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sexta-feira, 5 de maio de 2017

ASSIM ELE DISSE

*Rangel Alves da Costa

Assim ele disse um dia. Talvez ninguém tenha ouvido suas palavras, talvez suas palavras tenham se perdido ao vento, talvez os seus ecos não mais ecoem suas verdades. Contudo, o silêncio do tempo sempre cuida de preservar aquilo que ao homem serviria como lição para o tempo e que vive. E por que faz assim? Simplesmente por que certas palavras existem sem que tenham de ser ditas e guardadas, apenas compreendidas como verdades inatas.
E talvez tenha sido por isso que assim ele disse um dia. Mas quem? Um sábio, um profeta, um deus, um filósofo, uma pessoa comum, um homem e sua palavra. Ou mesmo o próprio tempo que foi recolhendo suas próprias lições e fez espalhar pelo mundo seu breviário de sabedoria. Quem dera ter sido eu que do alto do monte, com a mão segurando em cajado, tivesse falado como ele falou. Assim:
“Meu olhar vai muito além do horizonte e de mais adiante, alcançando o primeiro grão de areia da primeira estrada de tudo. Lá, onde tudo começou, eu estava. E o que sou agora é também o que já fui desde aquele primeiro passo. Eis que sou fruto de seres que são frutos de outros seres, desde o que sou e serei ao primeiro; desde o que sou ao que foi o meu pai e todos aqueles que antes dele vieram.
Por isso tenho nome e sobrenome que não dizem nada. Tudo falso e tudo ilusão, pois talvez o homem seja esquecido se o seu nome não for lembrado. Por isso que meu nome é sangue, é raiz, é linhagem, é ancestral, é hereditariedade, é passado. Ninguém pode tirar do ser aquilo que está na sua alma, no seu espírito, na sua ancestralidade. Por consequência, a morte jamais será fim de alguém. E ninguém morreu desde aquele primeiro passo naquele primeiro grão de areia. 


Então, que digam ao homem que ele faz parte de família maior do que poderia imaginar. Digam ao homem que sou seu sangue, vim da mesma raiz, que sou seu irmão, que viemos do mesmo lar um dia aumentado com a chegada de tantos outros irmãos. E muitos ainda virão. Digam ao homem que assim como sou seu irmão, aquele outro desconhecido também o é. O rico e o pobre são seus irmãos, o sadio e o enfermo também, todos, igualitária e indistintamente.
E creio não ser da normalidade humana, de seres que pensam, raciocinam, sabem distinguir o bem e o mal, a verdade e a mentira, e tudo o mais que os diferencia dos irracionais e loucos, o desconhecimento e a desvalorização do seu irmão. E são tantos e são todos irmãos. Irmãos desde aquele primeiro grão no primeiro passo, e que continuam unidos pelos laços da hereditariedade no tempo e do parentesco vindo daquele primeiro pai.
Vai de encontro à vida, ao sentido da existência, que o menosprezo ao próximo, e que é seu irmão, tantas vezes se transforme em ódio, em ameaça, em violência. Quando um irmão tira sangue de outro está derramando o sangue de si mesmo, do próprio corpo. Quando um irmão quer ou tenta destruir o outro, estará fazendo desabar sobre si o seu próprio castelo. E quantos egoísmos, vaidades, arrogâncias, brutalidades, situações que sempre acabam fazendo o caminho inverso. Ao erguer a mão implorando ajuda, os outros irmãos temerão, por medo, qualquer aproximação.
Mas eis a força do tempo e das transformações. Haverá o dia do desconhecimento, do esquecimento, mas também chegarão os tempos do arrependimento e da remissão. E aquele que olha pra trás e consegue enxergar sua casa e sua família naquele tempo primeiro, também conseguirá avistar todos os seus irmãos ao redor. E jamais viverá na solidão ou no sofrimento”.
Assim as palavras, assim as lições antigas. Ao menos assim é que ainda ouço ecoando no vento.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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