um
ataque a Pau de Colher. Reagindo, os religiosos cercam os soldados e os matam a
pancadas.[2]
Já o governo
federal programara uma reação, através do Destacamento do Vale do São
Francisco, e se passou a estudar um ataque ao reduto que, informara-se, era de
seguidores docomunismo.
Tropas também são mobilizadas em Salvador e,
no deslocamento, apreendem pessoas que informam tratar-se de um fenômeno de
psicose coletiva, que acometia aos que ouviam Senhorinho.[3]
Quando chegam
ao lugar, contudo, este já fora atacado pelo destacamento da polícia militar de
Pernambuco, sob o comando do capitão Optato Gueiros. Este cercara Pau de Colher
com seus homens, procedendo ao morticínio dos que lá estavam. Em telegrama,
dado o elevado número de mortos, Gueiros informava seu "êxito":
"Impossibilitado sepultamento determinei incineração. (...) Fiz
vasculhamento circunvizinhança encontrando apenas crianças e mulheres indefesas”[3]
Relatos do
massacre[editar | editar código-fonte]
O cerco da
polícia pernambucana, tropa composta por 97 homens, durou 3 dias: de 19 a 21 de
janeiro de 1938. Dentre os homens que acompanharam os agentes do estado estava
um pistoleiro, Norberto Pereira, que num certo momento retirou uma criança que
estava no colo da mãe, assassinada pelo intenso tiroteio; mulheres se atiravam
na frente dos fuzis, tentando salvar seus filhos, pois ninguém escava às balas
contra os religiosos.[9]
Em seu
relatório, o Capitão Optato registrou 157 mortos no povoado de Pau de Colher, e
ainda 40 por uma patrulha piauiense.[9]
Consequências[editar | editar código-fonte]
O interventor
Landulfo Alves, ao tomar ciência a incursão de agentes do estado vizinho em
território baiano, reagiu mandando um ofício a Agamenon Magalhães, seu congênere em Pernambuco.
Este respondeu com uma defesa veemente, na qual demonstrava que assim agira por
conta de um convênio celebrado ainda nos tempos de Juracy Magalhães, que
assegurava o livre trânsito das tropas sob seu comando sem se importar com fronteiras.[2]
As crianças
órfãs ou cujos pais foram presos, eram levadas para as "carroças da
salvação" e enviadas para a capital baiana onde seriam usadas para o trabalho
doméstico, em regime de escravidão.[9] [nota
4]
Episódio ainda
obscuro na história nordestina, no final do século XX pesquisadores procuraram
registrar depoimentos dos seus remanescentes. Num claro exemplo de que o
episódio deixara marcas indeléveis em seus protagonistas, o sobrevivente José
Camilo declarou, na sua fala simples, que "Não há interesse, eu não conto
porque pra eu contar, invés de eu aliverá minha situação, vai me servir de
perseguição".[8]
Sobre as
vítimas, na historiografia de Dias Tavares, apenas o registro de que
"resultou elevado número de mortos".[2]
Notas e
referências
Notas
Ir
para cima↑ Peschiera lacta (pau-de-colher ou bom-nome)
é uma árvore provida de látex, da família das apocináceas que
ocorre no Brasil em mata pluvial e na restinga[5] .
Ir
para cima↑ Com a construção, em 1971, daBarragem de Sobradinho, a antiga cidade de
Casa Nova e outras vieram a ser inundadas pelas águas do rio S. Francisco.[3]
Ir
para cima↑ Trempe de paus com uma cobertura simples de marmelo, sem
qualquer parede.
Ir
para cima↑ Do porto de Casa Nova eram as crianças embarcadas num vapor
do S. Francisco até Juazeiro e,
dali, enviadas de trem para Salvador, com objetivo de serem entregues a
famílias ricas para os serviços domésticos destas.[9]
Referências
↑ Ir
para:a b c d Gilmário
Moreira Brito (1999). Pau de Colher: na letra e na voz PUC/SP [S.l.]
p. 48-51. ISBN
8528301729.
↑ Ir
para:a b c d e f g Luís Henrique Dias Tavares (2006). História
da Bahia Edufba [S.l.] p. 378-413. ISBN
8523202390.
↑ Ir
para:a b c d e f g h i j k l m n o Ana
Lúcia A. L. Leandro (2003). «O MOVIMENTO
DE PAU DE COLHER NA PERSPECTIVA DOS ATORES SOCIAIS» (PDF). UFPE.
Consultado em 11/11/2013.
↑ Ir
para:a b Daniel
Aderaldo (06/08/2011). «Ceará
tenta desvendar mistério do massacre do Caldeirão». ultimosegundo.ig.
Consultado em 12/11/2013.
Ir
para cima↑ Dicionário Aurélio, verbete pau-de-colher
Ir
para cima↑ TAVARES, op. cit., pág. 426
↑ Ir
para:a b c d e f g F.
P. Monteiro (2013). «Peregrinação,
violência e demonofobia em Pau de Colher». ABBR (PLURA, Revista de Estudos
de Religião, vol. 4, nº 1, p. 62-92). Consultado em 12/11/2013.
↑ Ir
para:a b c Gilmário
Moreira Brito (novembro de 1998). «Memórias
de e sobre Pau de Colher: como os sujeitos se lembram». Proj. História PUC.
Consultado em 12/11/2013.
↑ Ir
para:a b c d e s/a
(19 de dezembro de 2010). «Guerra
de Pau de Colher». O Estado de S. Paulo. Consultado em 14/11/2013.
Bibliografia
complementar[editar | editar código-fonte]
O Commons possui uma categoriacontendo
imagens e outros ficheiros sobre Movimento
de Pau de Colher
Além das obras
usadas para referenciar o verbete, poderá consultar:
DAMASCENO,
Marcos Oliveira. Guerra de Pau de Colher: massacre à sombra da ditadura
Vargas, ed. Zodíaco.
ESTRELA,
Raimundo. Pau-de-Colher, um pequeno Canudos: Conotações políticas e
ideológicas
MALVEZZI,
Roberto. História de Pau de Colher - o último grande movimento messiânico
do Brasil, ed. Diocese de Juazeiro.
OLIVEIRA, Ruy
Bruno Bacelar de.De Caldeirão a Pau de Colher: A guerra dos caceteiros, ed.
Engeo, Vitória da Conquista, 2001.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_de_Pau_de_Colher
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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