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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O ASSASSINATO DE DELMIRO


Recife, 14 de setembro de 1968

A noite era quente e abafada como costumam ser as noites de verão no sertão nordestino. Firmino Rodrigues Pereira, a última pessoa que falou com o coronel Delmiro, declara tê-lo deixado a ler tranquilamente o “Jornal de Alagoas” no alpendre da casa de “Dona Jovem”.

Algumas pessoas asseguraram que a luz elétrica foi cortada por alguns segundos e, nesse ínterim, passou um desconhecido com um lampião a querosene aceso diante da varanda de D. Jovem. Então, ouviram-se os tiros.

Os pesquisadores não acreditam muito no corte de luz, porque Delmiro era um homem prevenidíssimo; o corte o teria alertado.

Diz ainda Firmino, um dos acusados de mandante do crime, apesar de sua amizade com o Pioneiro, que ao chegar em casa aquela noite, antes de tirar o paletó, ouviu ruídos como de pancada. “Que pancadas são essas?”, teria perguntado a sua mulher, ao que ela respondeu: “que pancada que nada! Foi tiro, e no Coronel Delmiro”.

Firmino chegou ao local do crime ainda a tempo de amparar a vítima. Dizem que ao cair Delmiro perguntou: “Já prenderam os cabras?”.

Levado para um quarto, Delmiro pediu que lhe tirassem o paletó. Firmino Rodrigues estava nervoso e desorientado, naquele momento de aflição, demorando-se um pouco em cumprir o pedido. O industrial solicitou então que o paletó fosse rasgado, o que se fez. Logo depois ele pedia que lhe rasgassem a camisa. Os presentes viram então, no peito, bem em cima do coração, orifício de uma bala, do qual saia um pouco de sangue. Delmiro morreu antes de ser socorrido pelo médico. Dizem os presentes que suas últimas palavras foram: “Valha-me... Nossa... Senhora...”, ditas compassadamente, muito devagar.

O impávido industrial sepultado no dia seguinte, sem pompas, conforme ele mesmo determinara em seu testamento. A morte de Delmiro foi chorada em prosa e verso pelo povo que inclusive, denunciava os criminosos:


“Quando o enterro de Delmiro
Foi pela rua passando,
parece que a gente ouvia
a cachoeira chorando

Mataram senhor Delmiro
num dia de quarta-feira
mandada por Zé Rodrigues
Foi aquela cabroeira.”


Coronel José Rodrigues de Lima, chefe político e intendente de Piranhas - AL, foi um dos acusados, devido a interesses contrariados e aborrecimentos por questões de fornecimento de lenha a Paulo Afonso. Era comprador de peles e de certo vira diminuir-se seu movimento comercial desde que Delmiro se instalara em Pedra.

Outro apontado como mandante do crime foi José Gomes, chefe político de Jatobá, hoje Tacaratu, Pernambuco, cuja filha de criação Delmiro raptara quinze anos antes. Hipótese completamente fantasiosa. Firmino Rodrigues foi acusado por motivos tão fantasiosos quanto os que justificaram a acusação de José Gomes.

A Machine Cottons apenas foi apontada dez anos depois do assassinato, quando, “discretamente”, conseguiu comprar a maquinaria da fábrica de linhas de Pedra, sua única concorrente, inutilizando-a e jogando-a no Rio São Francisco. Este procedimento, que lembra o de Roma na conquista de Cartago, chamou atenção dos interessados no caso.

As autoridades encarregadas de investigar o homicídio prenderam os três supostos mandatários: Róseo Morais do Nascimento, José Inácio Pia, vulgo “Jacaré” e Antônio Felix do Nascimento, conhecido como Leão.

Róseo e Jacaré

A princípio, Róseo e “Jacaré” acusaram José Rodrigues como mandante do crime, concordando com uma versão da política segundo a qual teriam encontrado aquele chefe político às margens do Rio Piranhas (não confundir com Ipiranga) e combinado os detalhes do atentado. Interrogados separadamente, a pedido do advogado de José Rodrigues, caíram em contradição. Enfim declararam ter confessado o crime sob coação e espancamento. Retiradas as camisas que vestiam, todos viram que os homens tinham sido impiedosamente seviciados.

Foram condenados a 30 anos de prisão simples. Por ocasião da transferência dos supostos criminosos de Água Branca para Maceió, os jornais de Alagoas noticiaram: “Aí vem três feras – Somente anteontem partiram de Água Branca para serem recolhidos à Casa de Detenção os perversos assassinos de Delmiro Gouveia, os quais acabam de, pelo moralizado júri daquela comarca, receber a confirmação do devido castigo que mereciam. Conduz as feras o Tenente Manoel Lucena”.

Uma das “feras”, a mais perigosa era José Inácio Pia, “Jacaré”, homem franzino e doente “pois tinha uma costela quebrada a coice de fuzil e uma cicatriz no lado superior da vista esquerda, de tacão de botinas dos soldados do Capitão Pedro Nolasco”. Evadiu-se da penitenciária duas vezes, sendo morto em tiroteio com a polícia, quando de sua captura, Jacaré jamais admitiu ter assassinado Delmiro Gouveia. Por ocasião do júri, declarou nunca ter confessado o crime. O seu compadre Róseo, não aguentado mais o “interrogatório” do Capitão Nolasco, foi quem confessou, para se contradizer logo depois. A “fera” Róseo Morais do Nascimento é um homem que não fez queixa, “não demonstra ódio ou hostilidade. Notei apenas que estremeceu e ficou com as feições alteradas quando falei de Capitão Pedro Nolasco”, diz Lima Júnior no seu livro.

Róseo – que ainda hoje se diz inocente – cumpriu apenas 14 anos, 9 meses e 15 dias de prisão, sendo solto imediatamente por decreto de Tasso de Oliveira Tinoco, que reduziu e comutou diversas penas, entre elas a de Róseo para 10 anos de prisão simples.

Na noite do assassinato, os “criminosos” dormiam na estação de Jarapatuba, rumo à Bahia. Na tarde de 11, saltaram em Maroim lá começando a trabalhar como pedreiros. Cientes de sua acusação, conseguiram declaração do industrial que os empregara, dizendo ser impossível a autoria do crime, pois Róseo e “Jacaré”, naquele dia, estavam bastante longe de Pedra, depois de lhes ter prestado serviço por alguns dias. De nada adiantou a declaração nem outros testemunhos evidentes.

O importante para a Polícia era achar um bode expiatório, não importa quem, contanto que ela dê impressão de competência e bons serviços. Aliás, isto não é peculiaridade da polícia brasileira, não. Os Estados Unidos, protótipo da civilização ocidental, empregam amiúde este “método” de investigação e tem dado sobejos exemplos de sua eficiência: desde a tragédia de Sacco e Vanzetti, passando pelo Barbara Gran, o assassinato das oito enfermeiras, culminando com a tragédia da “Família Kennedy”.


Nascido a 5 de junho de 1863, em Ipu, Ceará, Delmiro Gouveia, instalou o primeiro Mercado Modelo do Brasil, nesta capital, Recife, onde é hoje o parque Derby. Em Alagoas construiu 520 quilômetros de estradas. Na cidade de Pedra, Alagoas edificou uma fábrica de linha de cozer que, no início do século abasteceu todo o mercado brasileiro e os dos países vizinhos. Aí está a razão de sua morte. Se alguém perguntar a qualquer nordestino, quem matou Delmiro Gouveia, ele responderá: “A Machine Cottons”. Para as autoridades, porém o assassinato continua sendo um mistério. Mas, justiça se faça a Cia. Inglesa: ela deve ter ponderado que o pioneiro nascera fora de tempo, e cuidou de providenciar o acerto das coisas. Se fosse ainda o tempo da Inquisição Delmiro seria assado vivo numa monumental fogueira erigida pela Machine Cottons. Fácil seria provar ser Delmiro feiticeiro; não vivia o homem a fazer diabruras. Coisas incríveis? O seu mercado modelo, no Derby, e sua fábrica de linhas em Pedra, não eram eletrificadas por ele, quando no Brasil ainda nem se ouvia falar em luz elétrica?

http://memo-delmirogouveia.blogspot.com.br/2008_11_16_archive.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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