Seguidores

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

POSTANDO UM EXCEPCIONAL TRABALHO

Por Antonio Corrêa Sobrinho

Faz dois anos agora em janeiro, que postei neste grupo de apreciadores, estudiosos e cultores do cangaço o interessante ensaio sobre o banditismo nos sertões nordestinos, publicado no jornal "O Globo", em 1927, tempo de um Brasil de República Velha, de um Cícero Romão mandando, de um Antônio Silvino preso e de um "Lampião" fazendo das suas.

O texto completo foi dividido em seis capítulos. O primeiro eu trago agora. Os demais, oportunamente

“O GLOBO” – 10/09/1927
A PSICOLOGIA DO CANGACEIRO
O BANDITISMO NOS SERTÕES DO NORDESTE BRASILEIRO
UM ENSAIO POLÍTICO-SOCIAL
(Especial para o GLOBO)

A psicologia do cangaceirismo, que nos infesta grandes zonas do sertão, e, por via de regra, se trava com a politicagem, não tem sido até hoje estudado senão superficialmente, da mesma sorte porque o banditismo não tem sido reprimido senão de modo falho, sem consideração ou estudo das origens e do modo de ser daquela gente, a um tempo cruel e altivo, e sempre com todas as surpresas de uma quase inconsciência. É por isto mesmo que não podemos furtar à análise da opinião pública uma série de artigos em que versou tão intrincado assunto um conhecido político e ex-parlamentar do Norte, que se oculta de longa data sob o pseudônimo de Justiniano de Alencar, e vem de escrever especialmente para “O Globo” o referido trabalho ou ensaio, de que hoje oferecemos a primeira parte, dos seis em que ele se divide.

CAPÍTULO I

Há bem pouco tempo os jornais cariocas publicaram telegramas do Ceará, nos quais se noticiava a breve captura do célebre “Lampião” e do seu bando, cercados que estavam os bandidos em uma fazenda do interior daquele Estado. Dizia-se mesmo que essa captura seria uma questão de honra, sendo impossível aos bandidos escapar. As horas passaram; passaram dias, e novos telegramas traziam a triste nova de que o audaz bandoleiro furara o cerco, internando-se no matagal. E os jornais do Rio começaram a bordar comentários zombadores em torno do convênio estabelecido entre os chefes de Polícia dos Estados do Nordeste para a perseguição do bando sinistro, chegando algumas folhas a tecer irônicos ditirambos ao herói do crime.

Entretanto, se aqui, no Rio, se conhecesse a geografia física e política do Nordeste brasileiro, far-se-ia, certamente, mais justiça aos abnegados policiais que vivem arriscando a vida, centena de vezes, contra um inimigo quase invisível, protegido pelos acidentes do terreno, que conhece a palmo, protegido pelas caatingas cerradas, onde rasteja como animal bravio, protegido, em suma, pelo apoio que lhe prestam os parentes e políticos sertanejos, de longa data habituados a um regime quase feudal e a se aproveitarem desses infelizes escorraçados da sociedade para suas vinganças particulares.

Raras, raríssimas vezes, os bandidos enfrentam a força pública que os persegue quando surpreendidos nessas horas noturnais formadas pelas arestas das serras onde se acoitam. Em regra, quando surpreendidos nessas lutas temíveis, tiroteiam durante minutos para abater alguns soldados, e, logo que presentem o assalto da tropa para desalojá-los em luta corpo a corpo, fogem, internam-se nas grotas profundas e quase inacessíveis, onde a perseguição é impossível para uma força organizada e desconhecedora do terreno.

A tropa, então, ou volta para os povoados próximos, onde está aquartelada, ou permanece algum tempo pelas redondezas do local da luta, em pesquisas sempre infrutíferas, porque a tática do cangaceiro consiste em sumir-se como que por encanto, não dar o menor sinal de si, manter-se escondido nos matos durante um espaço de tempo calculado para que a calma de restabeleça, e surgir, de repente, dezenas de léguas distantes dos lugares onde permanece a força policial, para atacar uma fazenda isolada, que ele sabe, de antemão, desprotegida de qualquer auxílio.

Jornadeando durante a noite por (...) atalhos, evitando as estradas públicas, oculto durante o dia nas caatingas – o bando sinistro semelha (...) infernais que aparecem e desaparecem com a rapidez do raio, deixando após sua passagem a desolação e o terror. Como, se prevenirem esses (...)? Como se espalharem forças policiais por uma região onde são percorridas, às vezes, 10, 15 e 20 léguas, sem se encontrar uma casa?

É preciso conhecer-se a gênese do “Cangaceirismo” para se poder avaliar as dificuldades quase insuperáveis que terão de vencer os governos dos Estados nortistas para extingui-lo, quer se considere o desabitado da zona sertaneja, quer a geografia física daquela região, como que projetada para a mantença dessa calamidade, pela abundância de esconderijos constituídos por um mato baixo, cerrado e coberto de espinhos, e por grotas profundas e quase impenetráveis, ou quer se atente para os hábitos astuciosos do cangaceiro, misto de bravura e covardia, de crueldade e clemência, de rapinagem e caridade, de desonestidade e honradez, de fidelidade e perfídia, por mais que isto pareça paradoxal.

O Dr. Raul Azedo, médico insigne em Recife, é uma das inteligências mais cultas do Brasil, conhecedor de grande parte dos sertões de Pernambuco e Alagoas, tem publicado no “Diário da Manhã”, de Recife, uma série de artigos interessantíssimos sobre o cangaceirismo, dos quais se evidencia o enorme esforço que precisarão desenvolver os governos nortistas para vencer esse flagelo dos sertões.

“O problema do cangaceirismo nordestino – diz ele – é um dos mais complexos sobre que se pode exercer a análise do sociólogo. Emaranham-se na sua gênese fatores remotos e atuais, de ordem étnica e física uns, de ordem social e política outros.

A conquista do interior brasileiro se faz à custa de luta sangrenta e prolongada, em que ao trabuco e à espada do invasor respondiam galhardamente a flecha e o tacape do aborígene.

Não admira, pois, que para tais gentes, a bravura, a força física, a agilidade, a destreza no manejo das armas, constituíssem as virtudes e os predicados mais nobilitantes e invejáveis do ser humano.”.

Três raças, bem diversas, concorreram para formar o tipo de sertanejo do nordeste brasileiro: - a dos índios, em luta constante contra os invasores do seu território, que o caçavam como bestas-feras matando-os ou repelindo-os para o centros portugueses, aventureiros, habituados no morticínio nos combates, que invadiram o interior do Norte, uns sequiosos de ouro, que julgavam encontrar com facilidade, outros para se apossarem de terras doadas pelo governo da metrópole e que ali queriam estabelecer à força seus domínios, mantendo os primitivos donos, sem misericórdia, desde que (como diz Raul Azevedo) “estavam convencidos de se acharem em presença de seres fora da humanidade, relativamente aos quais seriam descabidas a compaixão ou a observância de quaisquer sentimentos afetivos”; e, por fim, a dos negros africanos, escravizados e arrastados para aquelas terras, a serviço desses senhores desumanos.

Assim, ora em luta permanente com os selvagens, ora suspendendo temporariamente as hostilidades e, durante as tréguas, misturando-se, unindo-se sexualmente e procriando, as três raças acabaram, com o decorrer dos tempos, por se fundir em uma, com algumas virtudes inatas ao homem, mas onde predominavam os vícios, e, sobretudo, os instintos guerreiros e sanguinários, alimentados pela ampla liberdade em que viviam, longe dos centros de civilização e sem a mínima sujeição legal.

Em tais condições é bem de ver que, sendo o sertanejo nortista um produto daqueles antigos elementos em luta, desconhecendo os verdadeiros princípios sociais, completamente ignorante de tudo o que não fosse a luta pela vida, livre de códigos e de sanções penais, a sua lei era a lei selvagem – a da “força”; o seu direito era a sua “vontade”; a sua justiça, o “bacamarte” e o “punhal”.

Mais tarde, quando as estradas de ferro foram penetrando pelo interior dos Estados e os governos entenderam levar um pouco de civilização e de ordem àquelas zonas selvagens, a política interveio para transformar os sertões em feudos dos políticos que estavam no poder, e os sertanejos bravios passaram a vassalos das autoridades que os subjugavam com os soldados de que dispunham a seu talante. E, se algumas dessas autoridades procediam com prudência e justiça, outras ligavam-se a uma família sertaneja de maior prestígio na localidade, quer para efeitos políticos, quer para enriquecerem rapidamente, apropriando-se de terras e gados pertencentes a outras famílias.

Mas, como a política varia e os que se achavam no poder caíam de chofre no ostracismo, para dar lugar ao partido adverso, novas autoridades eram enviadas pelos novos governos para os sertões, em substituição dos primeiros, que já se encontravam donas de latifúndios e ligadas a uma ou mais famílias sertanejas; e, como as novas autoridades, devidamente garantidas pela força pública, queriam, por sua vez, criar e organizar seu partido político no sertão, manobravam como as primeiras, ligando-se a outras famílias sertanejas, até então desamparadas de prestígio, e procedendo em tudo e por tudo como aquelas que substituíam.

É claro que, “mutatis mutantis”, a justiça dos novos dominadores, com raras exceções, passava a proteger os sertanejos sectários do seu credo político, em detrimento do “direito” dos adversários, tal qual como estes haviam procedido quando dispunham das autoridades policiais e do prestígio político.

E assim foi a política se imiscuindo na vida sertaneja, dividindo em castas inimigas aquela população bravia, e sucessivamente dando força e prestígio quer a um, quer a outro grupo de famílias, conforme se achava no poder quer um, quer outro dos partidos que governavam a Nação.

Ora, como os instintos selvagens do índio (que não perdoa ao inimigo), associado aos sentimentos autoritários e violentos do europeu invasor, e à barbaria supersticiosa e cruel do africano, continuavam a preponderar o sertanejo nordestino, produto desse amalgama de sentimentos os mais opostos – originaram-se, daquela intervenção vinda do litoral, lutas sangrentas entre as famílias sertanejas que se não sujeitavam à convenção legal, preferindo a justiça como a entendiam: primitiva, rápida, e exercida por suas próprias mãos contra quaisquer ofensas recebidas, com o assassínio do ofensor; de modo que, perseguidos como criminosos, uniam-se a parentes, internavam-se na vastidão do nosso território, em luta perpétua, até à morte, com as autoridades perseguidoras.

Eis como se gerou o tipo do “cangaceiro” – espécie de nômade, como o índio, seu antepassado, sem habitação fixa, vagueando pelas caatingas e pelas serras inacessíveis, vivendo como os animais, e denominado cangaceiro, do vocábulo – “cangaço” (conjunto de armas) pelo fato de andarem esses criminosos carregados de armas diversas.

Justiniano de Alencar.

Fonte: facebook
Página: Antonio Corrêa Sobrinho
Grupo: Lampião, Cangaço e Nordeste
Link https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/permalink/591114671097481/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário