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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

NAS TERRAS DO BOM CONSELHO

*Rangel Alves da Costa

Não há nada distante no mundo. Pensei que jamais iria encontrar um lugar assim, mas eis que um dia me vi diante das portas de Bom Conselho. Não a localidade pernambucana, mas outra encravada num mundo muito diferente, assim como uma Macondo entre o real e o imaginário.

Um lugar realmente diferente de todos os outros lugares. Não era um mundo de utopia ou de ilusões, mas uma realidade difícil demais de se imaginar que pudesse existir. E dizem que o nome surgiu dos bons conselhos que todos os habitantes compartilham entre si desde as primeiras raízes.

Nas terras do Bom Conselho não se observava leis senão os bons conselhos, não se resolviam inimizades senão antes de se indagar se os rixosos haviam seguido os bons conselhos, não se admitia namoro ou casamento sem antes os enamorados não passassem pelo crivo dos bons conselhos dos pais.

E um fato interessante. Em todo lugar, geralmente são os mais velhos, as pessoas de maior sabedoria acumulada no tempo, que são ouvidos que se deseja um bom conselho, uma lição, um ensinamento qualquer. Mas ali não, pois uma criança poderia ser encontrada dando um bom conselho ao ancião.

Quando os bons conselhos eram dados por pessoas diferentes e divergindo entre si, outra coisa não se fazia senão colocar os conselheiros entre si para saber quais conselhos prevaleciam como aceitação dos demais. Daí em diante era aquele conselho que passava a valer.

Um livro de mil páginas poderia ser escrito apenas com o resumo dos conselhos mais prevalecentes nas terras do Bom Conselho. Ninguém anotava nada, pois tudo repassado oralmente, de boca em boca, mas tudo compreendido, aceito e seguido, como verdadeira lei que passa a reger a vida comunitária.

Daí que Bom Conselho era o único lugar do mundo onde a lei humana, codificada, não tinha validade alguma. Também não havia juiz nem delegado, não havia promotor nem policial, não havia necessidade de nada disso. Como aplicar a lei se o povo só seguia suas próprias leis, que eram os bons conselhos?


Assim, nesse mundo de palavras e de obediência a estas, os conselhos comandavam as vidas e as ações. Conselhos sobre casamento, sobre namoro, sobre sexo, sobre limpeza, sobre honestidade, sobre virtudes humanas, sobre pecados, sobre fé e religiosidade, sobre obediência, sobre tudo.

“Aconselha-se que após a limpeza da casa, todos os moradores sigam para a limpeza das ruas. E na limpeza da casa e das ruas, que as pessoas não permitam que permaneça um só grão de coisa que não tenha serventia”.

“Aconselha-se que se evite beijar na boca diante das outras pessoas, de modo que não desperte nestas vontade igual. O beijo além do lábio e além da boca só deve ser dado em ambiente fechado, de modo silêncio e sem grunhidos, comportamentos como humanos e não como animais”.

“Aconselha-se que a nudez seja evitada além da porta da frente. Mas também se aconselha que as pessoas possam ficar totalmente nuas nos seus ambientes domésticos, desde que as janelas e as portas estejam fechadas”.

“Aconselha-se que ninguém se preocupe com idade. Cada um deve viver segundo sua idade e fazer as coisas ajustadas ao seu tempo de vida. Não se deve agir como se mais velho fosse nem como mais novo fosse, pois tudo tem o seu tempo e a hora certa de acontecer”.

“Aconselha-se que todo conselho ouvido seja acompanhado de uma pergunta se o aconselhador também faz aquilo que aconselha fazer. Acaso negue que faça o que ensina fazer, aconselhável é que se proclame junto a todos tal fato para que aquela pessoa seja desacredita e expulsa das terras do Bom Conselho”.

Na última vez que cheguei a Bom Conselho fui aconselhado a não mais colocar os pés por lá. E por um simples motivo: eu era de outro mundo e não do mundo deles. E obedeci. Apenas relato o que conheci um dia.

Escritor

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