*Rangel Alves
da Costa
Mesmo aqui na
distância, desde muito que espero sua visita. Sei que a estrada é longa, mas é
sombreada. Sei que possui muitas curvas, mas também a certeza da chegada. Por
isso não se demore, venha logo me visitar. Hei de preparar um bule de café
torrado, daquele que vai perfumando todo o arredor e além. Um pedaço de bolo de
leite ou macaxeira, broa de milho e o restante servido no proseado.
O tempo passa
correndo, os dias vão sumindo sem olhar pra trás. Mesmo o ontem já parece
envelhecido demais, quanto mais anos e mais anos sem um reencontro. Os espelhos
só nos reconhecem porque vivem pendurados na moldura de nossas vidas, de nossas
existências. Os dias que se vão e a idade se avolumando somente servem para os
baús das recordações. De útil mesmo só as relembranças, pois o resto é doloroso
demais. Então venha, venha que estou lhe esperando.
Tire o alforje
desse canto, cate o cantil na despensa, sele o velho alazão e espere a aurora
mais bonita que houver, depois abra a cancela pra pegar a estrada. Uma estrada
longa, certamente um galope misto de prazer e tristeza no cortar chão em meio
ao que resta da natureza. Mas ainda avistará árvores nativas imponentes,
catingueiras recurvadas, aroeiras, baraúnas, juazeiros, cedro de tronco de
pedra e casca ferrosa.
Preciso muito
reencontrar os amigos. Minha porteira parece petrificada e já não é aberta como
antigamente. Noutros idos, quase todos os dias eu ouvia alguém chegando para
uma visitinha. A casa é a mesma, no mesmo lugar, as distâncias não aumentaram,
mas os caminhos agora parecem mais esquecidos. De vez em quando me sento ao
lado da janela com o olhar fixo na estrada, e assim fico hora após hora, então
adormeço sem divisar ao longe qualquer aproximação de amigo.
Não há nada
mais solitário e triste que o sentimento de se estar esquecido. Eu ouvia sempre
alguém dizer que a posse e o poder tornam as pessoas serem lembradas e
constantemente visitadas, o que não ocorre quando as mínguas batem à porta. Mas
este não é o meu caso, pois toda minha fortuna sempre foi o viver numa casinha
distante de tudo. E na companhia de muitos livros, de cadernos rabiscados por
mim e velharias que prazerosamente guardo como sentimentais relicários.
Vivo aqui na
distância de tudo por que gosto desse viver rodeado por mato e bicho, lua e
sol, sol e lua. Gosto do silêncio dos dias, do sopro da brisa e da ventania,
das folhagens em alaridos, dos passarinhos que chegam para cantar na borda de
minha rede. Amanheço e adormeço assim, num mundo moldado pela simplicidade em
tudo. E como gosto de caminhar adiante, cortar chão pelas veredas, avistar
ninhos, ouvir cantos, desbravar os pequenos mistérios da natureza. Contudo,
sempre desejo a visita de um amigo.
E quando chega
algum, outra coisa não quero que traga senão a presença e o proseado. Não quero
presente nem ouvir sobre um mundo que está mais além e que nada frutifica senão
o ódio, a violência, a maldade e a insanidade em cada um. Gosto que me fale da
família, da terra, da sobrevivência, da luta para em pé se manter. A tudo ouço
como um velho padre diante da confissão mais solene. E quando falo é pra dizer
que a verdadeira felicidade do homem é aquela construída para o bem viver.
Assim como o meu viver.
Por isso,
amigo, preciso que venha me visitar. Traga-me notícias sobre araçá, sobre
araticum sobre quixaba, sobre mel de abelha, até sobre redemoinhos e ventanias.
Gosto quando chega e não se nega a aceitar um bom pedaço de goiabada com
queijo, aprecio quando bebe de uma vez o café forte e acende o seu charuto já
depois da soleira da porta, enquanto lança o olhar sobre o mundo meu. Gosto
quando sai juntando garrancho e dizendo que aquilo era um trabalho pra mim.
Ontem passou
por aqui um viajante seguindo em sua direção, então resolvi lhe enviar a
presente missiva. E somente para reafirmar que quando quiser me visitar não
tenha receio, basta pegar a estrada e riscar na minha porteira. E que chegue já
sentindo ao longe o cheiro do café torrado e a canção festiva da natureza. Pois
viver é assim, na simplicidade do que se tem como vida.
Então venha me
visitar.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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