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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CAMINHO AO PÔR DO SOL

*Rangel Alves da Costa

Estava como angustiada, nervosa, olhando o relógio de minuto a minuto. Levantava a cabeça a todo instante e sempre em direção ao poente do sol. Depois seguia um pouco mais adiante e voltava. E assim seguidamente.

Depois das quatro horas da tarde, então passou a se mostrar ainda mais apreensiva. Seus olhos não procuravam outra direção senão os lados do poente, lá nas distâncias do horizonte. Quando já estava se aproximando das cinco horas, de repente fechou a porta e saiu.

E saiu olhando para o alto, mirando na direção do sol. Já ao entardecer, sem a pujança de antes, o sol começava a fazer seu caminho de volta. Não era mais o astro brilhoso, de intensa luminosidade, apenas um resto de luz se preparando para adormecer sua chama.

O que pretendia, então, aquela mulher caminhando em direção ao pôr do sol, como se fosse possível alcançar seu resto de luz? Mas o que ela pretendia era exatamente alcançar o sol no seu instante de adeus. Ela queria abraçar aquele resto de luz como se ali estivesse um ato de última vontade.

Como se cegasse diante de tudo, ia pulando cerca, passando por debaixo de arame, vencendo perigos, sempre seguindo adiante em direção ao poente. Por estradas, veredas, por dentro do mato, e sempre olhando para o alto, mais parecia uma enlouquecida buscando um alento para o seu tormento.

Quando mais caminhava mais tudo lhe parecia mais distante. Imaginava o avermelhado do sol já perto de si, mas novamente olhava para sentir suas cores distantes, como que escondidas entre as nuvens. Mas não podia parar. Sabia - conscientemente ou não - que não demoraria para que o sol sumisse de vez e as sombras da noite escurecessem sua estrada.

Por isso tinha pressa, tinha de chegar o mais rapidamente possível. Olhando para o alto, sentia que o amarelado já havia tomado uma cor alaranjada, e que o afogueado já estava transformando aquele ponto de luz em vermelhidão. Era como se o fogo avivasse para depois as chamas avermelhadas se consumirem em si mesmas até se transformarem em cinzas.


E ela tinha de alcançar o sol antes que as nuvens encobrissem de vez sua última luz. Precisava fazer aquilo, necessitava daquela última luz, tinha de chegar a tempo de sentir tudo de perto, ainda que somente as brasas fraquejantes daquele adeus. Mas será se haveria tempo? Quanto mais caminhava e corria mais a luz se distanciava e parecia querer apagar de vez.

Estava cansada, exausta, lanhada de espinhos e pedras, suja de terra, com as roupas rasgadas, ferida e sangrando nas mãos, nos pés e nas pernas. Olhos vívidos, abertos, petrificados, feição desesperada, alma angustiada. Quase não suspirava, apenas ofegava a cada passo apressado diante daquele louco desejo, perante aquela insana vontade.

Louca, débil, insana? O que faz uma mulher agir assim, esperar o sol tomar seu rumo de despedida e depois sair apressada em direção ao seu portal de adeus? Doida varrida, transtornada mental, completamente maluca? O que faria uma mulher imaginar que caminhando e correndo poderia alcançar o sol no seu poente?

Não é da normalidade humana agir assim. De qualquer modo, desde a primeira luz do amanhecer, passando pelo dia até chegar sua despedida, o sol sintetiza a própria vida em seu percurso: nascer, viver, morrer. Surge belo, fulgura resplandecente, para depois lentamente se esvair.

E o pôr do sol simboliza os sonhos não alcançados, os desejos não conseguidos, os objetivos de vida que não foram colocados em prática. Então, de repente, a pessoa desperta e sente uma vontade imensa de tudo conseguir a partir daquele instante. E vai enlouquecidamente em busca de realizar naquele tempo que lhe resta viver. E numa fase da vida onde a manhã já se foi, o dia também, e agora só resta a beleza do pôr do sol.

O pôr do sol afeiçoa-se, assim, ao que resta do sol e o que resta na pessoa humana. Ali o seu último brilho, o seu último instante de força e de beleza, para depois tudo acabar em sombras em cinzas. O sol renasce na manhã seguinte, mas com o ser humano é diferente. Há somente uma vida. E nesta, para tudo realizar.

Por isso mesmo aquela vontade insana daquela mulher em alcançar o pôr do sol. Os sofrimentos da vida já haviam lhe consumido o poder de realizações, e agora, mentalmente afetada, via naquele pôr de sol sua última esperança. Mas não conseguiu. Exausta, sem poder seguir adiante, apenas conseguiu avistar a última réstia de sol.

Chorou, gritou, abriu os braços para o alto, quis voar. E como estátua permaneceu olhando para o alto enquanto as nuvens recobriam tudo. Já não havia pôr do sol. As sombras da noite chegavam. Então ela desabou. Também se pôs. Para não renascer.

Escritor
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