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quinta-feira, 21 de julho de 2016

DO BAÚ ANTIGO

*Rangel Alves da Costa

Olha a singeleza das coisas! Em Poço Redondo, pelos arredores de onde atualmente está a pretensa imagem da santa padroeira, havia um jardim de pedrinhas brancas, com um cruzeiro ao meio, e bancos de pedras em cada esquina. No cruzeiro, que subia pela sua cruz de madeira, abaixo havia como se uma pequena bancada rodeando toda a sua extensão. Obra do prefeito Cândido Luís de Sá, eleito vereador e presidente da Câmara Municipal, mas que assumiu a prefeitura quando o então prefeito Durval Rodrigues Rosa foi deposto pelos militares de 64.

Sim, não era um jardim florido, fato que se daria somente a partir da administração Alcino Alves Costa, que aos 27 anos assumiu os destinos do município em 1967. Aliás, foi a gestão Alcino que povoou a sede municipal com os belos e deslumbrantes jardins. A Praça da Matriz era um canteiro florido de canto a outro, porém nada igual ao que se avistava na Praça Arnaldo Rollemberg Garcez, atual Eudócia. Toda planificada, arborizada, florida e contando ainda com uma fonte luminosa que era o fascínio da população. As águas subiam, dançavam no ar, cintilando entre luzes e cores de verdadeira magia.

As praças construídas por Alcino ainda estão na memória saudosa de todos. Só mesmo quem viveu aqueles tempos para alegremente recordar, mas, ao mesmo tempo, sofrer e chorar pela situação atual das praças municipais. Havia gente que entrava na cidade somente para fotografar nas praças e jardins. Hoje, infelizmente, nem mesmo o poço-redondense mais politicamente apaixonado pode dizer que há uma praça ao menos conservada na sede municipal. Tudo ao abandono, ao descaso, ao caos. E o último canteiro florido que havia na cidade, que era o jardim de Dona Mazé Crente, foi parcialmente destruído com a conivência criminosa da administração municipal.


Mas voltando à pracinha construída por Seu Candinho quando prefeito. Como dito acima, não era florida nem abundantemente arborizada, mas de uma meiguice e singeleza sem igual. Do quadrado do cruzeiro, com suas pedrinhas brancas, pequenas artérias desciam pelas laterais até chegar ao passeio rodeando toda a praça. E ao longo do passeio bancos de cimento espalhados pelas esquinas e nas partes centrais. Quantas serestas apaixonadas já foram ali realizadas, madrugando adentro, ao som de violões e mesmo da sanfona de Zé Goití: Saudades de Matão, ai quanta saudade!

Contudo, era Alcino o mais fascinado por aquele cruzeiro da pracinha. Moço bem apessoado, um Don Juan daquelas redondezas matutas, era metido a namorador (e namorava mesmo), ainda que casado. Então, no intuito de despertar corações, enviando cartinhas e bilhetes através de cada letra música, ele, já altas horas da noite, chegava à pracinha levando uma radiola e um punhado de discos. Música sertaneja, caipira de raiz, mas sempre amorosa, apaixonada. Colocava o disco na vitrola e ficava de pé, cantarolando de olhos fechados, gesticulando em direção ao luar (e às janelas entreabertas).

Aquela pracinha representou o lado mais poético que havia em Alcino. Enquanto mais cedo, jovens ali sentavam à espera das amadas, e quando elas chegavam se mantinham lado a lado, apenas segurando à mão, Alcino gritava de coração aberto. Um grito nascido de sua paixão pela música e também por aquelas musas imaginadas em cada canção. Segundo ele, tinha certeza que muita mulher chorava entre as frestas da janela ou embaixo dos travesseiros.

Era bonito avistar os namorados sentados naqueles bancos. Quando a noite era de lua cheia, as pedrinhas pareciam brilhar. Então surgia um mar embranquecido dentro da noite sertaneja. Um mar de amor até antes das dez da noite, pois a partir daí o coreto e arredores eram dos noctívagos, dos seresteiros. E principalmente de Alcino, que transformava o silêncio da noite em voz gritante ao coração. Recordo um Poço Redondo assim, e que saudade me dá!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

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