*Rangel Alves
da Costa
Três anos por
lá, convivendo com o planeta vermelho, mas eis que de repente fui devolvido a
terra. E acordei numa praia distante de meu ponto de partida: o alto da mais
alta montanha.
De marte sinto
saudades. De marte eu trouxe boas recordações. Porém muito mais na memória que
no meu diário. Aliás, o diário foi a única coisa que me acompanhou quando de lá
me despedi.
Parecendo o
Pequeno Príncipe de Exupéry, logicamente por conter muitos desenhos ao lado dos
escritos e descrições, o meu Diário de Marte é hoje relíquia que dorme comigo
debaixo do travesseiro.
Abro o meu
diário assim: “Aqui o Diário de Marte. Nele o testemunho de tudo o que vivi e
presenciei desde a minha chegada, numa data qualquer de 1963, pois o meu
relógio já não guarda mais nenhuma lembrança da terra. Daqui em diante o meu
viver noutro mundo...”.
Recordo muito
bem que nem esperei a nave partir em retorno para reconhecer ali como o meu
futuro lar. Mas antes de qualquer caminhada escolhi a fenda entre duas rochas e
ali instalei minha moradia. Uma lona à frente e uma rede de dormir estendida no
interior.
Já pronto para
caminhar por aquele chão ora íngreme e pedregoso ora de areia desértica, logo
avistei um monte bem alto ao longe. Estava descrito no meu mapa de viagem: o
Monte Olimpo. Não a morada dos deuses gregos, mas talvez a moradia de outros
deuses extraterrestres.
Deuses e seres
extraterrestres, desconhecidos e tão instigantes, e, acaso realmente
existentes, eu precisaria conhecê-los. Não temia reações adversas nem tornar-me
prisioneiro marciano, pois também projetadas tais possíveis situações. Mas tudo
faria para mostrar que o da terra nada mais era que um amigo intergaláctico.
Contudo,
deixei para desvendar os mistérios do monte depois, pois precisava conhecer
mais pelos arredores. E não demorou muito encontrei um verdadeiro abismo à
minha frente. E se eu desse mais uns dois passos adiante poderia ter caído no
Valles Marineris. E seria o meu fim.
Apesar do
clima desértico, do calor e da aridez, era primavera em marte. Encontrei um
jardim marciano e achei a coisa mais estranha: flores e espinhos de pedras ou
outro objeto endurecido da cor de ferrugem. Quando levei a mão para colher uma
flor, eis que ela se dissolveu completamente, fazendo escorrer uma água
perfumada sobre os meus dedos.
Então havia
encontrado a solução para matar a sede. Durante todo o tempo que passei ali foi
água de flor que sempre bebi. O problema era quando a primavera acabava e as
flores desapareciam. Mas quando a sede se tornou insuportável, logo busquei uma
solução.
A noite em
marte era gélida de fazer tremer o corpo inteiro. Mas eu caminhava em meio ao
intenso frio para colocar vasos de pedras embaixo dos picos montanhosos. Como o
gelo se formava a noite inteira, ao surgir a claridade aquecida tudo começava a
respingar. E caía dentro de meus vasos de pedras. Então eu bebia aquela água
com gosto de tangerina.
Aliás, tudo
tinha gosto e cheiro de tangerina. O vento soprava cheirando a tangerina, a
água tinha gosto de tangerina, até mesmo as formações rochosas tinham
aparências de imensas tangerinas. Quando anoitecia, eu olhava para o alto e
avistava, em pontos diferentes, duas tangerinas brilhando. Eram as duas luas de
marte.
Mas outro e
inesperado problema começou a me acontecer. Depois que a noite caía, a solidão
aumentava e eu me sentia cada vez mais apaixonado, verdadeiramente atormentado,
e assim por um fato também estranhíssimo acontecido por lá, e envolvendo a lua.
A lua não, as luas tangerinas de marte. Cada uma mais bonita, poética e
apaixonante que a outra.
Era uma paixão
diferente, um amor diferente, pois por alguém que certamente estava próxima.
Mas como eu me apaixonar por uma marciana se eu nem sabia que ali existia
alguma nem como seria sua feição?
Mas a paixão
aumentou de tal modo que eu não mais suportei. Tomei a direção de uma das luas
e segui adiante, atrás do motivo daquela paixão. Completamente atordoado, eis
que cheguei ao Monte Olimpo. E ao olhar para o alto, avistei uma placa com os
seguintes dizeres: Impossível amar em Marte.
Tomado de
repentina loucura por aquela impossibilidade, corri para me jogar do Valles
Marineris e sucumbir de vez embaixo do precipício. Faltando apenas um passo
para o adeus final, uma mão segurou-me por trás. E uma voz me disse: Sou eu,
sua marciana. É impossível amar em marte, mas não na terra. Então retorne que
eu o encontrarei.
E depois disso
apaguei de vez. Despertei numa beira de praia, já de retorno. Desde então fico
olhando da janela para ver se avisto as duas luas. E também esperando o meu
amor chegar, assim tão bela e tão doce, cheirando a tangerina.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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