Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
Imagem ilustrativa do jornal O GLOBO - 05/11/1934 - Missa de sétimo de padre Cícero
É PRECISO QUE
O GOVERNO NÃO COMETA OS MESMOS ERROS QUE PROVOCARAM A LUTA VERGONHOSA DE
CANUDOS
A multidão
nordestina é confusa. Um rebanho andrajoso, burburinhante, dotado de incrível
resistência e de bravura selvagem. Mas debaixo da aparência humilde, guarda
ímpetos tigrinos. Quando a cachaça, nas feiras e nas diversões do verde, enche
os cérebros e desata as línguas é que a gente vê de quanta agressividade são
feitos aqueles homens mansos que se ajoelham para tomar a benção aos pais, e
tratam todo o mundo por vossa senhoria...
Os
fazendeiros, donos das terras, ensinaram-lhes a obediência.
Eles sofrem as fomes trágicas da seca.
Eles sofrem as sedes longas.
Massa para que suportem tudo isto resignadamente é necessário que vejam diante de si um chefe, que os contenha pela catequese, pelo embuste ou pelo respeito.
Senão rebelam-se. E fracionam-se em guerrilhas, cada qual obedecendo à vontade e ao prestígio de um pequeno caudilho. E lançam-se no saque de propriedades isoladas, nas tocaias contra a polícia, na execução sumaríssima dos que os espionam ou denunciam.
O cangaço é isto, uma força primitiva, e inútil, de protesto.
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As populações
não sabem, mas sentem que é assim.
E é por esta razão que o cangaceiro, enquanto não resvala para a crueldade, para o homicídio, por prazer, a que a própria condição de vida o leva, encontra sempre uma acolhida amistosa nos ranchos pobres.
O nome de Jesuíno Brilhante ainda hoje é um ídolo. E por todos os terreiros, nas noites calmas de palestra, as crianças continuam ouvindo a história daquele dia em que ele desempenado e audacioso aprisionou um comboio de víveres que o Governo mandava para os flagelados do Ceará e presidiu a distribuição – para que o povo não fosse roubado pelos agentes oficiais.
Ora, o caso de
Juazeiro é muito mais grave. Ali, sobre os fatores sociais e econômicos que
levam o sertanejo à luta, atuam os fatores de uma psicose religiosa alimentada
e volvida de mil maneiras, durante desenvolvida de mil maneiras, durante
dezenas de anos.
Os fanáticos do padre Cícero adoram já um boi – porque era do padre Cícero, e fizera milagres!
Nas mais longínquas paragens do Nordeste há famílias inteiras submetidas ao fascínio da Meca cearense.
E o nome do taumaturgo era invocado, mesmo em vida, em substituição ao nome de Deus!
Quando as várzeas estafavam sob o sol, e o gado, titubeante, fantasmal, fossava em vão a lama das aguadas e exauridas, por todas as ribeiras desfilavam procissões pedindo a chuva salvadora. Mas pedindo ao padrinho:
“Cícero Romão
Batista,
Mandai chuva por favor:
Pela História Consagrada,
Pelo sangue do Senhor!”
Mandai chuva por favor:
Pela História Consagrada,
Pelo sangue do Senhor!”
O Governo
talvez não tenha conhecimento destas coisas...
Mas é preciso ter, e não se entregar a imprudências, porque basta que um dos discípulos do padre Cícero, um beato ou um penitente, encabece a inquietação coletiva, para que se opere na cidade dos romeiros uma reedição de Canudos – mais ampla, mais sangrenta, mais vergonhosa aos nossos olhos de civilizados...
Não é com a polícia que se resolverão os incidentes em Juazeiro. As tropas armadas, tiroteando os caboclos, irão agravar imensamente a situação: criarão no Nordeste um estado de guerra santa.
E o país perderá milhares de vidas e gastará milhares de contos.
E não vencerá, como não venceu na cidade-mundo de Antônio Conselheiro.
Fonte: Jornal
O GLOBO - 05/11/1934
Imagem
ilustrativa do jornal -
Missa de sétimo de padre Cícero
Missa de sétimo de padre Cícero
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