Por José Romero Araújo Cardoso
Trazendo o título de Lamentos de um sertanejo, importante cordel de autoria do
poeta popular Nilson Silva, publicado no ano de 2013, integrando a Coleção
Poemas e Cordéis, destaca-se pela denúncia contra a forma como o sertão vem
sendo transformado, graças à antropização exacerbada.
Ênfase à nostalgia, quando o semiárido irradiava plenamente belezas como o
cantar do vento, o grito da correnteza, o canto do sabiá e o arrulhar da
burguesa, destaca-se no refrão inicial da poética popular do renomado
cordelista mossoroense, nascido a 26 de maio de 1958.
O autor intercala de forma ímpar elementos da cultura popular sertaneja, como o
aboio do vaqueiro e o glamour das festas juninas com as lembranças das
características marcantes dos pássaros que outrora enchiam com plenitude e
beleza inaudita recantos mais escondidos dos confins do semiárido.
O desmatamento e o abandono do campo tem trazido conseqüências desastrosas para
a região sertaneja, sendo difícil nos dias de hoje observar-se, como no
passado, cantos do acauã, da coruja, da casaca-de-couro, do grito do carão em
busca de aruá, não ouvindo-se mais sapo e rãs coaxando na beira de uma lagoa.
O hábito de aprisionar passarinhos contribui de forma afrontosa para que as
espécies que embelezavam o sertão com seus cantos magistrais não sejam mais
encontradas em grande profusão.
Impossibilitadas de dispor de condições de dar continuidade à vida em uma
região que vem apresentando-se cada dia mais inóspita e desafiadora, aves que
integravam indelevelmente a presença biológica no bioma caatingueiro
desaparecem sem deixar vestígios.
Lembranças estão integrando a ecologia regional, pois o desequilíbrio é notado
a olhos vistos, ameaçando de extinção pássaros como o canário, juriti, asa
branca, bem-te-vi, xexéu, colibri, azulão, pintassilgo, xororó jaçanã, socó e
nhambus.
Também espécies de médio porte da fauna sertaneja são citadas no cordel de
autoria do poeta popular Nilson Silva, pois gato maracajá, peba, tejuaçu, tatu,
tamanduá, veado mandigueiro, mocó, cutia e preá também estão desaparecendo,
entrando na lista de animais ameaçados de extinção.
A caça predatória e o comércio clandestino de pele e couro de animais
silvestres tem se responsabilizado pelo sumiço dessas espécies, destacando
ainda o desaparecimento das emas que em épocas passadas perlustravam
todos os quadrantes da chapada do Apodi, juntamente com imensas varas de
porcos-do-mato.
Integrando a paisagem sertaneja, encontrava-se agricultor rasgando o ventre da
terra, esperando e obtendo sucesso em safras magistrais de arroz, milho e
feijão, em suma, produtos da agricultura de subsistência sertaneja, a qual, ao
lado do algodão responsabilizavam-se pela efetiva geração de emprego e renda no
campo na região semiárida.
A agricultura de subsistência, castigada pelas estiagens, hoje se torna desafio
e incógnita quanto à sua continuidade, tendo em vista privilégios auferidos
pelo agrobusiness, detentor de inúmeras vantagens, incluindo, entre estas,
condições plenas de utilizar a água do lençol freático, coisa quase impossível
para o agricultor desprovido de recursos tecnológicos e financeiros.
A cultura algodoeira, desestruturada em meados da década de oitenta do século
passado, graças à chegada da praga do bicudo, não tem mais importância na
economia regional, restando apenas lembranças de uma época áurea na qual o
homem sertanejo era bem mais feliz do que nos dias de hoje.
Finalizando o cordel, o último refrão destaca a necessidade de proteger a
natureza antes que o sertão desapareça por completo, tragado pelos pontos de
desertificação que afligem todos que se preocupam com o meio ambiente em uma
região frágil em suas características ecológicas.
José Romero Araújo Cardoso
- Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial
(UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP), da
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da Associação dos
Escritores Mossoroenses (ASCRIM)
Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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