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terça-feira, 18 de outubro de 2016

LEMBRANÇAS DE MARTE

*Rangel Alves da Costa

Três anos por lá, convivendo com o planeta vermelho, mas eis que de repente fui devolvido a terra. E acordei numa praia distante de meu ponto de partida: o alto da mais alta montanha.

De marte sinto saudades. De marte eu trouxe boas recordações. Porém muito mais na memória que no meu diário. Aliás, o diário foi a única coisa que me acompanhou quando de lá me despedi.

Parecendo o Pequeno Príncipe de Exupéry, logicamente por conter muitos desenhos ao lado dos escritos e descrições, o meu Diário de Marte é hoje relíquia que dorme comigo debaixo do travesseiro.

Abro o meu diário assim: “Aqui o Diário de Marte. Nele o testemunho de tudo o que vivi e presenciei desde a minha chegada, numa data qualquer de 1963, pois o meu relógio já não guarda mais nenhuma lembrança da terra. Daqui em diante o meu viver noutro mundo...”.

Recordo muito bem que nem esperei a nave partir em retorno para reconhecer ali como o meu futuro lar. Mas antes de qualquer caminhada escolhi a fenda entre duas rochas e ali instalei minha moradia. Uma lona à frente e uma rede de dormir estendida no interior.

Já pronto para caminhar por aquele chão ora íngreme e pedregoso ora de areia desértica, logo avistei um monte bem alto ao longe. Estava descrito no meu mapa de viagem: o Monte Olimpo. Não a morada dos deuses gregos, mas talvez a moradia de outros deuses extraterrestres.

Deuses e seres extraterrestres, desconhecidos e tão instigantes, e, acaso realmente existentes, eu precisaria conhecê-los. Não temia reações adversas nem tornar-me prisioneiro marciano, pois também projetadas tais possíveis situações. Mas tudo faria para mostrar que o da terra nada mais era que um amigo intergaláctico.

Contudo, deixei para desvendar os mistérios do monte depois, pois precisava conhecer mais pelos arredores. E não demorou muito encontrei um verdadeiro abismo à minha frente. E se eu desse mais uns dois passos adiante poderia ter caído no Valles Marineris. E seria o meu fim.


Apesar do clima desértico, do calor e da aridez, era primavera em marte. Encontrei um jardim marciano e achei a coisa mais estranha: flores e espinhos de pedras ou outro objeto endurecido da cor de ferrugem. Quando levei a mão para colher uma flor, eis que ela se dissolveu completamente, fazendo escorrer uma água perfumada sobre os meus dedos.

Então havia encontrado a solução para matar a sede. Durante todo o tempo que passei ali foi água de flor que sempre bebi. O problema era quando a primavera acabava e as flores desapareciam. Mas quando a sede se tornou insuportável, logo busquei uma solução.

A noite em marte era gélida de fazer tremer o corpo inteiro. Mas eu caminhava em meio ao intenso frio para colocar vasos de pedras embaixo dos picos montanhosos. Como o gelo se formava a noite inteira, ao surgir a claridade aquecida tudo começava a respingar. E caía dentro de meus vasos de pedras. Então eu bebia aquela água com gosto de tangerina.

Aliás, tudo tinha gosto e cheiro de tangerina. O vento soprava cheirando a tangerina, a água tinha gosto de tangerina, até mesmo as formações rochosas tinham aparências de imensas tangerinas. Quando anoitecia, eu olhava para o alto e avistava, em pontos diferentes, duas tangerinas brilhando. Eram as duas luas de marte.

Mas outro e inesperado problema começou a me acontecer. Depois que a noite caía, a solidão aumentava e eu me sentia cada vez mais apaixonado, verdadeiramente atormentado, e assim por um fato também estranhíssimo acontecido por lá, e envolvendo a lua. A lua não, as luas tangerinas de marte. Cada uma mais bonita, poética e apaixonante que a outra.

Era uma paixão diferente, um amor diferente, pois por alguém que certamente estava próxima. Mas como eu me apaixonar por uma marciana se eu nem sabia que ali existia alguma nem como seria sua feição?

Mas a paixão aumentou de tal modo que eu não mais suportei. Tomei a direção de uma das luas e segui adiante, atrás do motivo daquela paixão. Completamente atordoado, eis que cheguei ao Monte Olimpo. E ao olhar para o alto, avistei uma placa com os seguintes dizeres: Impossível amar em Marte.

Tomado de repentina loucura por aquela impossibilidade, corri para me jogar do Valles Marineris e sucumbir de vez embaixo do precipício. Faltando apenas um passo para o adeus final, uma mão segurou-me por trás. E uma voz me disse: Sou eu, sua marciana. É impossível amar em marte, mas não na terra. Então retorne que eu o encontrarei.

E depois disso apaguei de vez. Despertei numa beira de praia, já de retorno. Desde então fico olhando da janela para ver se avisto as duas luas. E também esperando o meu amor chegar, assim tão bela e tão doce, cheirando a tangerina.

Escritor
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