*Rangel Alves da Costa
Todos deveriam ser iguais não somente perante a lei como na realidade cotidiana da vida. As pessoas, e seja de qualquer raça, cor, crença, poder aquisitivo e raiz familiar, dentre outros aspectos, deveriam ser reconhecidas e valorizadas como fundamentais, pois seres humanos na sua essencialidade.
Ora, o mundo não é habitado nem progredido apenas através dos “grandes homens”, das “eminentes figuras”, de bacharéis, doutores, poderosos e autoridades sem fim, mas por todas as pessoas, seja o de gravata ou o descalço, seja o de anel dourado no dedo ou o de chinelo no pé. Todos, indistintamente, possuem sua devida importância na sociedade, no meio em que vivem e na realidade que compartilham.
Neste sentido, reconhecer a importância dos filhos de Poço Redondo não implica apenas em falar daqueles tidos como mais ilustres, mas sim de todos aqueles que no passado e no presente fazem parte de sua história, pois, ao seu modo, são todos responsáveis por um percurso histórico desde as primeiras raízes. Importante aquele empobrecido que vive nas distâncias matutas, importante aquele citadino de maior posse, importante aquela fateira ou lavadeira, como importante é o bodegueiro ou o grande comerciante.
Há de reconhecer, assim, uma importância igualitária. Ora, Poço Redondo não caminhou somente pelos passos de Alcino, de Durval, de Zé de Julião, de João Bernardino de Sá ou de Tião de Sinhá, dentre outros. Mas também nos passos de Maria do Piau, de Remígio, de João Mulatinho, de Augustinho, de Tonho Bioto, de Adília, de Jailson, de Maninho, de Angelino, de João Paulo do Alto, de Mané Véio. E continua caminhando nos passos de Zefa da Guia, de Mestre Tonho, de Zé Veinho, de Marizete, de Quitéria Gomes, de Niltão Aboiador. Só para citar alguns.
Logicamente que a história dos grandes homens, das ilustres figuras - por ser seletiva -, conta tudo diferente. Contudo, o cotidiano é providência tomada e levada adiante por pessoas simples, humildes, que nem sempre são lembradas nas suas ações. E são estas pessoas que devem ser vistas e reconhecidas como importantes e fundamentais não só no percurso histórico de Poço Redondo como de qualquer lugar. O mateiro, o roceiro, o vaqueiro, o caçador, o pescador, a varredeira, o catador de lixo, o sapateiro, o desempregado, o da choupana e o do barraco, todos são primordiais para o reconhecimento da identidade de um povo.
E Poço Redondo progrediu a partir dos esforços de pessoas simples, comuns. Num tempo onde os latifúndios ou as terras de eréu pouco ou quase nada produziam, era através das pequenas agriculturas e dos pequenos rebanhos que a subsistência de todos era garantida. Maria do Piau, por exemplo, surgia na esquina gritando a sua piaba miúda, salgada. João de Virgílio não negava a ninguém um carregamento nas costas desde o Curralinho à sede municipal, e vice-versa. E tantos e tantos outros trazendo o seu queijo, o seu melão coalhada, o seu quarto de carne de bode, colocando à disposição do pobre e do rico.
Galego do Alto se esforçava o máximo em meio ao calor de seus ferros abrasados para garantir o chocalho, o ferro de marcar bicho, tudo o que um bom ferreiro pudesse oferecer. Zé Rosa engolindo pó de serra para não deixar faltar a encomenda da porteira, do caixão, do banco de madeira. Mulheres passavam meses para terminar uma só colcha de renda. E depois vender por preço bem abaixo do merecido. Sem esquecer aqueles que seguiam pra roça com o dia ainda escurecido e só retornavam perto da boca da noite. Comida levada em cuia enrolada em panos e água de melancia verdosa enterrada para perder a quentura de riba da terra.
Pessoas simples, comuns, eram as responsáveis por tudo isso. E aos sábados aqueles pequenos feirantes arriscando a vida em cima de paus-de-arara para trazer da Boca da Mata (Glória) a farinha, a banana, a laranja, o açúcar. Assim Zé de Iaiá, Mané Azedinho, Delino, Ireno Cirilo e tantos outros. Todos estes - e mesmo as pessoas sem ofício algum definido - foram os verdadeiros responsáveis pela construção da história de Poço Redondo.
Escritor
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