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sábado, 7 de janeiro de 2017

A CASA DA PEDRA

*Rangel Alves da Costa

De vez em quando viajo em pensamentos e até bato à porta da casa no alto da montanha ou me vejo nos mosteiros budistas construídos nas alturas tibetanas, quase escorregando pelos penhascos.

Subir à montanha e lá encontrar o refúgio de paz. Abrir a porta da casa e avistar um mundo pequenino adiante. Quanto o olhar avista desse cume de Deus, dessa altura de nuvem e de céu. E sentir a vida de modo tão diferente que o viver não será mais que uma doce e singela oração.

Há um silêncio total nos mosteiros budistas. Mesmo que por ali estejam alguns velhos monges na eternidade da meditação, o silêncio só é cortado quando mãos invisíveis fazem dobrar os sinos da fé. E é como se das encostas do penhasco a vida ao redor fosse despertada para o primeiro ofício do dia: dê a tua mão à outra mão!

Surge na minha mente um mundo assim. De olhos fechados avisto a igrejinha chegando à altura da nuvem. Ela está lá no alto do monte rochoso, bem no pico mais elevado, como se uma cruz fincada por uma fé extrema. Até lá seguirei um dia. De joelhos me dobrarei perante o seu altar e direi aos anjos que ali é muito alto, mas não cansa subir.

Mas nem tudo é sonho ou imaginação. Aqui mesmo no lastro terreno há uma casa construída em cima de uma pedra que muito me desperta a atenção. Talvez até as paredes sejam também de pedra bruta e cimento de tempo. De vez em quando passo bem ao seu lado e em tudo avisto a simbologia da frágil eternidade.

Frágil eternidade, isso mesmo. Avisto e sinto que a pedra também se desgasta, corrói, vai abrindo sulcos na sua impenetrabilidade. Ela continua grande, intacta, bonita, porém desgastada pelo tempo que vai pingando seu suor e pelas ventanias que sempre insistem em querer leva-la também.


A casa da pedra não fica no alto, mas apenas na altura da pedra grande. A casa da pedra não é diferente de outras casas, mas apenas que é de pedra e construída em cima de uma pedra. A casa da pedra possui aparência indestrutível. Mas é frágil demais. E duma fragilidade que mais parece o ser humano.

Ora, sempre imaginei que uma casa de pedra e construída em cima de uma pedra bem que poderia ter janelas e portas de ferro, ou mesmo de pedra. Mas não. As janelas e as portas da casa de pedra são de madeira comum, de uma madeira qualquer como aquela utilizada nas demais moradias.

Mas por que uma casa na indestrutibilidade da pedra possuir janelas e portas de madeira tão frágil e quebradiça? Talvez seja um mistério premeditado, concebido como lição à própria vida humana. Na pedra ou no ferro, sempre haverá um meio de mostrar suas frágeis entranhas. No ser humano não é diferente, ainda que fosse na tessitura mais inquebrantável do mundo.

Acaso fosse uma casa de pedra, no ser humano seriam avistadas portas e mais portas, janelas e mais janelas, todas velhas e carcomidas, caindo aos pedaços, deixando à mostra as mazelas dos vãos interiores. Na casa da pedra humana, de paredes impenetráveis, no entanto bastaria tocar e porta para fazê-la desabar. E assim por que há no homem tamanhas vulnerabilidades que todo o seu ferro em ferrugem se transforma num só instante.

Mas a casa da pedra continua logo após a estrada por onde costumeiramente caminho. Qualquer dia desses vou entrar no seu mundo e bater à sua porta. Não sei quem ali reside, jamais avistei seu semblante debaixo do sol ou da lua. Imagino, contudo, que seja uma pessoa que pouco ou nada sabe do significado daquela casa.

Somente quem assim construiu deveria saber. Mas creio que jamais imaginou deixar para a posteridade a grande visão do indestrutível perante o mundo tão frágil. Mas assim o fez. Na porta de madeira carcomida como proteção ao imperecível. E nisto a verdade: nada é tão forte que não acabe um dia. Até a casa de pedra em cima da pedra.

Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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